Todos os senadores de São Paulo foram comprar cigarros e nunca mais voltaram. Bruna Frascolla para a Gazeta do Povo:
A
votação do marco temporal trouxe algumas surpresas. A primeira delas,
positiva, é que o Senado finalmente ousou peitar o STF. O Senado, ao
contrário da Câmara, não leva em conta a demografia dos estados, e cada
unidade federativa tem 3 representantes. Seria o caso, portanto, de
temer que os eleitores das Alagoas valessem tanto quanto os de São
Paulo; e que a quantidade de estados da região Nordeste (9, um terço das
unidades federativas) desse um peso colossal ao governismo.
Por
isso a maior surpresa, ao meu ver, foi o fato de que o Rio de Janeiro e
São Paulo não deram nenhum voto em favor do marco temporal. Ao
contrário: do total de seis senadores, 5 faltaram, e o único que
compareceu, Romário, do Rio, votou contra. Todos os senadores de São
Paulo foram comprar cigarros e nunca mais voltaram.
No
que concerne aos interesses objetivos dos estados, o caso de São Paulo é
bem mais grave que o do Rio porque o estado sede dos bandeirantes está
integrado à potência agrícola do Centro-Oeste; e é, ele próprio, um
estado com produção rural muito relevante. Se o marco temporal cair, o
prejuízo para o Rio será pequeno em comparação ao dos paulistas. No
entanto, se partirmos para considerações políticas, o Rio de Janeiro
choca mais por ser o domicílio eleitoral de Jair Bolsonaro, tendo entre
os seus senadores ninguém menos que Flávio Bolsonaro. Os bolsonaristas
poderão alegar que Romário só se elegeu porque o TSE barrou Daniel
Silveira, mas São Paulo também não os ajuda: o Astronauta Marcos Pontes
foi o candidato de Bolsonaro no estado, e tampouco ajudou.
Vamos
a um giro regional, então. Conforme às expectativas naturais, o
Centro-Oeste só teve um voto contra o marco temporal, que foi o de Leila
Barros do PDT, senadora pelo Distrito Federal – a única unidade
federativa não-agrícola da região. Goiás e Mato Grosso entregaram 100%
dos votos; no Mato Grosso do Sul, Nelsinho Trad (PSD) não compareceu.
Damares, candidata dos bolsonaristas no Distrito Federal, não frustrou
os seus eleitores.
O
Sul é outra região muito ligada ao agronegócio no Centro-Oeste, que foi
desbravado também por agricultores gaúchos e paranaenses. O Paraná
entregou todos os votos; Santa Catarina, dois (Ivete da Silveira, do
MBD, faltou, e o partido recomendara votar contra); o Rio Grande do Sul,
apenas um, sendo que o petista Paulo Paim ainda votou contra.
No
Norte, temos um cenário diverso: os dois maiores e mais antigos
estados, Pará e Amazonas, elegeram Lula no segundo turno, junto com o
Tocantins; já os estados menores, os ex-territórios (Acre, Roraima,
Rondônia e Amapá), votaram em Bolsonaro. Desde a Raposa Serra do Sol,
fruto de uma conjunção entre PT, STF e ONGs estrangeiras, Roraima é um
estado ferrenhamente antipetista. Outros estados do Norte também sofrem
muito com o ambientalismo que, ao menos da boca pra fora, é defendido
pelo PT e atacado pelo bolsonarismo. Ainda assim, nenhum estado do Norte
entregou todos os três votos para o marco. Entregaram dois votos o
Acre, Roraima, Tocantins, Amapá e Rondônia, isto é, todos os
ex-territórios, mais o ex-Goiás. Os três primeiros não tiveram nenhum
voto contra; os dois últimos tiveram o de Randolfe e um emedebista que
obedeceu à orientação partidária. No caso do Tocantins, que integra a
nova fronteira agrícola do “Matopiba”, é possível que o agronegócio
tenha conseguido fazer valer os seus interesses na política. Já nos
estados velhos, Pará e Amazonas, o marco temporal perdeu: votaram em seu
favor somente o amazonense Plínio Valério e Zequinha Marinho do Pará. O
resto era petista ou emedebista votando contra ou faltando.
E
na região par excellence das oligarquias antigas convertidas ao
petismo? Uma bagunça na qual o marco ganhou por um voto. Destaco como
opostas as Alagoas e a Bahia. A terra de Renan Calheiros foi uma das
quatro unidades federativas a entregar os três votos (ou seja: foram
Alagoas, Goiás, Mato Grosso e Paraná), e a única na qual dois senadores
do MDB desobedeceram frontalmente à orientação partidária (em Pernambuco
há um, e o Nordeste foi a única região onde emedebistas votaram pelo
marco e contra o MDB). Na ponta oposta, a Bahia deu dois votos contra e
nenhum a favor, tendo sido o pior estado da federação. Mas a Bahia é o
único estado do Nordeste que não deu nenhum voto pelo marco. No país
inteiro, só três estados fizeram isso: Bahia, Rio de Janeiro e São
Paulo. A Bahia, porém, foi o estado com a pior votação, porque não só
não deu nenhum a favor, como deu dois contra (o Rio deu um contra e São
Paulo nenhum).
Nos
demais estados nordestinos, a briga foi boa. O marco venceu na Paraíba
por dois a zero e no Rio Grande do Norte por dois a um. Em Pernambuco
empatou por um a um. Perdeu por dois a um no Ceará, Maranhão, Piauí e
Sergipe. Vale frisar que não podemos explicar os votos contrários por
orientação partidária, já que: (1) só dois partidos mandaram votar
contra o marco, o PT e o MDB; (2) no caso do MBD nordestino, a
orientação pouco valeu; e (3) no Nordeste há poucos senadores petistas.
Dentre os 27 senadores da região, só há quatro petistas, cada qual no
seguinte estado: Bahia, Ceará, Pernambuco e Sergipe (os demais senadores
petistas, que são três, estão no Pará, Espírito Santo e Rio Grande do
Sul).
É
possível atribuirmos à votação das Alagoas a razoabilidade de Renan
Calheiros de não querer dividir o poder sobre a terra com o STF e
ongueiros internacionais. Quanto à Bahia, a primeira coisa que me vem à
mente é que o Extremo-Oeste baiano, que integra o Matopiba, não consegue
fazer valer os seus interesses por meio da política. Além disso, é
digno de nota que os três senadores da Bahia são grandes proprietários
de terra no estado (Jaques Wagner era um sindicalista carioca em
Camaçari, mas adquiriu fazendas; Otto e Coronel, que não compareceu, são
de famílias proprietárias rurais e ex-aliados do ACM velho). A única
explicação plausível que eu encontro, sobretudo para os senadores de
tradição rural, é uma grande confiança no domínio de facto sobre os seus
territórios e homens, capaz de dispensar a segurança dada pelo Estado.
Domínio esse que os novatos do Extremo-Oeste baiano talvez não tenham, e
que precisem obter beijando mãos.
Faltam
agora os outros dois estados da região Sudeste. O placar da região deu 4
a 2, vitória do marco temporal. Quem fez companhia a Romário foi
Contarato, petista do Espírito Santo, e os quatro votos são dois de
Minas e dois do Espírito Santo. Como Rodrigo Pacheco relatava, não
votou. Todos os senadores de Minas que puderam votar em favor do marco,
votaram. Creio que o Espírito Santo, de todos os estados federativos,
seja o único em que as diferenças eleitoreiras tenham feito sentido:
dois bolsonaristas votaram a favor do marco (Magno Malta e Marcos do
Val) e o petista votou contra. Só. No resto não é possível delinear
diferenças nítidas entre bolsonaristas e petistas: há poucos petistas no
Senado, e os bolsonaristas (a começar pelo próprio primogênito do
ex-presidente) não manifestaram coesão na votação. Antipetistas avulsos,
tais como Plínio Valério (AM), Moro (PR), Girão (CE) e Soraya Thronicke
(GO) mostraram mais firmeza nessa votação do que os principais
senadores do bolsonarismo.
Em
todas as regiões, o marco temporal venceu. No Sudeste por 4 a 2; no
Nordeste, por 14 a 13; no Sul, 6 a 1; no Centro-Oeste, por 9 a 1; no
Norte, por 11 a 4. Assim, no somatório, as duas regiões de agronegócio
forte (Centro-Oeste e Sul) e a região mais atacada pelo ambientalismo
deram as maiores diferenças. O placar nacional foi de 43 a 21, uma
lavada.
Na
normalidade democrática, o marco temporal jamais deveria ir a votação; o
Senado (e menos ainda o STF) não deveria ter o poder de, virtualmente,
permitir o roubo da propriedade privada por invasores organizados.
Porque é disto que trata a derrubada do marco temporal: a permissão da
invasão por grupos políticos organizados, já que todos sabemos (e o
senador Plínio Valério tem batido muito nessa tecla na CPI das ONGs) que
há uma pressão pela inflação de índios no censo. Quem quiser virar
massa de manobra de ONG e de “movimentos sociais” como o MST pode ser
facilmente reconhecido como índio ou quilombola, e ter assim não só
licença, como estímulos para invadir. É um jeito de levar o país a uma
guerra civil e, por conseguinte, a um despovoamento.
O fim do marco temporal seria, na expressão de Lorenzo Carrasco (veja aqui mesmo,
nesta Gazeta), a “africanização do Brasil”. Esse projeto não vem da
China nem da Rússia, mas das elites ocidentais. Lembro que Tabata Amaral
defende expressamente
que Ruanda (Ruanda!) é um modelo exemplar no qual o Brasil deveria se
inspirar, inclusive pela baixa participação política da diminuta
população masculina sobrevivente do genocídio, e ela aprendeu isso em
Harvard. Lembro também que uma figura como Eduardo Moreira, ligada ao
MST e a Felipe Neto, não se tornou relevante por meio da China ou da
Rússia, mas pela Rainha da Inglaterra,
esposa do fundador da ONG malthusiana WWF, que não é russa nem chinesa.
Só as viúvas de Olavo de Carvalho ficam semeando a histeria anti-russa e
a subserviência aos EUA, a despeito de a análise da conjuntura
internacional feita por Olavo (registrada em debate com Dugin) ter se
revelado um fiasco com o passar dos anos.
Outra
coisa que se vê por aí é que o Brasil é muito mais complexo do que
pretendem os simplórios do separatismo. Os ex-territórios do Norte são
muito mais sólidos na defesa de uma pauta “bolsonarista” do que Rio e
São Paulo. Se o Nordeste fosse tão petista quanto se imagina, teria dado
os 27 votos para derrubar o marco, mas o Nordeste votou com o resto do
Brasil.
Disso tudo, uma coisa é certa: de Norte a Sul, os políticos do Brasil estão insatisfeitos com a política do Supremo.
Postado há 4 weeks ago por Orlando Tambosi
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