Ao apoiar publicamente o candidato do PT em Miguel Leão, escreve Augusto Nunes, "o palanque ambulante garantiu a vitória do adversário". Este é o Lula do Datafolha:
O despovoamento da
agenda de Lula figura entre os efeitos colaterais da Lava Jato. Por
falta de patrocínio, encomendas e freguesia, foram aposentados
simultaneamente o camelô de empreiteiras, o facilitador de negóciatas
internacionais e o palestrante que cobrava meio milhão de reais para
elogiar-se durante uma hora em mau português. Por falta de convites, faz
três anos que o colecionador de títulos de doutor honoris causa não
baixa em alguma universidade para reprisar a celebração da ignorância.
Por falta do que fazer, o palanque ambulante tem-se limitado a ir e vir
entre o apartamento em São Bernardo e o prédio do instituto com muita
sala para pouca visita. Enquanto não vem a inevitável condenação em
segunda instância do cinco vezes réu da Lava Jato, Millôr Fernandes
diria que Lula está livre como um táxi.
Longe de qualquer
tipo de trabalho regular desde a descoberta da vida mansa de
sindicalista, inimigo de leituras e avesso a reflexões, o orador à caça
de plateias amestradas que escasseiam progressivamente faz o que pode
para suportar a saudade dos comícios, das caravanas, das ovações
espontâneas que nunca mais ouvirá. Festinha de batizado, bailão em
quadra de sindicato, reunião comemorativa de associação de bairro, até
mesmo o lançamento do livro da nova namorada de Chico Buarque ─ qualquer
acontecimento provido de microfone, caixa de som e mais que três
ouvintes terá a presença do ex-presidente ainda que o convite chegue a
dois minutos do início da coisa.
É compreensível que o
inventor do Brasil Maravilha tenha aceitado com entusiasmo o convite
formulado pelos dirigentes do PT de Miguel Leão, o menos populoso
município do Piauí: gravar uma declaração de apoio que poderia tornar
arrasadora a performance nas urnas do já favorito Jailson Sousa,
candidato a prefeito do partido na eleição suplementar marcada para 6 de
agosto. O vídeo abaixo mostra como foi a mensagem de 30 segundos
enviada pelo mestre a seus devotos da cidade nordestina: tão convincente
quanto o meio sorriso que sublinhar a manifestação de solidariedade,
confiança e fé.
“Meus amigos e minhas
amigas de Miguel Leão, domingo vamos ter eleição em Miguel Leão”,
começa o líder de massas que há 10 anos só vê massa de perto na
macarronada de domingo. “Eu queria pedir a sua compreensão, o seu voto
para o companheiro Jailson. O Jailson é do PT, e você sabe que o PT sabe
governar o Brasil, sabe governar o Piauí e sabe governar Miguel Leão.
Por isso, domingo não se esqueça: vote treze, vote Jailson. Um abraço e
boa sorte.
Era o que faltava
para o triunfo que ratificaria com a devida contundência o resultado da
eleição municipal de outubro. Candidato a um segundo mandato pelo PSD, o
prefeito Joel de Lima, o Professor Joel, teve como vice o companheiro
indicado pelo PT: o mesmo Jailson Sousa mencionado no vídeo gravado por
Lula. A dobradinha Joel-Jailson conseguiu 714 votos, quase 100 a mais
que os 620 obtidos pela chapa da coligação PR-PP, liderada por Roberto
César Fontenelle Nascimento. A dupla vitoriosa ficou menos de dois meses
na prefeitura.
Em fevereiro deste
ano, o prefeito reeleito, o vice e o presidente da Câmara foram cassados
pelo mesmo crime: a menos de três meses do dia da votação, os três
participaram juntos da inauguração de uma obra pública. A eleição
suplementar que chegou ao fim neste 6 de agosto foi uma reedição
ligeiramente revista e atualizada do duelo travado dez meses antes.
Valendo-se de brechas
na lei, Jailson driblou a cassação e retomou a disputa como candidato a
prefeito aliado ao PSD do Professor Joel, que indicou o parceiro de
chapa. O bloco adversário limitou-se a rejuvenescer a luta pelo poder
municipal com um salto geracional na escolha do prefeito: saiu Roberto
César pai, entrou o filho Roberto César Area Leão Nascimento, ou apenas
Robertinho, também filiado ao PR. Conforme o combinado no parto da
coligação vencida há dez meses, coube ao PP a indicação do vice.
Concluída a apuração,
Robertinho foi eleito com 663 votos, 38 além dos 625 em que Jailson
estacionou. O candidato do PT tropeçou no fiasco quando já corria pelo
abraço — a possibilidade do fracasso, que o apoio militante do
companheiro governador Wellington Dias tornara improvável, parecia
definitivamente exorcizada desde a divulgação da mensagem de Lula. O que
teria impedido a reprise, em escala ampliada, da vitória ocorrida há
apenas dez meses? Qual teria sido a causa da virada?
Quem vê as coisas
como as coisas são não perdeu sequer um minuto com o claro enigma. Em
outubro de 2016, absorvido por outros naufrágios em curso, Lula não teve
tempo para Miguel Leão: mão deu as caras por lá, não mandou mensagens,
nem ficou sabendo que da existência de um companheiro chamado Jailson.
Desta vez foi diferente. Afundado até o pescoço na Lava Jato, acuado por
taxas de rejeição estratosféricas, o chefão teve tempo para lembrar ao
eleitorado local o que muitos moradores pareciam ter esquecido — ou
preferiam esquecer.
Jailson é do PT,
informou Lula, que em seguida ameaçou Miguel Leão com a repetição em
âmbito municipal do que fizeram ao Brasil os governos do PT. Quando
ouviram a mensagem pela primeira vez, partidários do candidato petista
garantiram que Lula faria toda a diferença. Fez mesmo. Ao apoiar
Jailson, elegeu Robertinho. O que houve num lugarejo a quase 100
quilômetros de Teresina antecipa o que acontecerá em 2018. Anotem outra
vez: é mais fácil Frei Betto virar papa ainda neste ano do que Lula ser
eleito presidente no ano que vem.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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