São impressionantes as reviravoltas de posicionamento da corte máxima do país e da própria postura dos ministros em relação aos casos envolvendo a Lava Jato. Diogo Schelp para a Gazeta do Povo:
O
ordenamento jurídico brasileiro é uma bagunça, demasiado poroso a
interpretações subjetivas da lei, às preferências pessoais ou até
interesses imediatos de juízas e juízes, o que dá margem a sentenças judiciais estapafúrdias,
contraditórias entre si e que passam ao largo dos fatos. Por vezes,
têm-se a impressão que o juízo quer reescrever os próprios fatos — ou,
em última instância, até reescrever a história.
Decisões
judiciais, contudo, não são capazes de reescrever a história. Elas têm,
evidentemente, efeitos concretos para as partes envolvidas ou para a
sociedade. Réus podem acabar sendo condenados injustamente ou, ao
contrário, terem suas sentenças anuladas por filigranas processuais.
Detalhes burocráticos podem jogar acusados ou vítimas em um enredo
kafkiano, barrando-os até mesmo do direito constitucional de recorrer,
ou, em muitos casos, resultar em escancarada e escandalosa impunidade
para infratores.
Historiadores
dedicam-se a analisar processos sociais e econômicos, personagens e
acontecimentos para compreender o passado. Decisões judiciais podem
compor o material de estudo para escrever a história, mas não são nem de
longe a única ou principal fonte. Para efeitos históricos, decisões
judiciais não são a última palavra sobre o que é fato ou mesmo sobre
qual é a interpretação correta de um fato. Mas elas podem ajudar a
entender as forças em jogo em torno de determinado fato histórico.
O
presidente Lula quer reescrever a história. Pretende, por exemplo,
fazer uma devolução simbólica do cargo presidencial a Dilma Rousseff,
com o argumento de que seu impeachment foi ilegítimo ou, nas suas
palavras, "um golpe". Também tentou usar a anulação, pelo STF, das
condenações que o levaram à prisão no âmbito da Operação Lava Jato para
se apresentar como inocente das acusações de corrupção e lavagem de
dinheiro.
Agora, recebeu mais uma ajudinha na sua tentativa de reescrever a história com a decisão de Dias Toffoli, ministro do STF, de anular provas do acordo de leniência da Odebrecht
que embasaram muitos dos processos da Lava Jato e que resultaram na
devolução de bilhões de reais desviados. A decisão de Toffoli em si
ignora fatos bem documentados e precedentes jurídicos consagrados (por
exemplo, ele argumentou que era necessário haver cooperação
internacional firmada com autoridades suíças para validar provas
materiais que, no entanto, haviam sido recuperadas no exterior e
entregues voluntariamente pela construtora aos investigadores
brasileiros). E, apesar de não fazer juízo de mérito dos atos envolvendo
a empreiteira, sua decisão está sendo usada por apoiadores de Lula para
vender a ideia de que tudo o que foi apurado pela Lava Jato não passou
de uma fantasia.
Impossível.
O próprio Lula, durante a campanha eleitoral do ano passado, foi
obrigado a admitir que os escândalos de corrupção na Petrobras durante
os governos do PT eram reais. "Você não pode dizer que não houve
corrupção se as pessoas confessaram", disse Lula em entrevista ao Jornal
Nacional, da TV Globo.
São
impressionante as reviravoltas de posicionamento da corte máxima do
país e da própria postura dos ministros em relação aos casos envolvendo a
Lava Jato. O ministro Dias Toffoli, por exemplo, trocou a rigidez do
passado (ele impediu que o então detento Lula fosse ao enterro do irmão,
em 2019) pelo atual empenho em desmantelar provas e, consequentemente,
condenações que renderam aos governos do PT a pecha de ter encampado o
maior escândalo comprovado da história do país.
Os
desdobramentos internacionais das investigações da Lava Jato mostram
que os fatos eram fatos não apenas para juízes e procuradores
brasileiros, mas também para os estrangeiros. Os complexos esquemas de
corrupção revelados pela Lava Jato por meio das delações e das provas
colhidas são estudados e teorizados nas universidades por cientistas
políticos, economistas e historiadores brasileiros e estrangeiros.
Nesse
e em tantos outros casos que tramitam na bagunçada Justiça brasileira,
fica evidente a inutilidade de tentar reescrever a história com decisões
judiciais.
Postado há 3 weeks ago por Orlando Tambosi
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