A luta do identitarismo é a contrária: obrigar as pessoas a serem julgadas pela cor de sua pele, gênero, orientação ou etnia, e não pelo conteúdo de seu caráter. Gustavo Castañon para a Gazeta do Povo:
É
comum ouvirmos de pessoas que se consideram de esquerda que o assim
chamado "identitarismo" seria uma abordagem "liberal" e "individualista"
da luta de minorias. Nada poderia ser mais equivocado. O identitarismo é
essencialmente uma rejeição a todos os princípios básicos do
liberalismo político, seja quando aparece como movimento de identidade
de maiorias, como no nazismo e nos atuais movimentos de identidade
europeia, seja quando aparece como movimento de identidade de minorias.
Sua
característica básica é a de se rebelar contra a ideia de direitos
iguais e universais baseados numa natureza humana, naquilo que teríamos
em comum, buscando direitos distintos para sua identidade baseados em
alguma diferença essencial ou construída. Ou seja, identitarismo é a
crença de que você faz parte de uma identidade essencialmente distinta
das outras identidades humanas e que, portanto, tem direitos exclusivos
que as outras não têm.
É
daí que distinguimos dois tipos de identitarismo: o essencialista,
geralmente baseado numa abordagem biológica que defende um fundamento
genético dessa diferença que sustentaria as diferenças de direitos
(movimentos raciais antimiscigenação, p.ex.), e o construtivista social,
relativista e que defende não haver nada universal ou comum à espécie
humana, já que tudo seria socialmente construído (como o movimento queer
ou o pós-colonialista).
Ambas
as versões de identitarismo são profundamente antiliberais e tentam
destruir o valor do indivíduo, suas capacidades e méritos, como
fundamento dos direitos. Assim transfere, méritos e direitos, para a
dimensão do grupo identitário. É por ser membro de alguma identidade que
você tem algum direito, não por seus méritos e capacidades individuais.
Como se não bastasse, o identitarismo pós-moderno, construtivista
social, ainda agrega a essa destruição do sujeito o irracionalismo
antimoderno.
O
casamento perfeito deste último com o neoliberalismo não vem de um
suposto "liberalismo", mas de seu efeito prático de fragmentar uma
sociedade em mil pedaços e destruir as identidades nacionais, sendo a
contraparte cultural ao processo de destruição do Estado. Ele é
financiado brutalmente por fundações como a Ford ou a Open Society e
bancos como o Itaú e recebe espaço maciço na grande mídia não por ser
liberal, menos ainda por ser de esquerda, mas por ajudar a transformar
um povo num aglomerado de mil identidades fragmentadas e inimigas.
Nessas
identidades, a única coisa que sobra de concreto é o ajuntamento de
meros consumidores pauperizados que choram pela morte do rei de Wakanda e
vibram com o empoderamento identitário na Inglaterra vitoriana das
séries da Netflix enquanto suas filhas estão condenadas a trabalharem
como escravas para um aplicativo que cumpre todos os pré-requisitos de
representatividade em suas campanhas de marketing e talvez até em seu
RH.
No
fim, chegamos ao ponto de termos movimentos de minorias que pregam um
mundo que é o exato oposto ao mundo sonhado por Gandhi ou Luther King.
Em seu mítico discurso de 63, King declarou para a eternidade: "Eu tenho
um sonho, de que minhas crianças um dia viverão em uma nação onde não
serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo do seu caráter".
A
luta do identitarismo é a contrária: obrigar as pessoas a serem
julgadas pela cor de sua pele, gênero, orientação ou etnia, e não pelo
conteúdo de seu caráter.
Gustavo
Castañon é professor de Filosofia e Psicologia na Universidade Federal
de Juiz de Fora. Costuma fazer reflexões diárias sobre política ou
filosofia no X e no Facebook.
Postado há 5 weeks ago por Orlando Tambosi
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