Estão criadas as condições para efetiva normalização das relações entre civis e militares, com o compromisso de ambas as partes de respeito mútuo e preservação da ordem democrática. Rubens Barbosa para o Estadão:
A
passagem do 7 de setembro, celebrando a Independência do Brasil, num
momento delicado da relação entre civis e militares, por tudo o que está
sendo divulgado, aconselha algumas reflexões voltadas para o futuro.
Desde
a Proclamação da República até 1985, a interferência e a participação
dos militares na política foram um fator de instabilidade interna e de
restrição à democracia no País. Nos últimos quatro anos, apesar das
sucessivas tentativas de envolver as Forças Armadas politicamente, essa
instituição manteve-se isenta e alheia a qualquer tentativa de pôr em
risco os princípios democráticos e as eleições presidenciais. Os
acontecimentos de 8 de janeiro geraram desconfiança da parte do novo
governo, explicitada pelo presidente eleito, quanto à lealdade de
membros individuais da corporação. Essa situação está sendo superada
pela construção de confiança mútua e por sucessivos pronunciamentos de
altas autoridade militares sobre a vocação profissional das Forças
Armadas e o seu afastamento de ações políticas que possam interferir no
processo democrático.
Estão,
assim, criadas as condições para uma efetiva normalização das relações
entre civis e militares, com o compromisso de ambas as partes de
respeito mútuo e preservação da ordem democrática, com o apoio civil
para a crescente profissionalização dos militares e o fortalecimento das
Forças Armadas como instituição, segundo os preceitos constitucionais.
Será virada a página das intervenções militares na vida pública
nacional.
A
normalização das relações entre civis e militares deve estar baseada em
princípios que serão respeitados por todas as partes diretamente
interessadas. A efetiva normalização das relações entre civis e
militares deve ser parte do fortalecimento institucional e da democracia
no Brasil.
Confiança
mútua ajuda a superar as fricções que existem ou possam surgir no
processo. Os grupos civis e militares constroem sua confiança na
interação diária e a reforçam e utilizam durante tempos de crise.
O
projeto democrático não fica ameaçado pela existência de posições
firmes dos militares na medida em que os líderes civis e militares – e
os membros das corporações liderados por eles – aceitem e implementem
uma efetiva normalização das relações entre civis e militares.
Há
limites significativos no papel público dos militares na política
partidária, como definido nos regulamentos do Ministério da Defesa e na
legislação aprovada pelo Congresso. As lideranças militares e civis
devem seguir as normas em vigor para manter os militares separados da
atividade político-partidária.
Segundo
a Constituição brasileira, as Forças Armadas devem estar subordinadas
ao poder civil do presidente da República. O poder civil, desta forma,
deve operar no contexto do marco constitucional, sob o império da lei.
Oficiais militares juraram apoiar e defender a Constituição, e não
oferecer lealdade a uma pessoa ou a uma posição política ou partidária.
Todos os civis estão também obrigados a apoiar e defender a Constituição
como seu dever mais importante.
Legislações,
políticas e ordens são revistas regularmente por múltiplos ministérios
para assegurar sua legalidade, efetividade e correção, que civis e
militares devem cumprir.
O poder civil deve ser afirmado nos três braços do governo: Executivo, Legislativo e Judiciário.
No
Executivo, por meio de ordens operacionais, seguindo a cadeia de
comando, desde o presidente até o ministro civil da Defesa. O controle
civil é também exercido pelo Executivo pelo desenvolvimento de políticas
– inclusive no tocante às implicações externas, sob a coordenação do
Ministério das Relações Exteriores – e sua implementação pelos
diferentes órgãos do governo, para dar forma aos planos e opções, com o
conselho e a participação dos militares, quando chamados a opinar.
No
Legislativo, por meio de poderes enunciados pela Constituição, a
começar pelo poder de declarar guerra e buscar apoio das Forças Armadas.
O Congresso determina e autoriza recursos públicos para possibilitar a
atividade militar. O Congresso tem de examinar e aprovar a Política
Nacional de Defesa e a Estratégia Nacional de Defesa. Os membros do
Congresso, por meio das Comissões de Relações Exteriores e de Defesa,
acompanham e podem sugerir medidas e políticas ao Executivo, e dessa
forma ter um papel importante na supervisão civil de políticas na área
de Defesa.
No
Judiciário, em certos casos ou em controvérsias, pela revisão de
políticas, ordens executivas e ações envolvendo os militares. Na
prática, o poder de declarar ilegais ou inconstitucionais políticas,
ordens e ações é decisivo, porque os militares são obrigados (por lei ou
pela ética profissional) a recusar-se a cumprir uma política, ordem ou
ação ilegal ou inconstitucional. O Supremo Tribunal Federal se
pronunciou contrário à interpretação de que o artigo 142 da Constituição
atribui um poder moderador às Forças Armadas.
As
relações civis-militares compreendem um processo dinâmico e interativo,
ajustado ao estilo da liderança civil. Segundo as melhores práticas, as
relações entre civis e militares devem seguir a Constituição para a
intransigente defesa da legalidade, da pacificação e da democracia.
É
chegada a hora de, com serenidade, virar a página da história dos
últimos 134 anos no tocante à participação dos militares na vida
política nacional.
Postado há 3 weeks ago por Orlando Tambosi
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