Referendada uma grave ameaça à Lava-Jato, os estragos podem ser em parte reparados na ‘modulação’. Editorial do jornal O Globo:
Nestes cinco anos e meio de operação, a Lava-Jato tem ligação direta
com a imagem do Judiciário. A melhoria da percepção dos tribunais pela
população, porém, não dependeu apenas da ação da força-tarefa montada em
Curitiba para desbaratar esquemas de corrupção nos altos escalões,
jamais enfrentados pelos organismos do Estado de repressão aos crimes de
colarinho branco.
O “mensalão do PT”, denunciado em 2005 e julgado pelo Supremo em
2012, já havia produzido cenas inéditas de políticos poderosos e de
alguns banqueiros trancafiados por desvio do dinheiro do contribuinte.
Mas a Lava-Jato foi letal no enfrentamento da corrupção, ajudada pela
Lei das Organizações Criminosas, nº 12.850, sancionada em 2013. Por ela,
o instrumento da “colaboração premiada” ganhou força e se tornou
ferramenta primordial para a Justiça alcançar um ex-presidente da
República, ex-ministros, senadores, deputados, ex-governadores,
empreiteiros influentes, entre outros personagens clássicos que sempre
estiveram imunes à norma republicana de que “a Justiça vale para todos.”
A “delação premiada” foi convertida em alvo de escaramuças jurídicas
desfechadas por competentes advogados. Tudo de forma legítima, dentro da
lei, como convém num estado democrático de direito. A mais eficaz
investida contra a Lava-Jato veio de uma brecha encontrada na aplicação
da legislação penal pelos juízes, que costumam conceder o mesmo prazo
para as alegações finais a réus denunciados e a réus delatores. Bastou
para que se desenvolvesse a competente e ardilosa tese de que o
princípio do amplo direito de defesa não é seguido à risca.
Desde a criação da Lava-Jato, 150 pessoas foram condenadas por meio
deste rito. Em decorrência disso, bilhões da roubalheira, ocorrida
principalmente na Petrobras, foram recuperados. E houve punições. O
então juiz Sergio Moro teria sido responsável por pouco mais de trinta
destas sentenças.
O placar ainda parcial de 7 a 3 — falta o voto do ministro Marco
Aurélio Mello — da apreciação do tema pelo Supremo já garante a vitória
da tese, caso não haja mudança de posição dos que já se pronunciaram.
Mas falta concluir o julgamento com a definição de como o veredicto será
aplicado. Neste sentido, o presidente da Corte, Dias Toffoli, promete
levar na quarta-feira, quando o caso será retomado, uma proposta de
“modulação”.
Se a ginástica jurídica feita em torno do livre direito de defesa já
contribui para o resgate de pelo menos parte da velha desconfiança da
população com as instituições, a depender do que for decidido encerra-se
da pior maneira possível este período em que de fato a lei valeu para
todos.
A anulação pura e simples de sentenças condenatórias apagará a
herança da Lava-Jato, que será desautorizada por completo. Será
confirmada a máxima de que “no Brasil até o passado é incerto”. A antiga
imagem do “terminou em pizza” ressurgirá, em prejuízo de todas as
instituições, em especial a Justiça.
Há, porém, fórmulas atenuantes. O difícil combate à corrupção no
Brasil passará na semana que vem por outro grave momento. O STF
precisará reduzir os danos.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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