Artigo de Merval Pereira no jornal O Globo:
As alianças
concretizadas ou tentadas para a campanha presidencial mostram o quanto
inconsistente é o nosso sistema político-partidário. Não é possível que o
empresário Josué Alencar sirva para ser vice tanto do PT quanto do
PSDB, e nem que o centrão possa negociar um governo com Ciro Gomes do
PDT.
O tom de coerência
dessas recentes negociações foi dado pela adesão do DEM ao PSDB, levando
consigo boa parte do centrão, marcado pelo fisiologismo. O DEM, mesmo
que diversos de seus líderes estejam envolvidos em denúncia na Operação
Lava Jato, tem um posicionamento ideológico que historicamente o liga ao
PSDDB desde que, para garantir a governabilidade, Fernando Henrique
Cardoso convidou o então PFL para fazer parte de sua chapa.
Para analisar a
coerência das coalizões, o primeiro passo, diz o cientista político
Octávio Amorim Neto da FGV do Rio, é definir os principais objetivos dos
políticos em regimes democráticos. Segundo ele seriam: eleitorais,
programáticos (ou ideológicos), pragmáticos (em geral, a ocupação de
cargos, mas também a obtenção de recursos financeiros para campanhas) e
fisiológicos (renda pessoal).
A questão, do ponto
de vista da ciência política, explica Octávio Amorim Neto, é saber qual é
o peso relativo de cada um daqueles quatro objetivos para cada partido
ou cada sistema de governo. Nenhum partido pode maximizar todos os
objetivos igualmente: se um preza a pureza ideológica em sua ação
política, considerações eleitorais ou pragmáticas perderão peso
relativo.
É o caso da Rede de
Marina Silva, que não consegue se coligar com outros partidos, e quando
se coliga, como no Rio com o Podemos que lançou Romário para governador,
recebe críticas da própria Marina.
Alguns autores
sustentam que o sistema presidencialista favorece a formação de partidos
mais preocupados com objetivos eleitorais do que com os programáticos. O
parlamentarismo estaria mais associado a partidos que conferem um maior
peso aos objetivos programáticos, ressalta Octavio Amorim Neto.
O cientista político
da FGV-Rio aponta o exemplo da Alemanha, que se caracteriza por um
sistema partidário moderadamente fragmentado, composto por agremiações
com claras orientações programáticas. A política alemã se distingue por
sua forte cultura de consenso, o que facilita a formação das chamadas
grandes coalizões, as quais incluem os dois maiores agrupamentos
partidários do país, os democrata-cristãos (CDU) e os social-democratas
(SPD).
A chanceler alemã
Angela Merkel cedeu o Ministério das Finanças ao SPD em um acordo de
coalizão alcançado mais de quatro meses depois de uma eleição nacional
na qual os dois blocos perderam apoio. Em Portugal funciona uma
“geringonça”, como é chamada a aliança que governa o país, com os
partidos de esquerda unidos, fato inédito em quarenta anos de vida
democrática.
O Partido Socialista,
moderado, governa sozinho, mas é apoiado no Parlamento pelo PCP, Bloco
da Esquerda e Os Verdes, com as quais assinou acordos bilaterais. O
Partido Socialista teve que abrir mão de três pontos de seu programa:
congelamento de pensões, regime de demissão facilitado e corte na
contribuição social das empresas à Previdência.
De tão disparatada a
coalizão foi apelidada de Geringonça, que virou uma denominação
elogiosa. No nosso sistema político-partidário, o peso relativo dos
quatro objetivos é muito distinto. As agremiações que constituem o
Centrão são um grande exemplo da perda radical de substância ideológica
dos partidos brasileiros, comenta Octavio Amorim Neto.
O mesmo, diz ele, se
deu com o PT, “que nascera como um partido purista de esquerda para, a
partir de 2003, tornar-se uma máquina infernal de eleitoralismo,
pragmatismo e fisiologismo. O PSDB também não fugiu a essa sina, ainda
que em menor escala do que o Centrão”.
Para Octavio Amorim
Neto, os políticos brasileiros, para sobreviver, darão mais atenção a
considerações programáticas e a se concentrar menos na obtenção de
benefícios fisiológicos. “Se isso não acontecer, a crise sem fim que
temos vivido desde 2013 de nada terá valido”.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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