Padre Antônio Vieira: “hasta los cielos mienten”
Em seu célebre sermão da “5a Dominga da Quaresma”, pregado no Maranhão em l654, o P. Antônio Vieira relata que: Dom Fradique de Toledo, quando veio restaurar a Bahia no ano de l625, tendo toda a armada em campo, admirado da inconstância do clima, teria exclamado: en el Brasil hasta los cielos mienten.
Segundo Vieira, a inconstância do tempo ainda é muito maior no Maranhão, onde o sol mente todos os dias. Pois, “amanhece o sol muito claro, prometendo um formoso dia, e dentro em uma hora se tolda o céu de nuvens, e começa a chover como no mais entranhado inverno”.
E Vieira prossegue mostrando que nesta terra, onde o sol mente tanto, os homens, influenciados por ele, acabam também mentindo. De tal sorte que no Maranhão não há verdade. Isto se entende porque o Maranhão até a primeira letra tem em comum com Mentira. As duas palavras começam com “M”.
Bem. Nada mais atual do que falar de mentira. As CPI’s nos confrontam diariamente com homens mentirosos. Mentem deputados, mentem juízes, mentem advogados, mentem delegados, mentem empresários, mentem as propagandas, mentem pregadores. O charlatanismo e a agiotagem estão por toda parte. Mas o que é a mentira?
Numa definição simples, mentira é a arte de enganar. Aristóteles e Tomás de Aquino nos ensinam que mentir é ou dizer demais, ou de menos sobre um fato ou um objeto. Neste sentido, até a Bíblia mente, pois sempre diz de menos sobre Deus.
Outros dizem que a mentira é uma quimera, uma meia verdade. A quimera seria, por exemplo, uma esfinge, um minotauro, uma sereia… Seres que não existem na natureza, que são metade homem, metade animal. O homem é verdadeiro, o animal também, mas as suas metades unidas são mentira.
Mentira sempre é incoerência, em que o que está na minha mente, na minha convicção, não corresponde aos objetos, ou às palavras que expresso. Mentira, portanto, é uma falsidade. Nos evangelhos, Jesus é intolerante para com esta falsidade, quando chama os fariseus de hipócritas e sepulcros caiados. Por fora bonitinhos, por dentro podres. Nunca se pode deixar de dizer a verdade a quem tem o direito de sabê-la, ou deve sabê-la. Nem mesmo é permitido mentir para salvar almas, como diz Vieira.
Atribui-se ao rei David, nos salmos bíblicos, a afirmação exagerada de que todos os homens são mentirosos. De fato o são, quando falam de Deus, pois as nossas palavras sobre Deus só conseguem dizer de menos. Mas, em relação ao nosso mundo, a própria Bíblia reconhece que existem muitos homens verazes.
É convicção unânime da sabedoria humana que o homem é capaz de superar a mentira. Nisto se fundamenta toda a credibilidade no meio dos homens. E não ser mentiroso é muito fácil. Basta ser honrado. A valorização do homem honrado, honesto, digno, coerente e veraz é uma questão de cultura, de civilização. Se, no entanto, constatamos tanta mentira em nosso meio, isto significa que há carência de educação para a verdade. E, consequentemente, falta liberdade, pois somente a verdade liberta.
Por falar em educação, nos vêm à mente os núcleos privilegiados da educação, que são as escolas e as universidades: templos do saber, da coerência, da busca da verdade. Em sua essência, lugares sem mentira.
Constatamos, no entanto, com Vieira, que “en el Brasil hasta los cielos mienten”. Nem os nossos centros acadêmicos estão imunes à incoerência e à mentira. Especialmente em tempos de rodízio de poder. Campanhas políticas em Universidades são tão mentirosos quanto no mundo político puro.
Propaga-se que no Brasil todas as crianças estão nas escolas. Mentira! Nos sertões, na Amazônia e nas periferias faveladas de nosso país, quantas crianças sem escola! Propaga-se que o Brasil melhorou muito em educação. No entanto, pesquisas internacionais descobrem que o sistema educacional brasileiro é o segundo pior do mundo. Economicamente, o Brasil é uma grande “bolha”. Nada está pago, tudo é financiado. O progresso social e econômico do Brasil é uma grande mentira.
Quanto à mentira, ainda somos o que Vieira nos relata: “en el Brasil hasta los cielos mienten!”
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