Não é verdade que a Organização Mundial da Saúde tenha
autoridade científica para ser levada a sério; é apenas uma entidade
política terceiro-mundista. Coluna de José Roberto Guzzo no Estadão:
Numa coisa dá para se ter confiança de 100% no Brasil: todo o mal que
vem de fora sempre pode ser piorado assim que entra aqui. O coronavírus,
por exemplo. Embora o seu grau de mortalidade seja baixo, comparado com
assassinos desvairados como o H1N1, poucos organismos conhecidos pela
biologia se espalham com tanta rapidez. (O H1N1, que apareceu em 2009,
contagiou 760 milhões de pessoas em todo o mundo e matou quase 300.000.
No Brasil o bicho ainda continuava matando em 2019: foram mais 780
mortos). Mas nem o coronavírus, com toda a sua rapidez, consegue
contagiar um país com a velocidade com que a hipocrisia, a mentira e a
capacidade de fazer política suja contagiaram o Brasil.
A mãe de todas as falsificações é a repetição, no mundo político, na
mídia que se pretende iluminada e nas elites ignorantes,
subdesenvolvidas e medrosas que comandam boa parte do combate à
epidemia, de uma opção safada: “Não se pode colocar a economia acima das
vidas”. Parece um pensamento generoso. É apenas falso. Alguém está
propondo que vidas sejam sacrificadas para abrir shopping centers? O que
está se dizendo é que as duas tarefas, a de defender a saúde pública e a
de fazer a economia funcionar, são indispensáveis e precisam
obrigatoriamente ser executadas ao mesmo tempo. É possível – e, se não
for assim, não haverá um país vivo depois do coronavírus.
Será que não havia doença nenhuma no Brasil antes do coronavírus? E
foi preciso paralisar todo o sistema produtivo nacional para tratar
delas? Estaríamos confinados em casa há 100 anos, se fosse assim – com
as indústrias e o comércio fechados, sem transporte, sem escolas, sem
comida, sem nada. E não é que nossas doenças sejam coisa simples, que se
cura com uma colherinha de sal de frutas Eno. Só em 2019 as doenças
cardiovasculares mataram quase 300.000 pessoas no Brasil – simplesmente
30% de todas as mortes que houve no País. A pneumonia matou 60.000
brasileiros, 80% deles idosos. Morre-se de tuberculose, uma doença da
miséria, neste país; houve 70.000 casos em 2018, o último ano em que há
estatísticas, com 5.000 mortos. A morte por coronavírus valeria mais que
essas?
Não passou pela cabeça de ninguém “confinar” a população em casa por
“tempo indeterminado” para combater as doenças devastadoras citadas
acima. A economia brasileira não parou nem um minuto para se tratar da
saúde pública – e não dá realmente para dizer que o SUS é ruim porque as
indústrias produzem e o comércio vende. O que uma coisa poderia ter a
ver com a outra? Na verdade, não dá para dizer muitas coisas que estão
sendo ditas por aventureiros em busca de chances políticas, repetidas
pelo síndico do prédio e encampadas, com casca e tudo, pelos meios de
comunicação.
Não é verdade que o Brasil caminha para um genocídio em que podem
morrer “até 2 milhões de pessoas”. Não é verdade que sugerir
alternativas ao confinamento-isolamento total seja um “desafio” ao que
pregam “todas as grandes autoridades da ciência mundial”. Não é verdade
que a Organização Mundial da Saúde
tenha autoridade científica para ser levada a sério; é apenas uma
entidade política terceiro-mundista. Não é verdade que o coronavírus
seja “o pior problema de saúde pública do Brasil nos últimos 30 anos”.
Nosso pior problema de saúde dos últimos 30 anos é o SUS.
Não é esta, é claro, a opinião de quem jamais pôs os pés no SUS – mas
decide o que você tem de fazer e de saber sobre a epidemia. Poucas
coisas são tão estúpidas nesta vida quanto deixar decisões importantes a
cargo de quem não vai sofrer nada com as suas consequências. É
exatamente o que estamos fazendo neste momento.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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