O que irão os governos fazer quando a Covid desaparecer? Atirar-nos para outra emergência global, provavelmente em nome do clima. O emergentismo tornou-se forma de exercício do poder. Irresponsável. Helena Matos para o Observador:
A cada frase do editorial do PÚBLICO a justificar a “despublicação” (extraordinária puerilidade a desta palavra!) do artigo de opinião do médico Pedro Girão
sobre a vacinação das crianças e dos jovens contra o Covid
tornava-se-me evidente que o emergentismo é o novo caminho da servidão:
tudo o que é válido, como a condenação da censura, é posto de parte
desde que se invoque a excepcionalidade do combate que se está a travar.
Não
está em causa se concordo ou não concordo com as opiniões expressas
pelo médico Pedro Girão. (Aliás, o próprio facto de antes de se começar
uma frase se ter de fazer uma espécie de declaração de apoio às
políticas oficiais, por mais erráticas que elas sejam, para não se ser
rotulado negacionista, conspiracionista ou qualquer outro “ista” é bem
sintomático da degradação da nossa liberdade e da alienação do mais
elementar bom senso.) O que sim está em causa são as questões levantadas
por Pedro Girão: quais as consequências da alteração dos prazos de
segurança na aprovação das vacinas contra o Covid? Faz sentido vacinar
crianças para, dessa forma, se protegerem os adultos e não tanto as
crianças?
Até
há algum tempo defendíamos o direito a divergir nas respostas. A
declarar que estávamos de acordo com o autor do texto ou que, pelo
contrário, discordávamos dele vivamente. Agora isso acabou.
O
PÚBLICO, essa espécie de barómetro linguístico do politicamente
correcto, verbaliza esta transformação ideológica que a pandemia
propiciou: “Numa
questão tão sensível como a da pandemia, recusamos em absoluto promover
juízos que tendem a negar a importância ou o relativo consenso
científico em torno das vacinas.”
É
aqui precisamente, nesta invocação da “questão tão sensível” para impor
um autoritarismo que oficialmente se execra, que está o cerne do
emergentismo de que o PÚBLICO, como boa parte da comunicação social, se
tornou órgão de divulgação e propaganda: as sociedades do bem-estar,
vulgo democracias burguesas, não estiveram disponíveis para revoluções
colectivistas. E de facto não foi pela via revolucionária clássica que o
controlo estatal nos foi imposto, mas sim através de um combate para
nos salvar da doença, para nos proteger do vírus, para nos manter
saudáveis.
Sempre
soubemos que não podíamos viver num mundo com zero terroristas, zero
SIDA ou zero criminalidade pois o preço a pagar por tais “zero” era
demasiado elevado e sobretudo incompatível com os nossos valores e forma
de viver. Mas isso era o que se sabia antes do grande reset estatista
das nossas vidas em que o combate ao Covid se transformou. Perante o
Covid, o objectivo não foi defender o nosso modo de vida, como aconteceu
aquando do aparecimento da SIDA ou do ataque às Torres Gémeas, mas sim
suspender esse modo de vida.
Sociedades
envelhecidas, domesticadas pelo constante controlo fiscal, desprovidas
de bom senso, idiotizadas por activismos minoritários, mostraram-se
particularmente vulneráveis quando postas perante uma ameaça sanitária.
Onde as velhas ideologias falharam triunfou o emergentismo: o dia a dia
dos povos está transformado num conjunto de absurdos justificado pelo
combate ao Covid. O controlo e o poder dos estados sobre os cidadãos
aumentou exponencialmente. Não menos importante, não são pedidas
responsabilidades, tudo fica para depois. Por exemplo, continuamos à
espera de explicações para a desvalorização do vírus efectuada pelas
autoridades europeias no início de 2020 ou para a conduta errática da
OMS.
O
emergentismo tornou-se a zona de conforto de boa parte dos nossos
governantes: Biden fez a América cair em Cabul, mas, em Novembro, na
Cimeira do Clima, lá estará a querer salvar nada menos que o planeta. E
com ele os líderes dos diferentes países da NATO que não só não investem
na sua defesa (a dependência face aos EUA é quase total) como entretêm o
vazio de funções a produzir textos inúteis como Gender balance and
diversity in NATO ou NATO Climate Change and Security Action. Não se
consegue manter uma força de dois mil homens no Afeganistão, mas salvar o
planeta, esse sim, é um objectivo realista, entendendo-se por salvar o
planeta tudo e o seu contrário, sobretudo se, tal como aconteceu com o
combate ao Covid, o tudo e o seu contrário se traduzirem não em
aperfeiçoarmos o nosso modo de vida mas sim em suspendê-lo outra vez.
Não
por acaso, catástrofes pelas quais até há pouco se pediam
responsabilidades aos governos – como os incêndios ou os mortos nas
inundações – passaram a ser apresentadas como uma consequência das
alterações climáticas, logo fatalidades que só desaparecerão quando no
Ocidente, e só no Ocidente, nos tivermos libertado do pecado das
emissões, do automóvel, dos aviões, dos bifes, do banho diário…
Os
incêndios florestais, tal como as cheias, podem ser influenciados e
agravados pelas alterações climáticas. Mas não foram as alterações
climáticas as responsáveis pelo recente falhanço do sistema de alertas
meteorológicos na Alemanha ou pelo descontrolo das autoridades
portuguesas aquando dos incêndios florestais de 2017.
As
grandes burocracias que nos governam têm no emergentismo a sua verdade
conveniente: não são eles que falham, são os povos que não cumprem.
Os
próximos anos serão marcados pelo emergentismo porque os próximos anos
serão marcados por políticos de um mundo em decadência: os generais
argentinos invadiam as Malvinas. Os nossos dirigentes vão salvar-nos do
vírus; depois vão salvar o planeta…
Se
alguém tiver perguntas sobre a razoabilidade das decisões, o acerto das
medidas ou o impacto dos programas aprovados para salvar o planeta ou
salvar o que vier a seguir, não duvido que muitos jornais, rádios e
televisões “despublicarão” os artigos em que elas sejam formuladas e,
parafraseando o PÚBLICO, explicarão que não se deve quebrar o relativo
consenso científico em torno duma questão tão sensível.
Ps.
Por estes dias muito se tem falado das imagens dos helicópteros
americanos nas retiradas de Cabul e Saigão. A estas imagens símbolo do
que não esperávamos ver junto uma outra: a da tripulação do Boeing 747 francês que a 1 de Fevereiro de 1979 levou o Ayatollah Khomeini de regresso ao Irão.
Enquanto o Xá e a sua família não conseguiam que algum dos seus antigos
aliados ocidentais os acolhessem pelo menos pelo tempo suficiente para
que Reza Pahlavi morresse em paz, pois o linfoma de que sofria tinha-se
agravado dramaticamente, o Ayatollah Khomeini era levado de França para o
Irão, rodeado de um fascínio entre o subserviente e o festivo,
simbolizado pelo gesto do assistente de bordo francês que ajuda Khomeini
a descer as escadas do avião.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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