"Mesmo quem não é psiquiatricamente perturbado pode ter uma visão de
vida nitidamente paranoica. Quando os crentes muçulmanos enlouquecem,
sua loucura frequentemente possui conteúdo religioso-paranoico". Artigo
de Theodore Dalrymple, via Gazeta do Povo:
Em Trappes, um subúrbio parisiense próximo a (mas muito menos
grandioso que) Versalhes, um homem que a polícia conhecia por sua
solidariedade com o terrorismo islâmico e que por enquanto é conhecido
publicamente apenas como Kamel S. matou sua mãe e irmã a facadas,
esfaqueou e feriu gravemente um transeunte e, quando confrontado pela
polícia, gritou “Allahu Akbar! Vou detonar vocês!”. Em vez disso, a
polícia o matou a tiros.
O Estado Islâmico chegou a reivindicá-lo como um de seus militantes,
um soldado da jihad global que teria tombado, mas o EI tem um histórico
de reivindicar falsamente a “glória” de incidentes como esses, e as
autoridades negaram a existência do vínculo. O ministro do Interior,
Gérard Collomb, disse: “O perfil do agressor é mais o de uma pessoa
mentalmente perturbada e com antecedentes psiquiátricos que o de um
militante que segue as ordens de uma organização terrorista.”
Houve os desmentidos de praxe de jovens que o conheciam, frases tão
comuns que praticamente poderíamos escrevê-las de antemão. “Crescemos
com ele”, disse um jovem chamado Said. “Isso nos deixou boquiabertos,
não tem nada a ver com religião. Ele não era religioso. Estive com ele
dois dias atrás quando ele estava andando de bicicleta. Kamel era uma
pessoa como outra qualquer. Estava de saída, indo para Paris. Se eu o
tivesse convidado para me acompanhar a uma boate no dia seguinte, ele
teria ido.”
Outra pessoa que o conhecia comentou: “Nos últimos dias ele andava um
pouco fechado e eu tive medo de ele estar com problemas psiquiátricos.
Ele tomou algumas cervejas e fumou uns baseados.” Seja como for, a
polícia tratou o caso como um crime comum, e não um ato de terrorismo.
É verdade que uma mãe e uma irmã são vítimas incomuns de ataques
terroristas, e o fato de terem sido mortas sugere loucura,
possivelmente, neste caso, induzida por drogas. Mas isso não explica
tudo nem exclui completamente uma motivação religiosa. Falando dos
sonhos alimentados pelo ópio, Thomas de Quincey, em “Confissões de um
Comedor de Ópio”, escreveu: “Se um homem que costuma falar de bois se
torna comedor de ópio, a probabilidade é que (se ele não for estúpido
demais para sonhar) ele sonhe com bois”. Em outras palavras, o teor das
alucinações e ilusões é naturalmente moldado pelos conteúdos que
habitualmente povoam a mente de um homem. Quando homens do século 19
acreditavam estar sendo perseguidos por máquinas, eles eram perseguidos
em sua imaginação por máquinas do século 19, não do século 18 – nem do
século 20.
Mesmo quem não é psiquiatricamente perturbado pode ter uma visão de
vida nitidamente paranoica. Quando os crentes muçulmanos enlouquecem,
sua loucura frequentemente possui conteúdo religioso-paranoico. Estive
envolvido uma vez em um caso em que um jovem muçulmano atacou e quase
matou seu pai. Ele estava louco e ao mesmo tempo religiosamente
inspirado, conforme mostraram claramente suas declarações e seus
escritos. Com tratamento, ele voltou à sanidade relativa.
Portanto, a dicotomia de Collomb é falsa. É claro que não tenho como
afirmar que o caso de Kamel S. seja semelhante ou idêntico ao caso
acima, mas é pelo menos possível que sim. É possível ser louco e
terrorista, mesmo que apenas numa escala pequena que não requer
planejamento coerente.
Theodore Dalrymple é editor
colaborador do City Journal, ocupa a cadeira Dietrich Weismann no
Instituto Manhattan e é autor de vários livros, entre os quais “Out Into
the Beautiful World” e o recém-lançado “Grief and Other Stories”.
©2018 City Journal. Publicado com permissão. Original em inglês
Tradução por Clara Allain.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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