Mediação está sendo conduzida pelo Conselho Nacional de Justiça
Foto: Antonio Cruz / Agência BrasilUma mediação conduzida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) poderá resultar em um novo acordo para resolver gargalos do processo de reparação da tragédia de Mariana, que se arrasta desde 2015. Passados quase seis anos do rompimento da barragem da mineradora Samarco, mais de 80 mil demandas judiciais estão na fila aguardando apreciação. Nos últimos meses, reuniões para enfrentar a situação foram realizadas com a participação de representantes dos governos, dos tribunais de Justiça, dos ministérios públicos e das defensorias públicas de Minas Gerais e do Espírito Santo, bem como do Ministério Público Federal (MPF) e da Advocacia-Geral da União (AGU).
A experiência em torno da tragédia
de Brumadinho (MG) deverá ser uma referência para as tratativas. Em
fevereiro deste ano, foi firmado um acordo onde a Vale, responsável pela
barragem que se rompeu e resultou em 270 mortes em 2019, se comprometeu
a destinar R$ 37,68 bilhões. Esse montante custeará um conjunto de
medidas voltadas para reparar e compensar os danos do rompimento da
barragem.
"Não tenho dúvida que o acordo de Brumadinho é um marco na reparação e na compensação socioambiental e socioeconômica no Brasil e no mundo. É um dos maiores acordos em termos de valores", disse à Agência Brasil o procurador da República Carlos Bruno Ferreira da Silva, que participa das negociações representando o MPF.
As negociações foram iniciadas a partir de um pedido do juiz Mário de Paula Franco Júnior, da 12ª Vara Federal de Minas Gerais, o responsável pela maioria dos processos ligados à tragédia de Mariana. Diante do grande volume de ações judiciais, ele solicitou em março que o CNJ instaurasse a mediação entre todas as partes envolvidas. A partir daí, o Observatório Nacional sobre Questões Ambientais de Alta Complexidade, uma parceria entre o CNJ e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), ficou encarregado de fazer um amplo mapeamento da situação.
No final de
julho, uma carta de premissas foi pactuada por todas as partes
envolvidas. A assinatura do documento se deu em um encontro presidido
pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux,
também presidente do CNJ. Elaborada sob a coordenação do Observatório, a
carta estabeleceu diretrizes para a renegociação das medidas de
reparação.
Na tragédia de Mariana, 19 pessoas morreram e
dezenas de cidades mineiras e capixabas situadas na Bacia do Rio Doce
foram impactadas após o rompimento da barragem do Fundão, em novembro de
2015. O atual acordo de reparação foi firmado em março de 2016 entre a
Samarco, suas controladoras Vale e BHP Billiton, o governo federal e os
governos de Minas Gerais e do Espírito Santo. Conhecido como Termo de
Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), ele estabeleceu 42 programas.
Para administrá-los, foi criada a Fundação Renova.
Crítico do acordo, o MPF moveu em maio de 2016 uma ação contra as três mineradoras, na qual calculou em R$ 155 bilhões os prejuízos causados na tragédia. A tramitação desse processo chegou a ser suspensa para tentativas de negociação, que tiveram alguns resultados como a ampliação da participação dos atingidos em instâncias da Fundação Renova. No entanto, não houve consenso para uma composição final. Em outubro do ano passado, o MPF pediu a retomada da ação por considerar que a entidade tinha pouca autonomia diante das mineradoras e que o processo de reparação não teria sido capaz de indenizar todos os atingidos e de reconstruir as casas destruídas.
Uma nova paralisação desse processo, no entanto, é um dos itens definidos na carta de premissas pactuada no mês passado. Ficou estipulado no documento um prazo de 120 dias para as tratativas: são 13 semanas para discussão de diversos tópicos e mais quatro semanas para redação da minuta de um termo final.
"Mais
importante do que cumprir esse prazo, é conseguirmos ter o acordo que
solucione um problema que já dura quase seis anos. Vamos insistir na
negociação até que tenhamos um termo que seja adequado para todas as
partes e principalmente para os atingidos", disse Carlos Bruno. O
procurador lembrou que acordos anteriores já previam uma reavaliação das
medidas de reparação em junho de 2020, prazo que já foi ultrapassado.
Governança
O acordo resultado após a tragédia de Brumadinho (MG), que serve como referência, previu uma governança distinta daquela fixada no TTAC. Dessa vez, o MPMG e o MPF participaram das tratativas. Junto com o governo de Minas Gerais, ambas as instituições se colocaram contrárias à criação de uma entidade similar à Fundação Renova, por avaliar que ela não tinha a autonomia necessária.
Celebrado em fevereiro deste ano, o
acordo de R$ 37,68 bilhões inclui algumas medidas que serão executadas
diretamente pela mineradora, enquanto outras ficarão a cargo do governo
estadual ou serão definidas pelos atingidos em conjunto com o MPMG, o
MPF e a Defensoria Pública do estado. A parte que cabe ao Executivo
mineiro envolve uma série de projetos compensatórios, que totalizam R$
11,06 bilhões: grandes obras viárias e de mobilidade, equipagem de
hospitais, melhoria de equipamentos e órgãos públicos, programas
sociais, capacitação de servidores, políticas públicas de saúde e de
preservação ambiental, entre outros. São iniciativas que serão
implementadas não apenas na região atingida, mas em todo o estado.
A
repactuação em torno da tragédia de Mariana poderá se inspirar nesse
modelo. "Um dos temas que será tratado é governança. E aí se pensa no
modelo como um todo. Como é uma negociação, eu não tenho como dizer o
que vai acontecer. Mas a ideia é que a gente alcance uma governança que
efetivamente traga a reparação e a compensação para os atingidos. Mais
do que pensar se tem ou não tem Fundação Renova, é pensar em um modelo
que efetivamente funcione, tenha transparência, legitimidade e
efetividade para trazer resultados", explicou Carlos Bruno.
No
caso da tragédia de Mariana, tanto as medidas reparatórias como as de
caráter compensatório foram circunscritas à Bacia do Rio Doce e aos
municípios afetados: são ações de recuperação florestal, projetos de
conservação da biodiversidade, obras de saneamento, melhorias de
infraestrutura, etc. A carta de premissas firmada no mês passado
estabelece que a repactuação tem como objetivo um "acordo integral" e
uma "reparação definitiva, efetiva e eficiente". Um dos tópicos prevê a
"entrega de soluções definitivas, quitação de obrigações, visando a
extinção de ações judiciais e substituição de acordos previamente
firmados".
A princípio, o posicionamento oficial das
mineradoras indica uma resistência à inclusão de novas medidas. A
Samarco informou, em nota, que discute a repactuação das ações que estão
sendo conduzidas pela Fundação Renova. Disse ainda estar comprometida
com as comunidades atingidas e com "o aprimoramento dos acordos já
celebrados de forma a trazer maior eficiência e definitividade à
reparação integral dos danos causados pelo rompimento da barragem".
A
Vale, por sua vez, divulgou uma nota no mês passado onde considera que
as tratativas devem respeitar os limites do TTAC. A mineradora reconhece
a “desburocratização da governança” como uma das premissas da
negociação, mas pondera que "nos termos do §2º, da cláusula 232, do
TTAC, o valor predestinado à compensação dos danos causados, com o
rompimento da barragem de fundão, não reparáveis, já foi estipulado e
não é objeto da repactuação, que visa a otimização e maior eficiência e
objetividade no avanço dos 42 programas, que seguem em andamento".
Valores

Horta
na propriedade de Waldir Pollack em Paracatu de Baixo, distrito de
Mariana, no local são cultivadas cerca de 40 variedades de hortaliças e
legumes.
A Vale avalia que a repactuação deverá estar mais voltada para "sanear controvérsias técnicas". Mas essa posição deverá se chocar com outras partes envolvidas, que consideram a revisão de valores como ponto chave nas discussões. Segundo dados da Fundação Renova, a reparação custou até o momento cerca de R$ 14 bilhões, sendo R$ 4,7 bilhões destinados a indenizações e auxílios financeiros emergenciais para 328 mil pessoas.
"Todos os envolvidos
reconhecem que, inegavelmente, os impactos no Rio Doce foram muito
maiores em comparação com Brumadinho. Então para se pensar em reparação
integral, provavelmente precisaremos pensar em valores maiores. Dentro
da questão ambiental, há o princípio da reparação integral. Então não é o
MPF ou as empresas que irão dizer os valores. São cálculos técnicos. No
próprio processo, o MPF conta com experts que estão fazendo a avaliação
dos danos socioambientais e dos danos socioeconômicos. O valor final
terá que ser compatível com o que se verificou na prática", disse o
procurador.
Entre as comunidades atingidas, uma das principais
críticas ao acordo de Brumadinho diz respeito à falta de participação
popular nas negociações. Para o MPF, esse é um ponto que precisa ser
melhorado no processo de repactuação da reparação da tragédia de
Mariana. "Conseguimos um ótimo acordo para Brumadinho, mas podemos
pensar em mais participação social e controle social ao longo da
negociação. E que se consiga um resultado significativo e que
efetivamente, como irá ocorrer em Brumadinho, traga resultados para a
comunidade atingida", avalia Carlos.
Pensando justamente em
ouvir a população, o CNJ divulgou na terça-feira (10) um edital das
audiências públicas, nas quais deverão ser levantados problemas vigentes
junto às comunidades atingidas. Elas deverão ocorrer nos dias 10 de
setembro, 6 de outubro e 1º de dezembro, todas por meio da plataforma
virtual Cisco Webex, com transmissão pelo canal do CNJ na rede social
YouTube.
"Já é um primeiro grande passo para que a gente ouça a
população e para que tenhamos uma maior pactuação social dentro dessa
negociação", disse o procurador.
Enquanto o processo de
mediação estiver em curso, a Fundação Renova assegurou que as medidas
previstas no TTAC e conduzidas pela entidade não serão paralisadas. "As
ações que compõem a reparação seguem em andamento", informou em nota.

Comunidade
de Paracatu, distrito de Mariana, atingida pelo rejeito após o desastre
do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana.
Indenizações individuais
Há outras questões que precisam ser equacionadas. O acordo da tragédia de Brumadinho envolveu apenas a reparação de danos coletivos. As discussões sobre indenizações individuais e trabalhistas estão se desenvolvendo no âmbito de processos judiciais e extrajudiciais específicos. Por sua vez, o acordo sobre a tragédia de Mariana estabelece o programa de indenizações. Essa diferença é, portanto, um dos tópicos que precisará ser solucionado entre as partes.
Desde a tragédia em 2015, o
processo indenizatório tem gerado diversos questionamentos e protestos
por parte dos atingidos. Segundo o CNJ, cerca de 85 mil processos
relacionados ao episódio tramitam na Justiça brasileira. Em julho do ano
passado, a Ramboll, uma das consultorias externas independentes que
assessora a atuação do MPF, apontou que apenas 34% das famílias
cadastradas haviam recebido algum valor indenizatório.
Alguns
atingidos buscam reparação fora do país. Uma ação foi no Reino Unido,
movida pelo escritório PGMBM Law em nome de milhares de atingidos e
diversas prefeituras e empresas, além da Igreja Católica. Eles processam
a BHP Billiton, controladora da Samarco que possui sede em Londres.
No
Brasil, os pagamentos ganharam um impulso no final de 2020 a partir de
uma série de decisões judiciais que levaram à implantação do Sistema
Simplificado. Por meio desse sistema, trabalhadores informais de 28
localidades, que ainda não tinham sido reconhecidos como atingidos após
cinco anos da tragédia, estão conseguindo obter valores referentes a
danos morais e materiais. As quantias variam entre R$ 54 mil e R$ 161,3
mil. Donos de embarcações e outros grupos também estão sendo
contemplados. O MPF, no entanto, considera que houve irregularidades nas
decisões que subsidiaram a criação do sistema e avalia que alguns
valores estabelecidos foram baixos.
Na cidade de Mariana,
cujo processo de reparação tem algumas peculiaridades em relação aos
demais municípios impactados, ainda há 312 famílias aguardando a
conclusão de seus cadastros para negociarem suas indenizações. Há também
126 núcleos familiares que não foram reconhecidos como atingidos e
outros 42 rejeitaram a proposta da Fundação Renova.
Além disso, moradores que viviam nos distritos de Bento Rodrigues e Paracatu cobram o reassentamento. As obras de reconstrução das duas comunidades destruídas na tragédia é um dos principais gargalos do processo reparatório. Pelo cronograma original, as casas deveriam ter sido entregues em 2018 e 2019, mas até março deste ano apenas sete das 306 moradias previstas estavam concluídas. Críticos da morosidade do processo reparatório, o MPMG chegou a pedir em fevereiro deste ano a extinção da Fundação Renova. O processo, no entanto, foi temporariamente suspenso por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Fonte: Agência Brasil
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