O cálculo político que motivou o comedimento de Covas e Boulos na campanha para o segundo turno em São Paulo deveria pautar políticos de todas as linhas ideológicas daqui para frente. Diogo Schelp para a Gazeta:
Encerrado
o segundo turno das eleições das eleições municipais, é chegada a hora
de olhar para trás e procurar entender em que medida as campanhas de
2020 avançaram em relação às disputas eleitorais anteriores. De maneira
geral, se levarmos em conta as principais cidades do país e
desconsiderarmos as exceções que confirmam a regra, percebe-se a
determinação do eleitorado em evitar surpresas e aventuras, optando por
candidatos conhecidos ou já testados em funções públicas de relevo.
Pode-se
atribuir essa tendência à dupla crise, na saúde pública e na economia,
causada pelo novo coronavírus. Diante de um cenário de incerteza
extrema, os eleitores preferiram na maioria das vezes agarrar-se a algo
que lhes passasse a sensação de segurança. O discurso da antipolítica,
do populismo que se apresenta "contra tudo isso que está aí", não vingou
em 2020 como em 2018.
Outros
vícios do debate político verificados em outros pleitos, porém, não
ficaram de fora em 2020. A disseminação de fake news, os ataques
pessoais e difamatórios contra alguns candidatos ou candidatas, as
teorias conspiratórias, o apelo a preconceitos e outras táticas desleais
marcaram presença, em maior ou menor grau, em diversas cidades.
Amadurecimento político
O
exemplo de São Paulo, porém, dá esperanças de amadurecimento político e
pode servir de ensinamento para a política brasileira pelos próximos
anos. Os paulistanos assistiram a uma disputa de segundo turno que, à
parte tensões naturais e esperadas em qualquer embate eleitoral, foi
marcada pela civilidade e pelo debate centrado em propostas ou em visões
políticas — sem, no entanto, resvalar na polarização cega.
Na
campanha para o primeiro turno, tive a oportunidade de entrevistar
todos os candidatos à prefeitura de São Paulo (com exceção de Filipe
Sabará, que havia sido expulso do Novo e que teve a candidatura
indeferida pela Justiça Eleitoral um dia antes da sabatina que eu faria
com ele). E, antes do segundo turno, ajudei a sabatinar duas vezes cada
um dos dois candidatos que se enfrentaram na reta final: Bruno Covas
(PSDB) e Guilherme Boulos (PSOL).
Pude
presenciar, dessa forma, uma campanha que deveria servir de modelo para
qualquer embate eleitoral no país. Não se trata de julgar ou comparar
as propostas ou as ideologias de um ou de outro. Os paulistanos já deram
esse veredito nas urnas. O ensinamento, aqui, está na maneira como
Covas e Boulos conduziram as suas campanhas.
Eles
não se furtaram a participar de debates e de se submeter ao escrutínio
da imprensa em entrevistas e sabatinas. Exploraram os pontos sensíveis
um do outro (o vice obscuro e enrolado de Covas; o histórico de
radicalismo e a inexperiência administrativa de Boulos), mas não
partiram para a baixaria. Não tentaram desqualificar o adversário, mesmo
reforçando as próprias diferenças políticas e criticando as alianças
que cada um fez para o segundo turno.
Por
trás das câmaras, nos bastidores, Covas e Boulos protagonizaram cenas
de cordialidade e respeito quando se encontraram pessoalmente em
debates. Isso não diminui em nada a distância política entre eles. Bruno
Covas e Guilherme Boulos representam projetos muito distintos para a
capital paulista. Mas eles mostraram, com esse comportamento, que o
embate político não é pessoal e não deve anular opiniões divergentes.
Cálculo político
Anestesiados
que estamos por um contexto político em que, de um lado, o governante
do país incentiva a polarização e age como se só governasse para sua
base de apoiadores e, de outro, o líder do maior partido de esquerda
chama o presidente de genocida e personalidades da centro-direita de
criminosos fascistas, é um alento assistir a um enfrentamento sem
histrionismo como o que aconteceu em São Paulo no segundo turno.
Bruno
Covas, de 40 anos, e Guilherme Boulos, de 38 anos, são políticos jovens
e que tentam construir uma carreira de longo prazo na esfera pública
brasileira. Escutei de integrantes das campanhas de ambos que baixar o
nível da disputa seria ruim para suas biografias políticas, colocando em
risco planos futuros.
O
cálculo político que motivou o comedimento de Covas e Boulos na
campanha para o segundo turno em São Paulo deveria pautar políticos de
todas as linhas ideológicas daqui para frente. Se os eleitores
brasileiros premiarem com seus votos os candidatos que adotarem esse
tipo de conduta, será um sinal do nosso amadurecimento político.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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