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Na sentença em que condenou Aldemir Bendine por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, em março de 2018, o então juiz Sergio Moro ironizou as queixas dos advogados do réu. “A alegação da defesa de que foi cerceada não reflete a realidade do processo, antes tendo ela e seu cliente sido tratados com generosidade.” Moro relatou que marcara o interrogatório de Bendine para 22 de novembro de 2017.
“Na ocasião, Aldemir Bendine, orientado por seu defensor, preferiu ficar em silêncio”, recordou o então magistrado. De repente, a defesa de Bendine pediu o agendamento de nova inquirição. O réu queria falar. Embora já estivesse fora do prazo previsto no Código de Processo Penal para o interrogatório, Moro decidiu atender ao pedido. Escreveu: “Este Juízo, a bem da ampla defesa, deferiu, nos termos da decisão de 19/12/2017, novo interrogatório, que foi realizado em 16/01/2018″.
SEGUNDA TURMA – Na última terça-feira, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal anulou a sentença de Moro. Aceitou a tese do cerceamento de defesa com base num procedimento não previsto em lei. Alegou que, por ter sido alvo de delação, Bendine deveria ter falado por último no processo, depois da manifestação dos delatores. Moro indeferiu o pedido. Anotou que a lei não faz distinção entre réus.
Concordaram com ele o TRF-4 e o STJ. Num despacho de abril de 2018, o ministro Felix Fischer, relator da Lava Jato no STJ, concordou com a avaliação de que Moro brindara a defesa com tratamento generoso.
“Em análise do compasso procedimental, denota-se que foi garantido ao paciente [Bendine] a plena concretizaçao do contraditório, por meio do exercício da sua mais ampla defesa.”
FORA DO PRAZO – Fischer realçou o fato de Moro ter concedido ao acusado, fora do prazo legal, a oportunidade de um segundo depoimento. “…Mesmo encerrada a instrução processual, foi possibilitado novamente o reinterrogatório do paciente [Bendine], uma vez que optou por ficar em silêncio no primeiro ato.”
Há no processo quatro delatores. Três eram vinculados à Odebrecht: Marcelo Odebrecht, Fernando Luiz Ayres da Cunha Santos Reis e Álvaro José Galliez Novis. O outro chama-se André Gustavo Vieira da Silva. Apontado como intermediário de Bendine no recebimento de propinas, ele se tornou um réu confesso ao longo do processo.
ALEGAÇÕES FINAIS – No recurso que levou a Segunda Turma do Supremo a anular a sentença, a defesa se queixou do fato de Moro ter intimado delatores e delatados para apresentar suas “alegações finais” ao mesmo tempo. Alegou-se que, como delatado, Bendine deveria se manifestar por último, depois de conhecer as acusações dos delatores
Preocuparam-se em consolidar as próprias revelações, credenciando-se para usufruir de recompensas judiciais como a redução da pena. Marcelo Odebrecht, por exemplo, a despeito de ter colaborado neste e em outros processos, teve de amargar mais de dois anos de prisão em regime fechado.
ALEGAÇÃO FALSA – A ideia de que os delatores podem surpreender o delatado nas alegações que antecedem o veredicto não resiste a uma análise dos autos. Felix Fischer, o relator da Lava Jato no STJ, encadeou as diversas fases processuais para demonstrar que é próxima de zero a hipótese de o acusado e seus defensores serem surpreendidos com coelhos retirados pelos delatores da da cartola no último ato antes da sentença do juiz.
Os “contornos” da encrenca “foram traçados na denúncia e na instrução, inclusive em depoimentos de corréus, com a participação da defesa”, escreveu Fischer. No andamento do processo, “resta assegurado o contraditório e a ampla defesa”.
ÚLTIMA CHANCE – Nesse contexto, as alegações finais constituem mera oportunidade para que os defensores exerçam o derradeiro esforço para convencer o juiz. No caso de Aldemir Bendine, ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobras no governo de Dilma Rousseff, o esforço da defesa não livrou o personagem da condenação. Moro fez questão de refutar o argumento segundo o qual Bendine foi lançado no rol dos culpados apenas com base na palavra dos delatores.
“A presente ação penal sustenta-se em prova independente, principalmente prova documental colhida em quebras de sigilo fiscal e bancário, bem como em diligências de busca e apreensão”, escreveu Moro na sentença.
MUITAS PROVAS – “Rigorosamente, foi o conjunto probatório robusto que deu causa às colaborações [dos delatores] e não estas que propiciaram o restante das provas. Há, portanto, robusta prova de corroboração,que em parte preexistia à própria contribuição dos colaboradores.”
Ao anular a sentença, na última terça-feira, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal deu de ombros para as evidências do recebimento de propinas de R$ 3 milhões.
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