Se Bolsonaro imaginou um golpe, conseguiu apenas mostrar-se incapaz, escreve William Waack no Estadão:
A
história do Brasil já teve ex-militar que demonstrou extraordinária
incompetência para executar um golpe: Luís Carlos Prestes, em 1935. Jair Messias Bolsonaro
está um patamar acima do lendário líder comunista, que também chegou a
capitão. Mostrou-se extraordinariamente incompetente até para imaginar
um golpe.
Um
golpe é sempre uma ação que, no final das contas, depende de correlação
de forças políticas (em sentido amplo) e militares (em sentido estrito)
– e ambas de um momento apropriado, que é fluido por definição, embora
possa ser “criado”. Bolsonaro ignorou tudo, leu errado os fatos da
realidade e está sendo visto como palhaço que subiu ao trapézio no
circo.
Ao
contrário de outros candidatos a caudilho, Bolsonaro não criou qualquer
movimento político consistente, organizado e capilarizado que pudesse
minimamente seguir um comando. Para comparação, no seu auge o PT
dispunha de sindicatos, organizações comunitárias, setores da Igreja
Católica e substancial parte da intelectualidade prontos a atender ao
que fossem as diretrizes do comando partidário.
Bolsonaro
não dispõe de nada remotamente parecido, talvez por ter caído no
fetichismo tecnológico de que a espuma criada por redes sociais
significa real capacidade de mobilização de forças políticas. No sentido
mais estrito da “política”, não dispõe no tão importante Legislativo
brasileiro de qualquer massa de manobra significativa que ele controle
como quiser. Ao contrário: Bolsonaro é massa de manobra do Centrão, ao qual acabou de entregar a chave do cofre que o Planalto controlava.
Se
em algum momento Bolsonaro acreditou que tinha um Exército para chamar
de “seu”, só um bom psiquiatra conseguiria explicar essa visão de mundo,
pois, a partir da realidade dos fatos, o presidente jamais poderia ter
feito essa afirmação. Bolsonaro ignorou completamente a evolução da
doutrina e do pensamento dos comandantes militares nos últimos 35 anos,
que pode ser resumida na ênfase que dão ao papel institucional e
constitucional das Forças Armadas, além do empenho em profissionalismo, hierarquia e disciplina.
No episódio da demissão do Ministro da Defesa e seus comandantes militares,
Bolsonaro acabou de destruir o pouquíssimo respeito que os oficiais
superiores ainda nutririam por ele. Alguns já se referiam ao capitão
como “ladrãozinho”, pois tiveram de sobreviver décadas apenas a partir
de seus soldos e olham com nojo o esquema de “rachadinhas” no qual a
família está envolvida. É fato que os oficiais superiores abominam a
tentativa de politização das Forças Armadas, mas o que mais criticam em
Bolsonaro é o que identificam como incapacidade de liderança e comando.
Não
é à toa que circulam entre militares nos últimos dias textos
relembrando uma das grandes aventuras do século passado, a do navio
“Endurance”, cuja tripulação sobreviveu a partir de 1915 a 22 meses de
indescritíveis dificuldades no gelo da Antártica e acabou sendo salva
pela capacidade de liderança e decisão de seu comandante – um exemplo de
chefe dedicado a seus subordinados, exatamente o que os generais,
almirantes e brigadeiros não enxergam em Bolsonaro.
Por
último, Bolsonaro ignorou também o “momento”, que lhe é desfavorável. A
pandemia conduziu o País a um tipo de comoção plenamente justificada, a
economia está sendo ainda mais abalada, as elites empresariais
abandonaram o governo, o Centrão tomou conta do que lhe interessa e fez
de Bolsonaro um ente subordinado. Tudo isso fora o STF. Talvez ele
esteja sendo assessorado por conselheiros políticos e pessoais que mais
parecem saídos da clássica comédia do cinema italiano L’armata
Brancaleone (em Portugal o título ficou mais sugestivo: Capitão
Brancaleone), de 1966.
É
um bando de malucos e mercenários, na Idade Média, incapaz de planejar e
concluir qualquer ação. Pode ser que confiem num final igual ao do
filme, quando milagrosamente são salvos de serem empalados.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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