Gustavo Nogy, colunista da Gazeta do Povo, sobre Lula, o novo Quincas
Berro d'Água (com a diferença de que Quincas era homem decente):
Na divertidíssima história de Jorge Amado, Joaquim Soares da Cunha, o
Quincas Berro d’Água, foi, durante toda a vida, um funcionário público
exemplar. Mulher, filhos, bons costumes. De repente, abandona tudo e
resolve viver como vagabundo.
Certo dia o encontram morto. O médico confirma o óbito e a família,
como que para restaurar a dignidade do sobrenome e desfazer o
mal-entendido, faz o velório em casa. Ele merece todas as honras, para a
glória de Nosso Senhor. Só que tem um detalhe: o sorriso. Quincas Berro
d’Água morreu com um sorrisinho de Voltaire no rosto, e não há meios de
tirá-lo dali.
E ali fica o morto, rindo, provavelmente rindo de todos à volta,
quando seus amigos de boemia chegam. Como de costume, estão embriagados e
não reparam bem que o morto está morto. Percebem apenas o sorriso e o
levam para a noitada. O morto tem direito a uma última farra e a uma
outra morte, morte morrida, morte de verdade.
Tudo isso me lembra essa tragicomédia jurídica que envolve o nosso
Quincas Berro d’Água, o ex-presidente, atual condenado e ex-candidato,
Luiz Inácio Lula da Silva.
(Naturalmente, há semelhanças e dessemelhanças: Joaquim era gente decente, exemplar. Coisa que não podemos garantir sobre Lula.)
Primeira instância, segunda instância, recursos, advogados
milionários, visitas íntimas, visitas públicas. Ele estava morto, mas
não exatamente morto, e tinha o sorriso no rosto. Os amigos chegaram,
viram o sorriso e resolveram que ele devia passear.
Fizeram das suas chicanas, os causídicos encheram a cara de
recomendações da ONU, carregaram o defunto político de cá pra lá, de lá
pra cá, o país virou um imenso bordel. Até que, finalmente, no mar
revolto do STF, as ondas jogaram o barco de um lado para o outro e Lula
disse – ou poderia ter dito, se tivesse o hábito de ler – a mesma oração
de Berro d’Água:
Me enterro como entender/ Na hora que resolver.
Podem guardar seu caixão/Pra melhor ocasião.
Não vou deixar me prender/ Em cova rasa no chão.
Assim Lula saiu da história para voltar à vida; desta, para a prisão. Com sorriso no rosto e tudo.
De resto, passamos bem. Brasil à parte.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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