A reboque do coitado do Biden, ascenderá uma cáfila curiosa de inquisidores “sensíveis”, Torquemadas das “causas”, fanáticos que queimam os livros que os ofendem, adversários da arte, da ciência e da história, fascistas nas vestes e nas cabeças que chamam fascistas aos democratas. A lúcida e implacável crônica de Alberto Gonçalves para o Observador:
Visitei
a América por três vezes durante o mandato de Trump. Como de costume,
andei pelas costas Leste e Oeste e pela maioria dos estados do Sul. Só
em uma ou duas ocasiões me lembrei, ou me lembraram, da existência do
presidente. Lá, esse não era grande assunto. Cá, era o assunto, com
frequência único em matéria internacional. Ao longo de quatro anos, as
aventuras de Trump encheram resmas de noticiários caseiros, implacáveis
com o governo americano, alheios aos governos venezuelano, russo ou
chinês, e submissos ao português. Trump, aliás, serviu para isso mesmo,
para evitar o escrutínio de um poder que, nas mãos do PS e com a
conivência do prof. Marcelo, se tornou absoluto e absolutamente
corrupto. Os “telejornais” daqui abominavam Trump. Os políticos daqui
abominavam Trump. Os comentadores daqui abominavam Trump. Uma professora
do secundário contou-me que até as criancinhas, dotadas da sabedoria de
uma Greta, esperneavam nas aulas à menção do bicho-papão. Para o
português médio, Trump representava o Mal, e o contraponto grotesco a um
primeiro-ministro com um projecto totalitário e a um chefe de Estado
que vive numa dimensão paralela e aprecia despir-se perante as câmaras.
É
naturalíssimo que a nossa esquerda – anti-americana, passe a
redundância – odeie Trump, como de resto odiava Bush filho, Bush pai,
Reagan e etc. (o PCP, honra lhe seja feita, odeia todos os inquilinos da
Casa Branca, e o BE abriu uma ligeira excepção para Obama, porque é
meio negro). E é uma demonstração cabal de que, sob a bazófia, Trump
teria algumas virtudes. Trata-se de um pressuposto simples: se os que
odeiam a América odeiam Trump, a derrota de Trump é má para a América,
no sentido de que poderá transformar-se naquilo que os respectivos
inimigos desejam. Não é uma hipótese delirante. O pobre sr. Biden levará
para Washington a vanguarda da intolerância cultural que aguarda, e
começa a ter, uma oportunidade por estes lados. A reboque do coitado,
ascenderá uma cáfila curiosa de inquisidores “sensíveis”, Torquemadas
das “causas”, fanáticos que queimam os livros que os ofendem,
adversários da arte, da ciência e da história, fascistas nas vestes e
nas cabeças que chamam fascistas aos democratas, a gente bruta,
ignorante e crente em dogmas absurdos que ironicamente Hollywood associa
aos “rednecks” das berças. Hoje, apesar dos pesos e contrapesos que
distinguem o regime dos EUA da cloaca lusitana, os camisas pretas das
cidades, e das universidades, são um perigo muito maior. Pelo menos para
quem preza a liberdade.
Liberdade.
É também natural que a nossa esquerda se arrepie ao ouvir a palavra na
acepção devida (por oposição a slogans de louvor marxista). Não é, ou
não deveria ser, natural que a nossa “direita” alinhe na cartilha. Não
se pedia à nossa “direita” que se entusiasmasse com Trump, um
egocêntrico antipático que não matou, prendeu ou calou ninguém. Bastava
que não se entusiasmasse tanto com o ódio a Trump, e o amor aos furiosos
que rodeiam o sr. Biden, empenhados em calar, prender e, se lhes derem
trela, matar hereges. Infelizmente, a nossa “direita” decidiu provar à
nossa esquerda que não lhe fica atrás no concurso para apurar quem
detesta Trump com maior ardor.
Num
caso flagrante da síndrome Rui Rio, a nossa “direita” sofre de uma
patológica necessidade de que a nossa esquerda a aceite, sacrifício que a
esquerda cumpre com nojo e admissão restrita aos espécimes mais
reverentes. A aversão a Trump é uma regra indispensável num clube cujas
regras a esquerda define. Sob pena de exílio, é proibido elogiar Trump, é
proibido possuir uma opinião acerca de Trump que se afaste do insulto
ou da chacota, é proibido fugir à definição de Trump imposta pelos donos
do pensamento “aceitável”. O exercício descamba em figuras tristes – ou
engraçadas, de acordo com a disposição. Vejo nas “redes sociais”
criaturas normalmente sensatas que ameaçam abrir champanhe (não abrem: é
apenas para criar boa impressão) para celebrar a derrota desse monstro
da mentira e do populismo, um monstro que, curiosamente, não manda neles
e não lhes fez mal nenhum. E isto para agradar a um gangue que manda
neles e os prejudica sem parança e com gozo. A nossa “direita”,
comportadinha e deferente, é gozada pela esquerda. E merece.
No
limite, eu nem estranharia que a nossa “direita” rejeitasse Trump, na
convicção, evidentemente desmiolada, de que o actual partido democrata
americano é ajuizado o suficiente para conter o socialismo que por lá
saltita, sempre que não está nas ruas a demolir coisas. O principal
problema é a nossa “direita” rejeitar o malvado Trump com um zelo que
não usa para rejeitar os fabulosos estadistas que se dão ao incómodo de
governar Portugal. A nossa “direita”, que não acha Trump civilizado,
convive jovial e literalmente com socialistas, comunistas, bloquistas e
vigaristas em geral, todos modelos de civilidade e sofisticação e
verdade. Se comparada com a meticulosa exigência que dedica à América, é
notável a frouxidão da nossa “direita” face à corrupção, ao despotismo,
às fraudes e à desgraceira que definem o seu próprio país.
Um dia, se um historiador com tempo livre quiser perceber a facilidade com que a esquerda tomou conta deste lugarejo, e o afundou de vez na miséria mental e económica, não vale a pena recordar-lhe os Costas, os Sócrates, os Marcelos, os Césares, os Ferros, os Louçãs, as Catarinas, os Jerónimos, os Salgados e restante casta. Basta mostrar-lhe a nossa “direita”
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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