A quarta lição da democracia é que cada vez mais os cidadãos, que em geral vivem vidas difíceis, são sensíveis a temas como corrupção, mau uso de dinheiros públicos, peculato e nepotismo. Paulo Trigo Pereira para o Observador:
Não
vou citar a estafada frase de Churchill sobre a democracia. Digo apenas
que a democracia é, de momento, o melhor regime para se viver, e temos
basicamente de saber viver com ela e, se conseguirmos, melhorar o seu
funcionamento.
Em
Outubro de 2015 iniciou-se a XIII legislatura. Passo Coelho, o vencedor
das eleições é convidado para formar governo, mas a aprovação de uma
moção de rejeição ao programa de governo fez cair o governo e iniciar o
que viria a ser conhecido como o “governo da geringonça”. Os primeiros
seis meses de atividade parlamentar eram frequentemente pontilhados por
intervenções de deputados do PSD e CDS acerca da ilegitimidade do então
novo governo de António Costa. Demorou algum tempo, mas penso que hoje
já toda a gente percebe a primeira lição da democracia: não governa quem
ganha as eleições, mas em regime parlamentar, quem tem uma maioria
parlamentar para governar. Caso ninguém tenha essa maioria, pode
acontecer que haja governos minoritários, mas a sua instabilidade já se
percebeu que é pouco recomendável.
Na
Madeira, Albuquerque percebeu isso, mas foi precipitado. Não tinha
necessidade de dizer que poderia apresentar uma solução política em dois
dias. A sua melhor solução seria ter feito dois acordos um com o PAN e
outro com a Iniciativa Liberal. Levaria mais tempo, mas não ficaria
dependente do PAN que, do (pouco) que sabemos do acordo, nem se
compromete a viabilizar os orçamentos regionais que analisará caso a
caso. Ou seja, apesar de dizer que o acordo é “à prova de bala” não tem
garantida a estabilidade do seu executivo e já alienou a Iniciativa
Liberal. Do ponto de vista democrático, quanto maiores as opções de
coligações para a formação de um governo melhor e este inusitado e
inesperado acordo de incidência parlamentar entre partidos que não estão
muito próximos ideologicamente é a este título positivo (excluo deste
princípio genérico o Chega).
A
segunda lição básica da democracia é que se um partido quer ter o apoio
de outro tem de dar algo em troca. Na política também não há almoços
grátis. Será que aquilo que é dado em troca é uma “traição”? Antes do
mais é um compromisso, ou uma cedência mútua se assim se quiser. Ao
alargar um acordo de governação ou uma coligação, é preciso ceder em
algo, que obviamente não está originariamente no programa eleitoral do
partido encarregue de encontrar uma solução governativa. Só seria uma
traição se essa cedência violasse claramente os princípios programáticos
eleitorais dos partidos. Não me parece ser o caso nem das
reivindicações do PAN em relação ao PSD na Madeira nem dos
independentistas bascos e catalães em relação ao PSOE. Feijóo fez
demagogia ao dizer que poderia ter cedido aos independentistas, pois se o
fizesse alienava o Vox. Ou seja, o PP não tinha mesmo maneira de
alcançar uma maioria absoluta. Obviamente que aquilo que resultará dos
acordos entre PAN e PSD ou entre PSOE e SOMAR com os nacionalistas de
esquerda bascos e catalães é diferente do que resultaria só das maiorias
absolutas, que não existem, da coligação PSD+CDS ou do acordo PSOE e
SOMAR.
A
terceira lição é que os líderes partidários são cada vez mais
importantes nas votações e nas decisões políticas. A decisão de
Albuquerque de fazer acordo com o PAN foi tomada por ele próprio em não
muitas horas. Terá comunicado quando muito a Montenegro, mas nem ao CDS,
seu parceiro, a comunicou. E a justificação pública que deu ao país
“porquê o PAN e não a IL?” foi apenas: porque quis. Foi honesto, pois a
decisão foi sua, mas ao menos podia ter-se dado ao trabalho de dar uma
roupagem mais encorpada a essa decisão do tipo: acreditamos que a
deputada Mónica Freitas será mais dialogante com o PSD e CDS que o
deputado da IL. Os resultados maus do PS Madeira, são também o reflexo
de o PS ter mudado de líder com a saída de Paulo Cafofo. Esta ideia que é
a marca PS (ou de outro qualquer partido) que faz ganhar eleições é uma
quimera. O desempenho dos partidos em geral influencia o voto, mas quem
apresenta a cara nas eleições, com o seu maior ou menor carisma e
percurso de vida, é também muito importante. Uma lição que PS e PSD e
os restantes partidos deviam fixar para as próximas eleições.
Há temas que são, e bem, escaldantes para a opinião pública. Aquilo que soubemos esta semana sobre a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa
necessita ser bem investigado. Fico satisfeito de saber que é uma
pessoa como Ana Jorge que está à frente da instituição. A quarta lição
da democracia, é que cada vez mais os cidadãos, que em geral vivem vidas
difíceis, são sensíveis a temas como corrupção, mau uso de dinheiros
públicos, peculato e nepotismo. Os partidos que não conseguirem combater
estes fenómenos, ou que com eles forem coniventes, perderão apoio
popular em geral para partidos extremistas e populistas.
Postado há 4 weeks ago por Orlando Tambosi
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