"Assombrado pelo imbróglio envolvendo seu filho, Jair Bolsonaro inicia
mandato tendo que se esquivar dos obstáculos lançados no caminho pelos
adversários para minar seu governo". Lúcido artigo de José Augusto
Filho, publicado pelo Observador, de Portugal:
Em sua única visita ao Brasil, em 1994, a ex-primeira-ministra
Margaret Thatcher justificou o epíteto de Dama de Ferro. Madame
Thatcher, convicta da relevância do legado deixado para seu país e o
mundo, cravou frases que marcaram sua célebre passagem pelo país:
“Parece-me bem claro que o Brasil não teve ainda um bom governo, capaz
de atuar com base em princípios, na defesa da liberdade, sob o império
da lei e com uma administração profissional”, disse para uma seleta
plateia de políticos e empresários em São Paulo.
Passados quase 25 anos, a governança do Estado brasileiro parece
estacionada na mesma conjuntura trágica diagnosticada por Thatcher. Isso
faz com que o grande desafio de Bolsonaro seja reestruturar o país, ao
mesmo tempo em que administra a mais grave crise econômica da história.
Em certa medida, situação similar àquela deixada pelos trabalhistas
ingleses em 1979, quando assumiu o cargo de primeira-ministra: um país
destroçado pela incompetência das mentes imprudentes socialistas.
Contudo, a depender dos adversários, Bolsonaro não terá vida fácil na
presidência. Por si mesmo, recolocar o Brasil nos trilhos do
desenvolvimento econômico e social depois da tragédia lulopetista requer
esforço redobrado. A sabotagem pelo estamento burocrático encastelado
no poder visando manter privilégios alargou um pouco mais a missão de
Bolsonaro. Num verdadeiro salve-se quem puder, muita casca de banana foi
lançada no caminho para desestabilizar o futuro governo.
Velhacarias do Supremo Tribunal Federal (STF) foram tratadas no último artigo deste escrevinhador,
publicado neste Observador. Como desgraça pouca é bobagem, vale
registrar ainda que, na véspera do recesso do Judiciário, um ministro do
STF liberou o reajuste dos salários dos servidores federais. A
benevolência pressiona em R$ 4,7 bilhões o já deficitário orçamento da
União. Contudo, o Legislativo e o Executivo não deixaram por menos, cada
um deu sua contribuição, em favor dos interesses de seus membros e
contra o Brasil.
No Congresso, uma série de bombas fiscais foram armadas. Uma clara
demonstração de que o mandato popular se converte em extensão de
negócios particulares de políticos mal-intencionados. Propostas
aprovadas ou que avançaram no Legislativo somam um impacto de R$ 259
bilhões nos próximos quatro anos.
A maior obscenidade, no entanto, ficou por conta do próprio
presidente da Câmara dos Deputados. No exercício da Presidência da
República, durante viagem de Michel Temer, Rodrigo Maia aproveitou para
acenar aos prefeitos, em busca de apoio para renovar seu mandato no
comando da Casa. Numa canetada, sancionou um projeto que flexibiliza a
Lei de Responsabilidade Fiscal. Por outras palavras, o gesto tresloucado
de Maia liberou de punição os municípios que passarem do limite com
gasto de pessoal.
De saída pela porta dos fundos do Palácio do Planalto – Michel Temer
está sendo denunciado pela Procuradoria-Geral por corrupção e lavagem de
dinheiro –, o chefe do Executivo não deixou de fazer a alegria dos
vivem de facilidades com o dinheiro público. Dentre outras imoralidades,
nomeou para diretoria de agências reguladoras do país apaniguados
políticos que não conseguiram se reeleger. Conhecimento técnico e
formação universitária, requisitos para ocupar o cargo, foram ignorados.
Importava mesmo era proteger os aliados das intempéries.
No apagar das luzes de seu insosso governo, Temer justificou por que
foi duas vezes vice-presidente de Dilma Rousseff e criou mais uma
estatal. A NAV Brasil Serviços de Navegação Aérea S.A. se junta a outras
418 empresas controladas direta ou indiretamente pela União, Estados ou
municípios. Orgulhosamente, o Brasil tem o maior número de estatais do
mundo. Mesmo com o país ostentando índices negativos em vários rankings,
Temer saiu de cena esbanjando autoconfiança. Ou seria hipocrisia?
Único presidente a inaugurar memorial ainda durante o mandato, Temer
apressou-se em não permitir que seu nome caia no esquecimento.
Certamente, um esforço desnecessário. Temer será lembrado, e muito, mas
não por seus feitos memoráveis. O presidente mais rejeitado da história
do país será evocado sempre por ter se apequenado diante da oportunidade
perdida de iniciar reformas profundas. Da mesma forma, será lembrado
quando seus processos na Justiça ganharem celeridade com a perda do foro
privilegiado.
Todavia, o esforço do Executivo de obstaculizar o governo Bolsonaro
parece ter sido em vão. O novo presidente determinou à sua equipe rever
todas as medidas praticadas nos últimos dois meses do mandato de Temer.
Nos primeiros dez dias, uma operação pente-fino vai verificar se os atos
estão de acordo com os compromissos do governo Bolsonaro. Contudo, de
imediato, pouco ou quase nada pode ser feito relativamente aos feitos do
Legislativo e do Judiciário.
Muito foi feito para sabotar o governo que se inicia. Mas, o que
realmente tem incomodado o clã Bolsonaro é a ainda não explicada
movimentação financeira incompatível com os rendimentos do ex-assessor
parlamentar de um dos filhos do presidente. A turbulência pôs fim ao céu
de brigadeiro no qual Bolsonaro passeava sobre seus adversários.
O imbróglio remete para uma prática ilegal, porém corriqueira, de
repasse para políticos de parte do salário dos funcionários de
gabinetes. No PT de Lula da Silva, o “dízimo” é norma programática. Seus
políticos aparecem no topo da lista com movimentações milionárias.
Contudo, Bolsonaro foi eleito sob o mantra de limpeza da sujeira na qual
o PT e seus aliados chafurdaram o Brasil. O caso deve ser apurado, e a
ilegalidade, punida, doa a quem doer.
À revelia da vontade da maioria dos representantes da sua classe
política, o Brasil que o capitão reformado do Exército vai governar é
certamente um país diferente. Viu florescer combativas lideranças
liberais capazes de provocar um debate alternativo à uníssona narrativa
progressista que dominou a política brasileira nas últimas cinco
décadas. Mais importante, o avanço da cidadania faz com que cada vez
mais pessoas tenham clareza dos seus direitos e deveres e assumam
protagonismo na sociedade civil.
Na altura em que os brasileiros se despedem de um longo ciclo de
governos progressistas, responsáveis por conduzir o país à bancarrota
moral e material, relembrar o exemplo de Margaret Thatcher é exercício
profícuo. Obstinada e implacável em seus propósitos, fez da austeridade,
da crença nas instituições do Estado e da valorização do indivíduo
cânones para recuperar a Inglaterra, assolada pelo trabalhismo fiel ao
delírio socialista.
Margaret Thatcher revolucionou seu país e inscreveu seu nome no rol
dos líderes mundiais mais importantes. Conseguirá Bolsonaro transformar o
caos em ordem e progresso? Enquanto o horizonte não se revela,
lembremos mais uma vez madame Thatcher: “O Brasil é o país do futuro,
mas para tanto é preciso decidir que o ‘futuro’ é amanhã. E, como bem
sabem, isto significa que as decisões difíceis têm que ser tomadas
hoje”.
Jornalista e doutorando em Ciência
Política e Relações Internacionais no Instituto de Estudos Políticos da
Universidade Católica Portuguesa. Pesquisa os desafios do
multilateralismo liberal no presente contexto de transformação da ordem
mundial.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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