Uma mosquinha azul
zumbiu no ouvido do procurador Deltan Dallagnol, que acabou se
transformando em Dartagnol. Texto de Guilherme Fiuza, publicado pelo
jornal O Globo:
Depois de condenar
Lula, Sergio Moro declarou que não é candidato a nada. Onde esse rapaz
está com a cabeça? É no mínimo estranho um brasileiro chegar a esse
nível de notoriedade e não começar a ciscar na política. Desconfiem
desse juiz. Já o procurador Deltan Dallagnol, herói da Lava-Jato, é
coisa nossa. Jovem ainda, já demonstrou estar sintonizado com a
democracia de arquibancada.
Fale a verdade: após
anos de estudo e trabalho duro, você participa da captura da maior
quadrilha da história, fica famoso, é idolatrado e faz o quê? Continua
trabalhando duro? Claro que não. Isso é neurose de Sergio Moro. Qual um
Lula da Silva, você chegou lá. Lá, onde? Num lugar paradisíaco, onde
você poderá ter trânsito livre entre notáveis, ser lambido por artistas
deslumbrados e ver cada espirro seu virar manchete. Para isso, basta
largar de ser chato e trocar sua indumentária tosca de servidor pelo
fardão de guerreiro do povo. Aí é correr pro abraço.
Uma mosquinha azulada
zumbiu no ouvido do procurador: Deltan, tu és mais! Tu és Dartagnan!
Pensa grande, rapaz! És o cavaleiro que algema políticos — numa terra de
moral frouxa onde odiar políticos é salvo-conduto! Sai de baixo dessa
luz fria, meu jovem! A luz do Sol te espera!
Dartagnol entendeu o
recado e logo viu: no front enevoado das pesquisas de opinião, o tiro ao
mordomo é o nome do jogo. Pediu licença ao rigor da Lava-Jato e foi ser
feliz como franco-atirador contra o governo — quase um Ciro Gomes
subtropical, ou um Molon repaginado, dado o nível da liberdade poética. E
lá vai o procurador virtuoso, montado em seu cavalo branco contra os
políticos — para virar político. Um brasileiro.
Certamente, não o
primeiro. Um dos mais famosos cavaleiros contra a imundície da política
foi Fernando Collor de Mello, o Caçador de Marajás. O Brasil explodiu de
esperança na cruzada do seu Partido da Reconstrução Nacional contra
Sarney, o Temer da época. Menos de 30 anos antes, o cavalo branco da
depuração política havia sido montado pelos militares — também num basta
àquele mundo nojento dos corruptos. Collor e os militares ensinaram
muito ao Brasil sobre o nojo.
Fora os Protógenes e
demais justiceiros de gibi, outro grande mosqueteiro contra a sujeira da
política foi Getúlio Vargas. Ali o cavalo nem era metáfora. A revolução
purificadora veio a galope do Sul — e após a faxina, como é comum
acontecer, tomou gosto e foi ficando. A carne já era fraca.
À exceção de
lunáticos como Sergio Moro, portanto, o normal do homem público é
privatizar o seu sucesso. Um Joaquim Barbosa, por exemplo: faz história
condenando poderosos e vai continuar levando vida de juiz, afundado em
processos empoeirados? Nada disso. Vida de celebridade é outra coisa: é
preciso pairar, qual um ser imaginário, que se materializa em momentos
cruciais — como para tentar salvar do impeachment a despachante da
quadrilha que você condenou.
A fama é sua, você
faz o que quiser com ela — inclusive dar pinta em convescote da MPB.
Todo brasileiro que sai do anonimato tem o sagrado direito de ser um
ex-BBB de si mesmo.
Deltan brilhou na
maior investigação da República e teria, pode-se dizer, duas referências
de homem público a seguir: Sergio Moro e Rodrigo Janot. O primeiro é
esse ser estranho já descrito acima. O segundo é um ser esperto. Passou
anos amortecendo Lula e Dilma, os regentes do petrolão, em triangulações
com o STF e o companheiro Cardozo para fazer a enxurrada de denúncias
morrer nas praias certas. Depois emergiu como príncipe da Lava-Jato,
bajulado pela imprensa e por artistas despistados, para fazer o quê?
Adivinhou, danadinho: montar no cavalo branco da faxina contra os
políticos imundos.
Fazendo sua caminha
política com ataques à própria (especialidade da casa), Janot não é
propriamente um ex-BBB de si mesmo, pois o que privatizou foi o sucesso
alheio — no caso, de gente como Moro e Deltan. Já Deltan não achou graça
na contrição de Moro e resolveu ser Janot na vida.
É um modelo e tanto —
sobretudo de coragem. Não pense que é fácil celebrar um acordo fajuto
com um caubói biônico para tentar derrubar um presidente no susto. Uma
manobra dessas requer, no mínimo, um altíssimo grau de desinibição —
além de um juiz próprio, para homologar o que você mandar. Ainda mais se
o tal caubói tiver sido enriquecido pelo ex-presidente quadrilheiro que
você protegeu. Mas o plano era bom, porque o presidente que você
escolheu derrubar é detestado pela opinião pública. Em qualquer
hipótese, portanto, você poderá correr para o abraço da galera (a não
ser que alguém te ponha em cana no caminho).
Deltan sentiu o
perfume da carne assada e aderiu à molezinha do tiro ao mordomo. Saiu
disparando até sobre o ajuste fiscal — matéria na qual o governo atual
está (segundo os números, não os panfletos) corrigindo o rombo histórico
do PT, que não comove o jovem caçador de políticos corruptos. Ou seja: o
rapaz está pronto. Vai, Dartagnol, ser ex-BBB de si mesmo.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário