MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

sábado, 29 de julho de 2017

Caçador de marajás 2.0


Uma mosquinha azul zumbiu no ouvido do procurador Deltan Dallagnol, que acabou se transformando em Dartagnol. Texto de Guilherme Fiuza, publicado pelo jornal O Globo:


Depois de condenar Lula, Sergio Moro declarou que não é candidato a nada. Onde esse rapaz está com a cabeça? É no mínimo estranho um brasileiro chegar a esse nível de notoriedade e não começar a ciscar na política. Desconfiem desse juiz. Já o procurador Deltan Dallagnol, herói da Lava-Jato, é coisa nossa. Jovem ainda, já demonstrou estar sintonizado com a democracia de arquibancada.

Fale a verdade: após anos de estudo e trabalho duro, você participa da captura da maior quadrilha da história, fica famoso, é idolatrado e faz o quê? Continua trabalhando duro? Claro que não. Isso é neurose de Sergio Moro. Qual um Lula da Silva, você chegou lá. Lá, onde? Num lugar paradisíaco, onde você poderá ter trânsito livre entre notáveis, ser lambido por artistas deslumbrados e ver cada espirro seu virar manchete. Para isso, basta largar de ser chato e trocar sua indumentária tosca de servidor pelo fardão de guerreiro do povo. Aí é correr pro abraço.

Uma mosquinha azulada zumbiu no ouvido do procurador: Deltan, tu és mais! Tu és Dartagnan! Pensa grande, rapaz! És o cavaleiro que algema políticos — numa terra de moral frouxa onde odiar políticos é salvo-conduto! Sai de baixo dessa luz fria, meu jovem! A luz do Sol te espera!

Dartagnol entendeu o recado e logo viu: no front enevoado das pesquisas de opinião, o tiro ao mordomo é o nome do jogo. Pediu licença ao rigor da Lava-Jato e foi ser feliz como franco-atirador contra o governo — quase um Ciro Gomes subtropical, ou um Molon repaginado, dado o nível da liberdade poética. E lá vai o procurador virtuoso, montado em seu cavalo branco contra os políticos — para virar político. Um brasileiro.

Certamente, não o primeiro. Um dos mais famosos cavaleiros contra a imundície da política foi Fernando Collor de Mello, o Caçador de Marajás. O Brasil explodiu de esperança na cruzada do seu Partido da Reconstrução Nacional contra Sarney, o Temer da época. Menos de 30 anos antes, o cavalo branco da depuração política havia sido montado pelos militares — também num basta àquele mundo nojento dos corruptos. Collor e os militares ensinaram muito ao Brasil sobre o nojo.

Fora os Protógenes e demais justiceiros de gibi, outro grande mosqueteiro contra a sujeira da política foi Getúlio Vargas. Ali o cavalo nem era metáfora. A revolução purificadora veio a galope do Sul — e após a faxina, como é comum acontecer, tomou gosto e foi ficando. A carne já era fraca.

À exceção de lunáticos como Sergio Moro, portanto, o normal do homem público é privatizar o seu sucesso. Um Joaquim Barbosa, por exemplo: faz história condenando poderosos e vai continuar levando vida de juiz, afundado em processos empoeirados? Nada disso. Vida de celebridade é outra coisa: é preciso pairar, qual um ser imaginário, que se materializa em momentos cruciais — como para tentar salvar do impeachment a despachante da quadrilha que você condenou.

A fama é sua, você faz o que quiser com ela — inclusive dar pinta em convescote da MPB. Todo brasileiro que sai do anonimato tem o sagrado direito de ser um ex-BBB de si mesmo.

Deltan brilhou na maior investigação da República e teria, pode-se dizer, duas referências de homem público a seguir: Sergio Moro e Rodrigo Janot. O primeiro é esse ser estranho já descrito acima. O segundo é um ser esperto. Passou anos amortecendo Lula e Dilma, os regentes do petrolão, em triangulações com o STF e o companheiro Cardozo para fazer a enxurrada de denúncias morrer nas praias certas. Depois emergiu como príncipe da Lava-Jato, bajulado pela imprensa e por artistas despistados, para fazer o quê? Adivinhou, danadinho: montar no cavalo branco da faxina contra os políticos imundos.

Fazendo sua caminha política com ataques à própria (especialidade da casa), Janot não é propriamente um ex-BBB de si mesmo, pois o que privatizou foi o sucesso alheio — no caso, de gente como Moro e Deltan. Já Deltan não achou graça na contrição de Moro e resolveu ser Janot na vida.

É um modelo e tanto — sobretudo de coragem. Não pense que é fácil celebrar um acordo fajuto com um caubói biônico para tentar derrubar um presidente no susto. Uma manobra dessas requer, no mínimo, um altíssimo grau de desinibição — além de um juiz próprio, para homologar o que você mandar. Ainda mais se o tal caubói tiver sido enriquecido pelo ex-presidente quadrilheiro que você protegeu. Mas o plano era bom, porque o presidente que você escolheu derrubar é detestado pela opinião pública. Em qualquer hipótese, portanto, você poderá correr para o abraço da galera (a não ser que alguém te ponha em cana no caminho).

Deltan sentiu o perfume da carne assada e aderiu à molezinha do tiro ao mordomo. Saiu disparando até sobre o ajuste fiscal — matéria na qual o governo atual está (segundo os números, não os panfletos) corrigindo o rombo histórico do PT, que não comove o jovem caçador de políticos corruptos. Ou seja: o rapaz está pronto. Vai, Dartagnol, ser ex-BBB de si mesmo.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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