Para as “milícias do bem”, já se tornou rotina enviar ameaças ao alvo da vez, molestar sua família e seus amigos e – o cúmulo da falta de caráter – pressionar o empregador do “transgressor” para que ele seja demitido. Luciano Trigo via Gazeta do Povo:
“Um
outrora entusiasmado participante de guerras culturais on-line refletiu
recentemente (...): ‘Sempre que eu chamava alguém de racista ou
sexista, eu sentia a adrenalina. Essa descarga de adrenalina era
reafirmada e prolongada pelos corações, ‘joinhas’ e estrelas que
representam as moedas de aprovação das mídias sociais’”.
Esse
trecho do livro “Virtuosismo moral – As ideias por trás dos
cancelamentos, boicotes e difamações nas redes sociais”, de Brandon
Warmke e Justin Tosi, aponta para um aspecto importante da epidemia de
bom-mocismo fake que tomou conta da sociedade: além de conquistar o
apoio e reconhecimento dos pares, perseguir e massacrar os outros para
afirmar a própria virtude traz uma recompensa emocional e psicológica
valiosa para quem tem uma vida medíocre.
“Quando
alguém usa o grandstanding, é consideravelmente motivado pelo desejo de
ser visto pelos outros como uma pessoa moralmente respeitável”,
escrevem os autores. “Este é um defeito de caráter, mas o impulso
agressivo de prejudicarmos outra pessoa apenas para demonstrar algo a
nosso respeito é bastante comum. Infelizmente, as pessoas muitas vezes
se mostram dispostas a tirar vantagem de outros para exibir uma boa
autoimagem”.
Esta
é apenas uma das explicações do “grandstanding (exibicionismo) moral”,
que pode ser definido como o uso do discurso moral para fins de
autopromoção. Não é algo novo, mas seguramente o fenômeno foi
potencializado pelas redes sociais.
Apontar
o dedo com uma mão e bater no peito com a outra virou o grande ritual
social da nossa época. De uma hora para outra, milhões de pessoas
encontraram nessa prática perversa um sentido para suas existências
enfadonhas. Por isso, cada vez mais as pessoas em busca de plateia e
reconhecimento vivem à caça de oportunidades para investir contra
equívocos morais alheios, reais ou imaginados, só para mostrar como elas
próprias são “do bem”.
Fazem
parte do grandstanding a indignação de butique, os insultos em
conversas virtuais, a difamação, as frases feitas e os chavões morais,
bem como o uso de rótulos e acusações graves que não podem ser provadas –
formas que os imbecis encontram de se sentir moralmente superiores a
quem pensa de forma diferente. O propósito não é defender uma causa ou
persuadir o outro, é massacrar todo aquele que é percebido como
adversário, em linchamentos coletivos nos quais a responsabilidade
individual se dilui, e nos quais a arrogância compensa.
É
claro que a coisa e complicou ainda mais quando esse exército de
“mendigos de likes” foi cooptado e arregimentado pelo campo
político-partidário autointitulado progressista, que canaliza todo o
ódio e ressentimento de uma massa de gente infeliz contra adversários
escolhidos a dedo. Hoje, qualquer um que ouse pensar fora da caixinha
politicamente correta do progressismo identitário se tornou um alvo
potencial desse ódio. Jornalistas e professores, particularmente.
Declarar-se
conservador ou de direita nas redações e nas salas de aula virou algo
até perigoso. Como escrevem os autores, “Jornalistas costumam ser
duramente atacados com mensagens de ódio por escreverem coisas que as
pessoas não querem ouvir a respeito de suas figuras políticas favoritas
(ou daquelas que desprezam). Acadêmicos que entram em conflito com as
últimas tendências ideológicas em suas áreas são ameaçados de exílio
profissional ou coisas ainda piores. Até mesmo espectadores desavisados
acabam pisando no campo minado que é nossa guerra cultural
contemporânea, experimentando a ira de uma multidão sequiosa por
atenção”.
Pior:
já se tornou rotina para membros dessas “milícias do bem” enviar
ameaças ao alvo da vez, molestar sua família e seus amigos e – cúmulo da
escrotidão e da falta de caráter – pressionar o empregador do
“transgressor” para que ele seja demitido.
Em
vez de buscar o diálogo, os exibicionistas morais usam de má-fé para
descrever as crenças e propostas políticas se seus adversários,
questionam sua integridade e encorajam os outros a evitá-los. Eles não
querem a solução harmoniosa de um conflito, preferem o estardalhaço que
traz pouco resultado. Um usuário do Twitter citado pelos autores
comentou: “É estranho, mas eu posso digitar coisas nesta caixa que
destruirão a minha vida”.
Qualquer
debate saudável depende de certas condições sociais e culturais, como
um ambiente favorável à liberdade de expressão, espaço para a
discordância sensata e algum grau de abertura a novas ideias. O
grandstanding destrói tudo isso: ele mina a confiança entre os
indivíduos, estimulando o cinismo em relação ao discurso moral público e
promovendo a polarização. Nas palavras dos autores, o grandstanding
“torna as democracias mais vulneráveis ao perigo das facções; ele torna
difícil para membros de partidos opostos deixarem de lado suas
diferenças e negociarem para resolver problemas em termos aceitáveis
para todos”. Ou seja, além de criar divisões em uma sociedade; o
grandstanding também torna difícil superar essas divisões.
Warmke
e Tosi vão além: “O objetivo da ação política é resolver problemas, não
criar um fórum para a glorificação daqueles que dele participam. Mas,
quando a política se torna um desfile de moralidade, os oponentes têm um
incentivo para manter intactos os problemas – ou, pior ainda, talvez:
têm incentivo para se engajar num ativismo sem absolutamente nenhum
objetivo claro. Nós antecipamos que quanto mais a política se torna um
fórum para a exibição das qualidades morais de alguém, mais as pessoas
se dedicarão ao ativismo em benefício próprio, simplesmente como veículo
para a vaidade”.
Este
é um dos paradoxos da hipocrisia do grandstanding dos políticos: quando
um agente político consegue tudo o que quer, a sua função deixa de ter
sentido. Se para um indivíduo o que mais importa é ser um ator político,
então resolver os problemas sociais atrapalha os seus planos, porque a
possibilidade de obter status por meio de grandstanding desapareceria.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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