Mecânico, empresário e juíza são sonhos de três internos no estado.
As histórias têm a violência, o internato e a ressocialização como elo.
Após enfrentarem sérios problemas pessoais de forma precoce, muitos
jovens perdem a referência e a perspectiva de crescimento, entrando cada
vez mais cedo na vida do crime. Diante da oportunidade de
ressocialização, muitos deles traçam metas e participam de projetos a
fim de construir uma nova história. É o caso de três jovens que cumprem
atualmente medidas socioeducativas em unidades do Instituto de
Atendimento Sócio Educativo do Espírito Santo (Iases). João, Antônio e
Ana são nomes fictícios dados para personages com dramas e conquistas
reais.
João, Antônio e Ana são nomes ficticios dados para personages com dramas e conquistas reais. (Foto: Mariana Perim/ G1ES)
Aos 19 anos e detido desde os 17, João acumula a perda da mãe e da irmã
para o tráfico de drogas. "Minha mãe era gerente do tráfico e minha
irmã era casada com o dono de todo o esquema. Apesar disso, minha mãe
falava que não queria que eu seguisse nessa vida. Ela se separou quando
eu tinha 5 anos, porque apanhava dele. Ela chegou a se prostituir para
sustentar a casa", disse.
A mãe de João foi morta na frente dele por causa do tráfico. "Essa é uma cena que nunca vou esquecer. Depois disso, vim para a Grande Vitória para morar com meu pai, mas acabei saindo de casa depois para morar com um amigo no Bairro da Penha e me envolvi com o tráfico. Resolvi voltar a Jaguaré (Norte do estado) para vingar a morte dela. Foi tudo muito rápido. Aos 17 anos, perdi minha mãe, me deixei levar pelo ódio, entrei no crime e fui apreendido. Quando já estava aqui dentro, minha irmã foi morta. Depois que 'caí', vi que Deus tinha algum propósito na minha vida", relata.
Cumprindo medida no Centro Socioeducativo de Atendimento ao Adolescente em Conflito com a Lei (CSE), em Cariacica, o rapaz fala sobre a chance que recebeu. "Meu pai viaja muito a trabalho e não tem muito tempo para me acompanhar aqui dentro, mas meu irmão mais velho, filho somente dele, me dá assistência, visita, pergunta, participa. Eu acho que isso faz muita falta na criação de uma pessoa: o diálogo, a participação. Aqui dentro aprendi a falar, a ter limites. Encarei como uma oportunidade que a vida estava me dando, já que vi colegas serem mortos durante troca de tiros. Aqui dentro me qualifiquei, ocupei minha mente. Até compus músicas, faço poemas", disse.
Em fase conclusiva da medida, João faz planos para o futuro. "Minha primeira meta é trabalhar com mecânica e também tenho o sonho de ter uma família, um filho. Assim que sair daqui, quero fazer uma faculdade e, de repente, até trabalhar na Secretaria de Justiça (Sejus), para ajudar outros jovens que passaram pela mesma situação que eu. Quero mostrar outro caminho para essas pessoas, já que não consegui fazer isso com a minha mãe. Eu também gostei muito da cultura de Domingos Martins, e tenho vontade de ter uma casa lá. Vou batalhar para isso. O que aprendi aqui, vou levar para o resto da minha vida", finalizou.
Empreendedorismo
Aos 17 anos, Antônio também viu a mãe ser morta, mas pelo próprio pai. Ele foi apreendido há um ano e meio, pelo ato infracional referente a latrocínio. Atualmente, está em fase conclusiva na Unidade de Internação Metropolitana (Unimetro), em Vila Velha, e desenvolveu o projeto de uma granja, para custear materiais para os internos.
O jovem conta que os pais chefiavam o tráfico em uma cidade do Sul do
estado. "Meus pais eram envolvidos com o crime. Eu via de perto aquela
vida, eles me davam de tudo. Apesar disso, minha mãe dizia que eu tinha
que 'ser doutor'. Ela era técnica em contabilidade e falava que eu podia
estudar. Até que meu pai matou ela na minha frente e eu cresci com essa
revolta. Vi muita cena de horror na minha vida. Peguei o crime como uma
cultura, uma alternativa", lembra.
Antônio contou que chegou a se envolver com uma grande quadrilha especializada em roubo a cargas. "Cheguei a me envolver até com o crime organizado, com gente que rouba carga, mas vi que o crime é uma ilusão. Em alguns casos, você até fica rico, mas de forma desonesta, então morre ou fica preso por muito tempo. É tudo passageiro. Eu tinha envolvimento com o tráfico, mas depois preferi só fazer uso de drogas e roubar carros para ter dinheiro. Acabei 'caindo' por latrocínio e agarrei a oportunidade que me deram aqui dentro. Lutei por um ano contra as drogas. Se você tiver decisão, montar seu projeto, perseverar, consegue. Aqui é um ambiente pesado, mas dá para mudar a sua vida", disse.
O jovem sofre de esquizofrenia e conta que pediu ajuda ao juiz. "No início é muito, muito difícil. Quando soube que cumpriria medida socioeducativa aqui dentro, pensei 'vou cair no inferno e piorar'. Lembro que pedi para o juiz me ajudar a mudar de vida enquanto era tempo, falei que ele sabia dos meus problemas de saúde e podia me mandar para algum lugar que eu pudesse melhorar mesmo. Ele olhou nos meus olhos e falou que tinha esperança em mim, achava que eu podia mudar", relatou.
Granja está em fase de construção na Unidade de
Internação. (Foto: Mariana Perim/G1 ES)
Após ter acesso a livros de empreendedorismo na biblioteca da unidade, o
jovem desenvolveu o projeto de uma granja com o objetivo de vender os
ovos. "Estava completando 1 ano e 2 meses aqui, um pouco deprimido,
achando que não ia sair nunca. Comecei a ler uns livros e, como já tinha
feito um curso de empreendedorismo aqui dentro, consegui entender
melhor as coisas. Sempre via um que me chamava muito a atenção. Li o
prefácio e vi que o autor já tinha sido microempresário e virou um
grande empreendedor. Quando entrei na fase conclusiva da medida, criei
um objetivo. Tive a ideia de fazer a granja para bancar materiais para a
gente aqui dentro, alguns itens de lazer que às vezes demoram a chegar
para nós. Consegui doações de galinhas com um agente e alguns colegas
estão construindo a granja", explicou.
Antônio diz que, hoje, se sente seguro para aconselhar outros colegas.
"Eu dou conselhos para os colegas aqui dentro, falo para mudarem de vida
e alguns até riem da minha cara. É difícil. Meu irmão está aqui dentro
também, tem 17 anos. Falo com a minha avó, quem nos criou, para
conversar com ele. Ele está na fase inicial, por roubo e tráfico, então é
realmente mais complicado. Eu já estou para sair em breve, devo ir
morar com meu tio em Brasília durante um tempo e fazer uma faculdade de
engenharia, porque sou bom em matemática. A gente tem que confiar na
nossa mudança. As pessoas podem te dar a oportunidade, mas você tem que
acreditar em si mesmo", conclui.
Sonho
Ana tinha apenas 14 anos quando foi apreendida por ter sido cúmplice de um homicídio no município de Pinheiros, Norte do Espírito Santo. Hoje, aos 16, conta como superou os problemas e encarou a vida de outra forma dentro da Unidade Feminina de Internação (UFI), em Cariacica. "Meus pais se separaram quando eu tinha nove anos. Aos 11, esqueci os estudos, deixei para lá. No ano seguinte, comecei a fumar maconha e me entreguei. Eu morava com o meu pai, que brigava muito comigo por causa dos estudos. Nossas brigas eram por isso. Ele nunca me deixou faltar nada, mas eu me deixei levar por influências. Não culpo meus pais pela separação, mas foi um choque muito grande. Logo depois, minha mãe estava com um cara que batia nela e eu não aceitava aquilo", relatou.
"Eu lembro que ficava bastante ansiosa para fazer 15 anos e acabei
fazendo aniversário aqui dentro. Sempre pensava também que ia passar o
Natal fora de casa, mas passei a pensar que a família da pessoa que
morreu nunca mais teria a presença dela de volta. Não me sinto
injustiçada, porque apesar de não ter atirado, não impedi que o crime
fosse cometido", conta.
Para Ana, a fase de adaptação é a mais difícil. "A dificuldade maior é quando a gente chega aqui, principalmente por causa do ritmo de vida que a gente tem lá fora. Eu não tinha limite algum, não aceitava ouvir um 'não'. Mas desde o início, quando caí na real que já estava aqui dentro, tive um próposito. Falei que ia mudar de vida e segui firme, quis mudar de verdade. Eu cheguei aqui na terceira série, agora já estou na sexta. Fiz cursos de cabeleireira, manicure, depilação e também oficinas de boxe e hipismo", disse.
Sobre o futuro, a jovem é enfática e faz planos audaciosos. "Quero sair daqui e terminar os estudos, trabalhar, ajudar meus pais. Tenho o sonho de ser juíza, para lutar para que a lei seja cumprida. Penso em voltar para o interior e ficar lá só por um tempo, porque acho que em Vitória vou ter mais oportunidade. Depois quero formar uma família. Meu sonho é ter uma filha. Muita gente não acredita que me recuperei. Olhavam para mim e só davam a morte. Graças a Deus, amadureci muito e hoje até ajudo algumas meninas que chegam aqui. Quero sair e ajudar pessoas lá fora, também. Mostrar para elas que aquele caminho que eu seguia não vale a pena".
João, Antônio e Ana são nomes ficticios dados para personages com dramas e conquistas reais. (Foto: Mariana Perim/ G1ES)A mãe de João foi morta na frente dele por causa do tráfico. "Essa é uma cena que nunca vou esquecer. Depois disso, vim para a Grande Vitória para morar com meu pai, mas acabei saindo de casa depois para morar com um amigo no Bairro da Penha e me envolvi com o tráfico. Resolvi voltar a Jaguaré (Norte do estado) para vingar a morte dela. Foi tudo muito rápido. Aos 17 anos, perdi minha mãe, me deixei levar pelo ódio, entrei no crime e fui apreendido. Quando já estava aqui dentro, minha irmã foi morta. Depois que 'caí', vi que Deus tinha algum propósito na minha vida", relata.
Cumprindo medida no Centro Socioeducativo de Atendimento ao Adolescente em Conflito com a Lei (CSE), em Cariacica, o rapaz fala sobre a chance que recebeu. "Meu pai viaja muito a trabalho e não tem muito tempo para me acompanhar aqui dentro, mas meu irmão mais velho, filho somente dele, me dá assistência, visita, pergunta, participa. Eu acho que isso faz muita falta na criação de uma pessoa: o diálogo, a participação. Aqui dentro aprendi a falar, a ter limites. Encarei como uma oportunidade que a vida estava me dando, já que vi colegas serem mortos durante troca de tiros. Aqui dentro me qualifiquei, ocupei minha mente. Até compus músicas, faço poemas", disse.
Em fase conclusiva da medida, João faz planos para o futuro. "Minha primeira meta é trabalhar com mecânica e também tenho o sonho de ter uma família, um filho. Assim que sair daqui, quero fazer uma faculdade e, de repente, até trabalhar na Secretaria de Justiça (Sejus), para ajudar outros jovens que passaram pela mesma situação que eu. Quero mostrar outro caminho para essas pessoas, já que não consegui fazer isso com a minha mãe. Eu também gostei muito da cultura de Domingos Martins, e tenho vontade de ter uma casa lá. Vou batalhar para isso. O que aprendi aqui, vou levar para o resto da minha vida", finalizou.
Empreendedorismo
Aos 17 anos, Antônio também viu a mãe ser morta, mas pelo próprio pai. Ele foi apreendido há um ano e meio, pelo ato infracional referente a latrocínio. Atualmente, está em fase conclusiva na Unidade de Internação Metropolitana (Unimetro), em Vila Velha, e desenvolveu o projeto de uma granja, para custear materiais para os internos.
Peguei o crime como uma cultura, uma alternativa"
Jovem infrator,
17 anos
17 anos
Antônio contou que chegou a se envolver com uma grande quadrilha especializada em roubo a cargas. "Cheguei a me envolver até com o crime organizado, com gente que rouba carga, mas vi que o crime é uma ilusão. Em alguns casos, você até fica rico, mas de forma desonesta, então morre ou fica preso por muito tempo. É tudo passageiro. Eu tinha envolvimento com o tráfico, mas depois preferi só fazer uso de drogas e roubar carros para ter dinheiro. Acabei 'caindo' por latrocínio e agarrei a oportunidade que me deram aqui dentro. Lutei por um ano contra as drogas. Se você tiver decisão, montar seu projeto, perseverar, consegue. Aqui é um ambiente pesado, mas dá para mudar a sua vida", disse.
O jovem sofre de esquizofrenia e conta que pediu ajuda ao juiz. "No início é muito, muito difícil. Quando soube que cumpriria medida socioeducativa aqui dentro, pensei 'vou cair no inferno e piorar'. Lembro que pedi para o juiz me ajudar a mudar de vida enquanto era tempo, falei que ele sabia dos meus problemas de saúde e podia me mandar para algum lugar que eu pudesse melhorar mesmo. Ele olhou nos meus olhos e falou que tinha esperança em mim, achava que eu podia mudar", relatou.
Granja está em fase de construção na Unidade deInternação. (Foto: Mariana Perim/G1 ES)
Sonho
Ana tinha apenas 14 anos quando foi apreendida por ter sido cúmplice de um homicídio no município de Pinheiros, Norte do Espírito Santo. Hoje, aos 16, conta como superou os problemas e encarou a vida de outra forma dentro da Unidade Feminina de Internação (UFI), em Cariacica. "Meus pais se separaram quando eu tinha nove anos. Aos 11, esqueci os estudos, deixei para lá. No ano seguinte, comecei a fumar maconha e me entreguei. Eu morava com o meu pai, que brigava muito comigo por causa dos estudos. Nossas brigas eram por isso. Ele nunca me deixou faltar nada, mas eu me deixei levar por influências. Não culpo meus pais pela separação, mas foi um choque muito grande. Logo depois, minha mãe estava com um cara que batia nela e eu não aceitava aquilo", relatou.
Hoje tenho o sonho de ser juíza'
Jovem infratora,
16 anos
16 anos
Para Ana, a fase de adaptação é a mais difícil. "A dificuldade maior é quando a gente chega aqui, principalmente por causa do ritmo de vida que a gente tem lá fora. Eu não tinha limite algum, não aceitava ouvir um 'não'. Mas desde o início, quando caí na real que já estava aqui dentro, tive um próposito. Falei que ia mudar de vida e segui firme, quis mudar de verdade. Eu cheguei aqui na terceira série, agora já estou na sexta. Fiz cursos de cabeleireira, manicure, depilação e também oficinas de boxe e hipismo", disse.
Sobre o futuro, a jovem é enfática e faz planos audaciosos. "Quero sair daqui e terminar os estudos, trabalhar, ajudar meus pais. Tenho o sonho de ser juíza, para lutar para que a lei seja cumprida. Penso em voltar para o interior e ficar lá só por um tempo, porque acho que em Vitória vou ter mais oportunidade. Depois quero formar uma família. Meu sonho é ter uma filha. Muita gente não acredita que me recuperei. Olhavam para mim e só davam a morte. Graças a Deus, amadureci muito e hoje até ajudo algumas meninas que chegam aqui. Quero sair e ajudar pessoas lá fora, também. Mostrar para elas que aquele caminho que eu seguia não vale a pena".
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