"Facas não entram, armas não disparam, crimes não acontecem sem a ação
de criminosos, cada vez mais ousados por conta de um sistema penal que
parece se solidarizar mais com bandidos do que com suas vítimas, o que,
em parte, explica porque tantos brasileiros consideram o discurso de uma
política de segurança dura de Jair Bolsonaro". Texto de Ana Paula do Vôlei, inspirado no livro de Theodore Dalrymple (ver seção Livros, à margem direita):
Em apenas uma semana, o Brasil mostrou seu apreço tanto pelo passado
quanto pelo futuro: o acervo do nosso mais importante museu virou pó e o
líder das pesquisas para presidente da república escapou com vida por
sorte de um atentado. Desordem e regresso.
Foi uma semana difícil para todos. Toda paciência, resiliência e até
bom humor com que tentamos enfrentar as más notícias que recebemos não é
suficiente para encarar o desleixo com que vinte milhões de itens do
acervo do Museu Nacional foram tratados, um tesouro incalculável que foi
perdido para sempre, sem falar no próprio palácio que por pouco não
colapsou. Apenas quatro dias depois, um crime contra a democracia
brasileira, que precisa ser investigado com todo rigor, quase vitimou o
brasileiro que, de acordo com as recentes pesquisas eleitorais, carrega
hoje a esperança da maioria dos eleitores por um país melhor.
Qualquer país está exposto ao risco de crimes políticos. O maior
trauma da América é, sem dúvida, o brutal assassinato de John Fitzgerald
Kennedy em 1963. Era um presidente energético e carismático, ex-militar
e único católico a ocupar o cargo até hoje, um anticomunista até o
último fio de cabelo e que acreditava que menos impostos geravam mais
crescimento econômico. Foi abatido por um marxista perturbado. Guardadas
as devidas e grandes diferenças e proporções entre os casos,
personagens e momentos, sempre há similaridades em atentados políticos,
mas vou me abster de procurar paralelos com o que presenciamos em Juiz
de Fora. No entanto, fica o alerta de que as feridas causadas pelo
atentado e morte de JFK explicam boa parte das divisões políticas da
América até os dias de hoje.
Numa entrevista recente para o Hoover Institute, Henry Kissinger, um
judeu que fugiu do regime nazista para a América e que acabou se
tornando Secretário de Estado nos governos de Nixon e Gerald Ford, disse
que acredita que o assassinato de JFK dividiu a esquerda e a direita do
país de uma forma inédita e explica a falta crescente de diálogo entre
os dois polos da política do país. Para o mítico ex-Secretário de
Estado, ex-Conselheiro de Segurança do governo Americano e vencedor de
um Nobel da Paz, atualmente com 95 anos de idade, a esquerda americana,
representada pelo Partido Democrata, tinha como agenda a defesa das
políticas assistencialistas que deram quatro mandatos seguidos para
Franklin Roosevelt, mas o patriotismo e compromisso de JFK com o país
eram inquestionáveis.
Se um comunista como Lee Oswald, treinado na URSS, levasse a culpa
pela morte de JFK, a imagem da esquerda no país poderia nunca mais ser
recuperada e daí nasceram as incontáveis teorias conspiratórias que
culpam tudo e todos pelo crime, menos o próprio assassino. A esquerda
passou a culpar a América pela morte do jovem presidente e demonizou o
patriotismo e a história do país com reflexos até os nossos dias, como
na recente campanha publicitária da Nike que trata um quaterback
medíocre como herói por desrespeitar a execução do hino nacional antes
dos jogos. Sim, Colin Kaepernick é um jogador medíocre que jogou bem em
apenas uma temporada em toda sua carreira, mas o mercado de justiceiros
sociais nas empresas, mais lacradoras que nunca, está em alta e
Kaepernick soube lucrar com isso.
O crime cometido contra Jair Bolsonaro, e em parte contra todos nós,
imediatamente me lembrou do tema central do último livro do genial
Theodore Dalrymple, “A Faca Entrou”, em que o psiquiatra britânico
comenta a tendência atual de abandono da responsabilidade individual por
uma sociedade cada vez mais ideologizada que considera, contra todas as
tradições culturais que construíram o Ocidente, que somos apenas
marionetes de condições externas e de nossa etnia, gênero, orientação
sexual ou qualquer outra identidade de grupo que possamos usar como
verniz para terceirizar a culpa do que fazemos e pensamos. Para conhecer
melhor as ideias de Theodore Dalrymple, sugiro que você assista a
entrevista que um dos melhores analistas políticos do país, meu amigo
Alexandre Borges, fez com ele em São Paulo por ocasião do lançamento da
edição brasileira do livro.
Ao entrevistar um homicida numa prisão britânica que havia esfaqueado
sua vítima, Theodore Dalrymple ouviu a expressão que batiza seu livro,
este artigo e lamentavelmente caracteriza os tempos atuais: “a faca
entrou”, como se a arma agisse sozinha e não pela mão de um criminoso.
Para o autor, a tendência de redimir nossos pecados culpando outros por
nossos pecados é tão antiga quanto o homem, mas o que era uma desculpa
escapista é hoje a regra nas prisões, tribunais, no jornalismo e na
política. É provável que Adélio Bispo de Oliveira, que tentou matar Jair
Bolsonaro, também pense que “a faca entrou” por si.
Ao que tudo indica, Adélio Bispo de Oliveira não agiu sozinho e torço
para que a polícia desvende logo o crime e suas ramificações, mas a
tentativa de alguns jornalistas e analistas de culpar a vítima pelo
crime, tentando fazer uma abjeta e vergonhosa equivalência entre o
discurso do candidato que representa hoje a maior parte do eleitorado
que já decidiu seu voto, segundo as pesquisas, e a violência da qual foi
vítima, explica parte da doença moral e social que vivemos.
A hegemonia cultural, o controle dos grandes grupos de comunicação e o
aparelhamento das redações e universidades por opositores das ideias
que Jair Bolsonaro representa está por trás da maneira desumana e
imperdoável com que muitos trataram o episódio, colocando as próprias
perversões ideológicas acima do respeito à vida humana. A intolerância
dos autoproclamados tolerantes em todos os tons de vermelho e não apenas
do sangue derramado em Minas. É o “ódio do bem”.
Facas não entram, armas não disparam, crimes não acontecem sem a ação
de criminosos, cada vez mais ousados por conta de um sistema penal que
parece se solidarizar mais com bandidos do que com suas vítimas, o que,
em parte, explica porque tantos brasileiros consideram o discurso de uma
política de segurança dura de Jair Bolsonaro. A faca foi um mero
instrumento de Adélio Bispo de Oliveira, um desequilibrado com ideias
confusas e uma agenda que poderia ter arremessado o país ainda mais no
caos.
Que este crime horrível, mais um constrangimento para o Brasil, sirva
para acalmar os ânimos e curar as feridas de um ambiente político cada
vez mais belicoso. Quem apostar em mais enfrentamento, mais divisão e
mais ódio, pode ter certeza que o tiro pode sair pela culatra. Daqui da
América, país que já perdeu líderes assassinados e pagou um preço alto
por isso, envio o desejo de uma rápida e plena recuperação para o
deputado. Civilidade acima de tudo, paz acima de todos.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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