Os meus votos para o novo ano de 2019 são sobretudo de re-descoberta das
boas tradições demo-liberais fundadas na perpétua conversação
civilizada entre perspectivas rivais — a “corrente de ouro” de que
falava Churchill. Artigo do professor João Carlos Espada, via Observador:
Na véspera de um novo ano, é costume em algumas culturas políticas
celebrar a mudança e a inovação, contra o passado e a tradição. Essa
oposição entre passado e futuro, tradição e inovação é um traço
definidor de culturas políticas arcaicas e revolucionárias, em regra
autoritárias e centralistas.
Infelizmente, esse mau hábito — a que Burke chamou “despotismo
inovador” — está a chegar (ou a regressar) às democracias ocidentais. Há
hoje demasiadas inovações desnecessárias entre nós.
Não me parece nada necessário, para dizer o mínimo, o inovador
movimento dos “coletes amarelos” em França (felizmente fracassado entre
nós). Mas também não me pareceu desde o início necessária a ideia
inovadora do Presidente Macron de acelerar a integração supranacional da
União Europeia. Talvez os “coletes amarelos” e a “integração
supranacional” sejam duas faces de uma mesma moeda — mal acostumada às
tradições de soberania pacífica de Parlamentos nacionais.
Também não me parece nada necessário o inovador estilo (ou ausência
dele) do Presidente Trump — que não sei, francamente, como definir em
termos políticos. Conservador não é certamente e progressista também não
parece ser. Basicamente, parece tratar-se de um estilo televisivo
inovador. Mas parece-me muito reconfortante que, ao contrário da
inovadora violência de rua dos “coletes amarelos” em França, os
ancestrais e não inovadores “Checks and Balances” da Constituição
americana estejam a funcionar em pleno e aos olhos de todos.
Talvez o Presidente dos EUA seja “o homem mais poderoso do mundo”
(uma expressão equívoca e desagradável) — mas certamente o seu poder é
severamente limitado na América pelas sábias tradições constitucionais
herdadas da Magna Carta de 1215. Entre elas tem estado particularmente
evidente a robusta independência do poder judicial. Há também sinais de
que o Partido Republicano (curiosamente designado por “Grand Old Party”)
começa a ficar farto de tanta inovação televisiva. Não é de excluir que
o GOP venha a dar razão a Churchill — que costumava dizer que “os
americanos acabam sempre por tomar a decisão certa, depois de terem
tentado todas as outras”.
Também se tornou inovadora a moda actual de ridicularizar a
(inegável) confusão da política britânica sobre o “Brexit”. Mas a
verdade é que essa inegável confusão está a ocorrer num pacífico
processo parlamentar — sem “coletes amarelos”, sem partidos populistas e
sem “tweets” agressivos. Reforçando esta tradicional tranquilidade
britânica, a Rainha proferiu uma mensagem de Natal totalmente clássica e explicitamente Cristã.
No plano político, condenou o tribalismo e apelou ao diálogo entre
posições rivais, sem nunca emitir o mais leve sinal de preferência por
“Brexiteers” ou por “Remainers”. E acentuou que, “mesmo com as mais
profundas diferenças, tratar a outra pessoa com respeito e como um ser
humano nosso semelhante é sempre um bom primeiro passo para uma melhor
compreensão mútua”.
Num artigo sábio e divertido
no Telegraph de sábado, Charles Moore (biógrafo de Thatcher e famoso
“Brexiteer”) tentou corresponder à exortação da Rainha e estendeu a mão
aos seus rivais “Remainers”. Este exercício de “fair-play” faz lembrar
aquilo que Churchill definia como a “ideologia própria”, ou o traço
distintivo, da democracia inglesa, a propósito da filosofia política de
seu pai:
“[Lord Randolph Churchill] não via razão para que as velhas glórias
da Igreja e do Estado, do Rei e do país, não pudessem ser reconciliadas
com a democracia moderna; ou por que razão as massas do povo trabalhador
não pudessem tornar-se os maiores defensores destas antigas
instituições através das quais tinham adquirido as suas liberdades e o
seu progresso. É esta união do passado e do presente, da tradição e do
progresso, esta corrente de ouro [golden chain], nunca até agora
quebrada, porque nenhuma pressão indevida foi exercida sobre ela, que
tem constituído o mérito peculiar e a qualidade soberana da vida
nacional inglesa.”
Os meus votos para o novo ano de 2019 são sobretudo de re-descoberta
das boas tradições demo-liberais fundadas na perpétua conversação
civilizada entre perspectivas rivais — a “corrente de ouro” de que
falava Churchill.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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