As funções das Forças Armadas estão na Constituição e não incluem apoiar plataformas de governo, nem interferir na política, nem agir como moderador quando há divergência entre poderes. Sua neutralidade em matéria política é um garantidor da democracia. Editorial da Gazeta do Povo:
Mais
uma vez, a defesa da autonomia das instituições de Estado levou à saída
de um ministro do gabinete de Jair Bolsonaro. Se em 2020 a tentativa do
presidente de interferir na Polícia Federal terminou com o pedido de
demissão de Sergio Moro, desta vez partiu de Bolsonaro a iniciativa de
demitir seu ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, que
estava na pasta desde o início do governo e foi substituído pelo general
Walter Braga Netto, até então ministro-chefe da Casa Civil. O ato levou
os comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica – respectivamente, o
general Edson Leal Pujol, o almirante Ilques Barbosa Júnior e o
brigadeiro Antonio Carlos Bermudez – a entregar seus cargos em conjunto,
o que jamais havia acontecido.
Em
nota breve, Azevedo e Silva afirmou que “nesse período, preservei as
Forças Armadas como instituições de Estado” e que “saio na certeza da
missão cumprida”. Mas não é apenas na menção às Forças Armadas como
“instituições de Estado” que se pode ler os motivos da demissão, pois
havia uma evidente intenção de Bolsonaro de se livrar do general Pujol,
comandante do Exército, o que o agora ex-ministro da Defesa não fez. As
divergências entre Pujol e Bolsonaro foram intensificadas pela Covid-19 –
internamente, o Exército adotou medidas de prevenção que o presidente
da República contesta, e a corporação jamais endossou plataformas de
Bolsonaro como o uso de certos medicamentos para tratamento da doença –,
mas já vinham de antes da pandemia e vão muito além do coronavírus. O
que estava em jogo era o papel institucional das Forças Armadas.
Desde
a redemocratização, Exército, Marinha e Aeronáutica distanciaram-se da
atividade política, orientação reiterada por Azevedo e Silva e pelos
três comandantes também durante o governo Bolsonaro. Após o presidente
ter afirmado que “quando acaba a saliva, tem de ter pólvora”, em
referência a possíveis sanções do governo Joe Biden motivadas por
questões ambientais, Pujol dissera que os militares não querem “fazer
parte da política governamental ou política do Congresso Nacional e
muito menos queremos que a política entre no nosso quartel”; no dia
seguinte, ainda afirmou que “não somos instituição de governo, não temos
partido. Nosso partido é o Brasil. Independentemente de mudanças ou
permanências em determinado governo por um período longo, as Forças
Armadas cuidam do país, da nação”. Declarações semelhantes foram feitas
por Azevedo e Silva, por mais que Bolsonaro tivesse pedido manifestações
públicas de apoio do ministro a posições do governo.
Mais
uma vez, o problema não é que ministros sejam substituídos – isso
ocorre em qualquer democracia do mundo. O problema é o motivo pelo qual
as trocas ocorrem. Se é verdade que dos ministros, sendo subordinados,
espera-se alinhamento com o presidente da República, que é seu chefe,
por outro lado instituições de Estado não existem para apoiar o governo
de turno, mas para exercer seu trabalho com autonomia. É o caso das
Forças Armadas, cuja função está claramente delimitada no artigo 142 da
Constituição e não inclui apoiar plataformas de governo, nem interferir
na política, nem agir como moderador quando há divergência entre
poderes. Sua neutralidade em matéria política é um garantidor da
democracia.
A
confusão entre instituições de Estado e órgãos de governo,
infelizmente, tem sido uma constante na vida política nacional. Quando
do impeachment de Dilma Rousseff, a “autocrítica” feita pelo petismo se
limitou à admissão de que o PT não havia feito o suficiente para colocar
um cabresto em instituições como o Ministério Público e as Forças
Armadas. A tentação, como se vê, independe do lado do espectro político
em que o governante se encontra. Aliados de Bolsonaro afirmam que esse
risco não existe com a substituição de Azevedo e Silva por Braga Netto,
mas será preciso esperar para ver.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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