Putin sabe operar com destreza e tirar proveito das fissuras existentes nos terrenos em que opera. Na América Latina a combinação do sentimento antiamericano (que é endêmico) com a estupidez da política externa americana (que é abundante) produzem o resultado ideal para Moscou. Leonardo Coutinho para a Gazeta do Povo:
O
chavista Yván Gil Pinto, que é ministro das Relações Exteriores do
regime de Nicolás Maduro, subiu no pódio da plenária da Assembleia Geral
da Organização das Nações Unidas e desfiou o clássico rosário
bolivariano. Queixou-se do embargo a Cuba, disse que a Venezuela é
vítima de uma guerra econômica, pediu a refundação da ONU com um
conselho de segurança plural, repetindo a cantilena do presidente Lula.
A declaração mais
relevante, entretanto, foi: “Condenamos a intenção do governo americano
de militarizar Essequibo. O Comando Sul está tentando criar uma base
militar no território disputado, com o objetivo de criar uma ponta de
lança de sua agressão contra a Venezuela e confiscar nossos recursos
energéticos”.
Gil
emendou dizendo que os Estados Unidos levarão a região a um conflito
armado pelo controle de recursos naturais e o centro da disputa é uma
faixa de terra de 159.500 quilômetros quadrados (um pouco maior que a área do Estado do Ceará) que representa nada menos que 74% do território da Guiana.
A
demanda por Essequibo é uma das poucas coisas na Venezuela que unem
chavistas e opositores. Os venezuelanos consideram o território como
seu; e, neste momento em que a Guiana inicia a extração de petróleo em
larga escala, os venezuelanos se sentem duplamente roubados pelos
vizinhos.
Habilmente,
o regime de Maduro meteu uma “base militar dos Estados Unidos” na
história para inflamar ainda mais a questão. Afinal, a memória do
intervencionismo americano na América Latina é um nutriente poderoso
para fazer fertilizar toda ordem de ideias conspiratórias.
Se
fosse um evento isolado, a alegação chavista passaria em branco. Mas a
máquina de propaganda russa entrou em operação. As estatais russas RT e
Sputnik trataram de espalhar a história. Além de versões em espanhol e
inglês, a propaganda chegou ao Brasil pelo site em português que os russos usam para disseminar suas mensagens.
O
ex-deputado e ex-ministro da Defesa Aldo Rebelo foi para o X (antigo
Twitter) e escreveu: “É isso: EUA pretendem criar uma base militar para
garantir a exploração do petróleo da Guiana por suas empresas, mas diz
que a exploração do petróleo pelo Brasil na Amazônia ameaça o planeta.
Tem no governo brasileiro quem acha que os EUA têm razão”, comentando um
link da russa Sputnik postado por ele.
Em uma postagem seguinte, Rebelo
acrescentou: “E se os EUA instalam uma base na Guiana, quem vai impedir
a Venezuela de instalar uma base russa ou chinesa em seu território,
abrindo uma corrida armamentista terceirizada na América do Sul? E o
Brasil se achará cercado, em pouco tempo, por bases de potências
estrangeiras.”
Juntas,
as duas postagens não foram além de 60.000 visualizações na rede, mas
serviram para pautar sites petistas, angariar apoio entre parlamentares e
influencers bolsonaristas e atiçar um pessoal, cujo nacionalismo só não
é maior que o antiamericanismo imanente. Rebelo, aliás, é quem melhor
representa esse grupo e, por isso, o lidera.
Putin
e sua máquina de desinformação sabem operar com destreza e tirar
proveito das fissuras existentes nos terrenos em que opera. Na América
Latina a combinação do sentimento antiamericano (que é endêmico) com as
estupidezes da política externa americana (que são abundantes) produzem o
resultado ideal para Moscou fazer rodar macio as suas engrenagens de
desinformação angariando ou para si, ou para seus aliados apoio adesões
provenientes de um amplo espectro ideológico.
Algo que vem se tornando cada vez mais fácil graças ao comportamento
displicente e agenda colegial que tomaram conta dos americanos que
colocam à frente dos interesses do país e da estabilidade da região,
pautas partidárias.
Putin
armou os venezuelanos até os dentes. Vendeu caças Sukhoi, uma série de
helicópteros de combate, tanques, lança-foguetes, sistemas de defesa
antiaérea, milhares de fuzis de assalto e montou fábricas de munições.
Em três ocasiões – em 2008, 2013 e em 2018 – os russos pousaram na
Venezuela bombardeiros Tupolev 160 (Tu-160), que são conhecidos por
transportar armas nucleares. Nunca ficou muito claro se esses aviões
carregavam ou não mísseis com ogivas nucleares, mas fica a suspeita de
que sim. O seria a primeira presença deste tipo de armamento na América
Latina, desde a Crise dos Mísseis, em Cuba, em 1962.
Ao
invés de ser criticado por uma “corrida armamentista terceirizada na
América do Sul”, Putin foi sondado para ser provedor de armamentos para o
Brasil. A então presidente Dilma Rousseff comprou helicópteros russos
(que nunca serviram para nada e já viraram sucata) e tentou enfiar goela
abaixo dos militares caças idênticos aos dos venezuelanos e sistemas de
defesa antiaérea.
Os
russos têm a vantagem competitiva de serem vistos (e com razão) como os
rivais do malvadões dos americanos, que querem internacionalizar a
Amazônia por meio de suas ONGs, além de roubar o petróleo da Guiana, o
lítio do Brasil e da Bolívia, interferir em eleições no Brasil e
implantar a agenda woke.
O
negócio é tão maluco que há quem jure de pé juntos que o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva é um “vassalo” do americano Joe Biden (algo
que grassa nas redes sociais bolsonaristas), que está no BRICS atuando
como um infiltrado para melar o bloco. Alucinação que nem um
pré-overdose de LSD seria capaz de proporcionar.
Assim,
Putin usa a política interna para amplificar os fossos sociais e
avançar sua agenda. Isso vale para o Brasil, para os Estados Unidos,
Canadá, Argentina e os países europeus onde Moscou, que já mora no
coração e mentes da esquerda, tem conquistado a simpatia da direita que,
por meio da validação de suas crenças, abraça a propaganda cujo método é
essencialmente soviético, mas vem recoberto de inovações.
As
trapalhadas, erros graves, ideias tortas e delírios dos Estados Unidos e
do Ocidente em geral devem ser reconhecidos, criticados, combatidos e
retificados. Mas achar que “porque os americanos fizeram blá... blá...
blá...” é motivo para abraçar ou justificar a ação de ditador carniceiro
é algo que para muitos pode ser sinal de ingenuidade, para alguns de
alienação, para outros de oportunidade, para poucos de subordinação.
Postado há 4 weeks ago por Orlando Tambosi
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