MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

domingo, 25 de abril de 2021

O Brasil adoça o mundo

 



Com alta tecnologia e sustentabilidade, a cultura da cana-de-açúcar assegura seu papel estratégico na economia nacional. Evaristo de Miranda para a Oeste:


Em 2020, como nunca, o Brasil adoçou a vida da humanidade, com sua exportação de açúcar. Foram mais de 31 milhões de toneladas. Se fosse dividido igualmente por todos os habitantes do planeta, esse total equivaleria a 4 quilos de açúcar por pessoa!

Não à toa, o mundo nos considera um país doce. Nosso consumo per capita é da ordem de 52 kg de açúcar/ano, contra uma média mundial de 22 kg/pessoa/ano. Desde muito cedo, a cana-de-açúcar se tornou uma das principais culturas da economia nacional. E segue assim, mesmo com a diversificação dos produtos da cana, como mais de 31 bilhões de litros de etanol, um combustível renovável, capaz de garantir a melhoria da qualidade do ar nas grandes cidades e uma matriz de transporte mais limpa. Só com a mistura do etanol na gasolina, desde 2003, o país deixou de emitir 520 milhões de toneladas de carbono, segundo a União da Indústria de Cana-de-açúcar.

E o bagaço da cana, queimado em termoelétricas a vapor, chega a assegurar entre 13% e 15% da energia elétrica em São Paulo, durante o inverno. Em 2020, a geração de bioeletricidade de cana, para o Sistema Interligado Nacional, foi de 23 mil GWh. O complemento de energia firme foi providencial, porque disponibilizado quando a maioria das barragens armazenava pouca água para as hidroelétricas.

A doce vocação de ser o maior produtor e exportador de açúcar começou no século 16, com a introdução do cultivo da cana, após diversas inovações agronômicas e industriais feitas pelos portugueses. Pela primeira vez na História, a cana deixou os jardins da Península Ibérica e da Sicília para campos cultivados, em grande escala, na Ilha da Madeira. Um feito tecnológico pouco conhecido. De lá, o cultivo migrou às terras ensolaradas do Brasil tropical.

Desde os primeiros plantios em São Vicente e em Olinda, a cana sempre esteve em expansão. O açúcar produzido pelo pioneiro Engenho de São Jorge dos Erasmos, implantado por Martin Afonso de Souza e sócios portugueses e flamengos, já era embarcado nos atracadouros de São Vicente por volta de 1534. Parte da estrutura desse engenho ainda está preservada e pode ser visitada.

Nos anos 1630, o Brasil se tornou o maior produtor mundial. Em 1792 foi inaugurada a Calçada do Lorena, primeiro caminho pavimentado entre o planalto paulista e o Porto de Santos. A ferrovia seguiu a mesma rota em 1867. E o primeiro trecho de cais do Porto de Santos foi inaugurado em 1892. O foco era a exportação de café e o açúcar beneficiou-se dessa logística.

Hoje, a cana ocupa 10,1 milhões de hectares ou 1,2% do território nacional. Apesar de ser uma fração tão pequena do país, muita gente ainda fala em “monocultura” da cana no Brasil. Monocultura, segundo o dicionário Houaiss, é um sistema de exploração do solo com especialização em um só produto. Ou seja, quase todo cultivo moderno é uma monocultura. No entendimento popular politizado, porém, o termo designa predominância de uma cultura única, de exportação, em toda uma região, sem benefícios para a população local. Nessa visão anacrônica, a agropecuária politicamente correta se resumiria apenas à produção diversificada de alimentos para consumo interno.

Na França, os cereais ocupam 9,5 milhões de hectares ou 15% do país, com predominância do trigo. E uma propriedade rural a cada cinco cultiva videiras. Da mesma forma, em Portugal, a uva ocupa 199 mil hectares, ou 5% do país. No entanto, não se fala em monocultura do trigo ou da videira em terras francesas ou lusitanas. A “loira cabeleira dos cereais” é exaltada e reverenciada em toda a Europa, assim como seus onipresentes terroirs vitícolas. A acusação da monocultura contra o Brasil não vale para europeus? Aqui se vive de narrativas, distante de fatos…

Há tempos o cultivo da cana é um dos mais ecológicos e sofisticados em tecnologia. As usinas plantam dezenas de variedades, geneticamente selecionadas e adaptadas aos tipos de solos e calendários agrícolas. Quem olha de longe vê um enorme canavial homogêneo. Na realidade, são dezenas de variedades e isso contribui para reduzir a generalização de pragas, pois os insetos enxergam a diversidade de plantas, sem conseguir atacar todas. E os produtores ainda praticam o controle biológico em escala, chegando a pulverizar com aviões os fungos controladores de pragas, além de produzir bilhões de vespinhas diariamente, nas usinas, para controlar lagartas.

Tem mais: a cana preserva o solo e extrai pouco nutrientes, diferente do feijão, da soja ou do milho. Há quatro séculos se planta cana sobre cana no Nordeste e as terras seguem produtivas. Com a colheita mecanizada, uma espessa camada de palha recobre e protege a vida do solo. No passado, parte dessa matéria orgânica era queimada. Atualmente, São Paulo eliminou o uso do fogo na colheita e outros Estados seguem o mesmo caminho.


As raízes da cana são profundas e fasciculadas. É um dos cultivos com menos erosão no Brasil. A terra só é arada em intervalos de 5 a 7 anos, na renovação do canavial. Aí ocorre uma rotação de cultivos, com plantio de soja, amendoim e/ou adubos verdes. Nas terras dos canaviais, por sinal, é colhida a maior parte do amendoim paulista. E São Paulo responde por mais de 90% da produção nacional, estimada em 582 mil toneladas na safra 2020/2021, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento. O amendoim é plantado por terceiros na renovação da cana. Essa parceria dos canavieiros com produtores de amendoim assegura renda extra, aumenta a fertilidade do solo e ajuda a reduzir pragas. Além de enterrar a noção de monocultura.

A produção de açúcar redesenhou o mapa demográfico, econômico, político e cultural do mundo. Herança lusitana, a civilização do açúcar modelou a alma brasileira e a ela se integrou. No dia a dia, o açúcar espera pacientemente em mesas de bares e restaurantes, pronto para adoçar o cafezinho. Invisível, presta serviços a milhares de produtos agroalimentares: sucos, refrigerantes, congelados, pastas, embutidos, iogurtes, pães e tantos outros. Está presente em bolos, biscoitos, frutas cristalizadas, chocolates, bombons, caldas e sobremesas nascidas no mundo rural. Um dos mais populares aperitivos nacionais esmaga limões sobre um leito de açúcar, logo recoberto por cachaça, também feita de cana: a caipirinha.

Do brigadeiro ao quindim, do doce de coco ao bolo de fubá, do pé-de-moleque à paçoca, o açúcar reina em festas juninas, aniversários e aquece a alma de quem o consome, sem ter consciência do trabalho e da arte para produzi-lo. Como evoca o poeta Ferreira Gullar: “O branco açúcar que adoçará meu café/ nesta manhã de Ipanema/ não foi produzido por mim/ nem surgiu dentro do açucareiro por milagre. Vejo-o puro/ E afável ao paladar/ Como beijo de moça, água/ na pele, flor/ que se dissolve na boca…”

Metade do açúcar embarcado no mundo, em 2020, partiu de portos brasileiros. Com essa exportação, o Brasil arrecadou US$ 8,7 bilhões. O Complexo Portuário Santista respondeu por 68% desse volume e é o primeiro no ranking mundial da commodity. A tendência se mantém em 2021.

O consumo de açúcar continuará a aumentar devido ao crescimento da população, do poder de compra, do consumo de alimentos processados resultante da migração de áreas rurais para urbanas e do consumo de adoçantes de baixa caloria à base de açúcar, como sucralose. O mundo ainda precisa de muita doçura e pode contar com o agro brasileiro.
 
BLOG  ORLANDO  TAMBOSI

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