Folha
O cientista político Jorge Zaverucha, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco, tem uma posição rara entre seus pares acadêmicos em relação ao cenário eleitoral. Não apenas se opõe ao discurso de que Jair Bolsonaro (PSL) é uma ameaça à democracia brasileira como também não descarta votar nele. Para o professor, muitos eleitores deverão seguir pelo mesmo rumo após o atentado sofrido pelo capitão reformado na última quinta-feira (6), em Juiz de Fora (MG).
Nos últimos meses, inúmeros pesquisadores e intelectuais manifestaram apreensão diante da possibilidade de sua vitória. À Folha, por exemplo, os cientistas políticos americanos Francis Fukuyama e Steven Levitsky e a historiadora Heloisa Starling disseram que Bolsonaro representa um grave risco às instituições democráticas. A revista britânica The Economist afirmou o mesmo em recente editorial.
Embora reconheça traços autoritários no candidato, Zaverucha faz avaliação diversa. A democracia brasileira, diz, há muito passa por processo de morte lenta, provocado pelos que se dizem democratas, não pelos supostos autoritários.
Doutor em ciências políticas pela Universidade de Chicago (EUA) e autor de livros a respeito da relação entre democracia, autoritarismo e as Forças Armadas, Zaverucha não vê diferenças significativas entre Bolsonaro e os demais candidatos e acredita que um eventual governo dele seguiria as regras do jogo.
Como fica a corrida eleitoral após o atentado contra Bolsonaro? A tendência é que a candidatura se fortaleça. Ele tinha poucos segundos na TV, e agora só se fala dele, do ataque que sofreu. Por ser um drama humano, certamente ganhará simpatia, vai angariar adeptos. Antes parcela do eleitorado o via como violento. Agora é visto como vítima. Além disso, os outros candidatos irão reduzir as críticas a ele. Terá uns dez, 15 dias de sossego, o que já é uma grande coisa para a campanha.
E em relação ao discurso de combate ao crime?
Também nesse ponto será beneficiado. Poderá dizer: “Olha só, fui atacado por uma faca. Vocês que querem proibir as armas de fogo vão tentar também proibir as armas brancas?”. O discurso dele é que a arma de fogo é só um instrumento: quem mata é o homem, não a arma. Então proibir armas de fogo não deixará o país mais seguro. O que ocorreu com ele comprova esse discurso.
Cientistas políticos e outros acadêmicos, no Brasil e no exterior, têm dito de forma quase unânime que Bolsonaro ameaça a democracia brasileira. O que o senhor pensa?
O que seria uma ameaça? O que me transparece é um temor de que ele poderia liderar um golpe de Estado. Não vejo essa possibilidade. Quando falam desse suposto perigo, essas pessoas dão a entender que nossa democracia é uma vestal que estaria prestes a ser violada por um brutamontes chamado Bolsonaro. Eu digo que a coisa é mais matizada. Nossa democracia há tempos é frágil, capenga, mal se sustenta.
O senhor pode dar exemplos?
A democracia tem sido violada desde o seu nascedouro. A imprensa já revelou que pelo menos cinco artigos da Constituição de 1988 foram introduzidos à socapa, sem terem passado por votações, sem que os constituintes soubessem. Um exemplo mais recente. O Senado rasgou a Constituição ao fatiar a votação do impeachment de Dilma Rousseff, o que permitiu que seu mandato fosse cassado, mas seus direitos políticos fossem preservados. A Constituição foi rasgada várias vezes, mas não pelas mãos de Bolsonaro.
Mas o senhor vê alguma espécie de ameaça em Bolsonaro, como tantos dizem?
Não vejo muita diferença dele para os demais. A nossa democracia vem sendo avacalhada dia a dia. Se ela não fosse avacalhada, não existiria Bolsonaro. Uma das razões de existir Bolsonaro é essa bagunça. Isso não foi provocado pelos supostos autoritários, mas pelos ditos democratas.
O PT apoia Maduro e Ortega. Isso não é ameaça à democracia? Isso não é ameaça maior que Bolsonaro?
O cientista político Steven Levitsky, autor de “Como as Democracias Morrem”, afirmou que Bolsonaro não está comprometido com as regras democráticas, que ele é o Hugo Chávez do Brasil. Acho que ele exagera. Chávez tinha claramente um passado golpista quando chegou ao poder. Não vejo Bolsonaro como sendo um golpista. Em seu programa de governo diz que fará o jogo democrático. Caso ganhe, acredito que governará de acordo com as regras, como qualquer outro candidato. Ele pode ter um senão ou outro, mas dizer que isso chega a ser uma ameaça é muito forte.
E as declarações de que fecharia o Congresso ou os elogios a nomes como o coronel Ustra, símbolo da repressão durante a ditadura militar?
Bolsonaro já falou muitos absurdos, é claro. Fechar o Congresso, fuzilar Fernando Henrique Cardoso. É mesmo preocupante elogiar Ustra, mas me parece que com o passar do tempo ele vem mudando de opinião. Antes era um estatista na economia, agora é liberal.
O senhor acha que essa mudança é crível?
Acho que é crível. Ele era mais extremista, agora já mede as palavras. Sinal de maturidade. Ele vê que a posição dele agora é outra. Uma coisa era ser um deputado do baixo clero, outra é ser um sério candidato à Presidência da República. Tentam criar uma dicotomia entre Bolsonaro e os ditos democratas. Vamos com calma. Exageram ao dizer que Bolsonaro é uma ameaça à democracia. Tentam pintá-lo como um monstro.
Quando o PT pratica chicanas jurídicas, como no episódio do desembargador Rogério Favreto, para tentar garantir a candidatura de Lula, isso não é uma ameaça?
Bolsonaro não é o vilão da eleição, seus oponentes não são os mocinhos.
Por que tentam pintá-lo assim?
É uma questão ideológica, de esquerda contra direita. Bolsonaro diz, por exemplo, que não houve golpe militar em 1964. Ele está errado, é um absurdo o que diz. Por outro lado, ele chama a atenção para algo que a esquerda não quer aceitar, que havia em 1964 uma disputa entre o autoritarismo de esquerda e o de direita. Não fosse a direita a dar o golpe, é provável que a esquerda o desse. Bolsonaro destaca que houve um grande apoio civil ao golpe de 64, e isso é verdade. A ditadura não foi apenas militar, foi civil militar.
Qual o principal ponto da candidatura de Bolsonaro?
Ele promete combater a violência de um modo mais incisivo que os outros. Foi o primeiro a levantar a questão de que o cidadão deve ficar armado. Um dos eixos desta eleição é a questão da segurança, e ele transmite ao eleitor a ideia de que dará uma resposta a isso.
O que achou das propostas dele nessa área?
Há coisas boas e ruins. Um ponto positivo: ele diz que todas as mudanças serão feitas por meio da defesa das leis e da obediência à Constituição. Isso não é discurso de quem é autoritário. E diz também coisas parcialmente corretas. Diz que vai acabar com a progressão de pena. Ele deveria acabar com a elasticidade da progressão de penas. A progressão deve continuar, mas não como essa brincadeira que virou no país. Sobre as armas, ele teve o cuidado de afirmar que não quer armar a população, mas sim garantir o direito à legítima defesa. Deixa claro isso.
E quais são os pontos negativos?
Ele exagera muito na questão ideológica. Diz que a esquerda corrompeu a democracia nos últimos 30 anos. Isso é obra de todos os partidos. Tivemos também Maluf, Collor, que não são de esquerda. Ele também exagera na questão do Foro de São Paulo. Concordo que é uma instituição autoritária, que apoia os bolivarianos, mas não podemos colocar o problema da segurança na conta do foro. O programa sugere que o aumento de homicídios no Brasil tem relação com o Foro de São Paulo. Não há nenhum dado que permita concluir isso. Não há fundamento científico para isso. É a ideologia querendo mandar na ciência. É um chute monumental.
Como interpreta a onda de candidatos militares nesta eleição? Um sinal de que a democracia está fracassando é que os próprios partidos querem esses candidatos militares. Os civis acham que eles trarão votos, pois há a imagem de que são honestos, disciplinados. Como o poder civil está abalado, aceita a introdução dos militares.
Em quem o senhor vai votar nesta eleição?
Ainda não decidi, só sei em quem não vou votar.
Exclui votar em Bolsonaro?
Não, não excluo, de jeito nenhum. Posso vir a votar nele, vai depender do cenário.
Nenhum comentário:
Postar um comentário