MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

sábado, 29 de abril de 2023

Quem é o Brasil no concerto das nações

 

BLOG  ORLANDO  TAMBOSI

O projeto de paz lulístico não foi adiante, e o país fica agora virando as páginas da partitura para quem toca os pratos. A crônica de Orlando Tosetto para a Crusoé:


Imagine o amigo que o príncipe regente de Andorra visse na Guerra do Paraguai uma oportunidade de aumentar a relevância do seu país no tabuleiro internacional e se metesse a formular e anunciar um “plano de paz” para o conflito, aproveitando-se da sua neutralidade. E que esse plano fosse muito simples: o Brasil ceder o Mato Grosso a Solano López. E que o príncipe andorrano fosse além e ainda pusesse no Brasil uma parte da culpa pela guerra, talvez por ostentar diante da grama rala paraguaia nosso mato tão grossão, tão cheio de veios.

Bem comparando, essa foi a ideia que o nosso jamais assaz louvado presidente apresentou ao mundo para resolver a pamonha lá na Ucrânia: que ela cedesse a Crimeia à Rússia. E deu seus motivos. O primeiro é que, convenhamos, uma Crimeia a mais, uma Crimeia a menos, que diferença faz? O segundo é que ela, Ucrânia, também não tem nada de inocente nessa história. Alguma coisa ela há de ter feito para ser assim invadida, bombardeada, massacrada; de algum modo ela atiçou a Rússia. Ostentou uma Crimeia, pavoneou uma Odessa, sabe-se lá. De graça é que não foi.

O projeto de paz lulístico não foi adiante: por qualquer motivo inexplicável, a Ucrânia, seus aliados e a Otan não aceitaram esse plano sem jaças. Pelo contrário: até insinuaram, maldosamente, que o Brasil não está neutro, que está dormindo demais no barulho (e que barulho) da Rússia, quem sabe em troca de uma miçanga de gás, de um espelhinho de fertilizante. Pegou mal com a Ucrânia, com a Otan, com todo o mundo, menos com a Rússia.

Depois disso, o senhor presidente foi à China e lá, cercado por crianças que lhe sorriam com flores nos braços — tal e qual sem dúvida aconteceria se ele resolvesse dar uma volta pela Praça XV ou pelo Largo da Concórdia —, ele disse que o Brasil apoia essa história de China una, porque a China é, sim, uma só (o que, na conversa da China, significa que Taiwan é menos que uma, é nenhuma). Pegou mal de novo, desta vez com Taiwan, com o Japão, com a Coreia do Sul, com os Estados Unidos, com os pacifistas e até com os veganos.

Por fim, o senhor presidente aceitou receber o chanceler russo, que veio ver também outros países relevantes da região, outros players pesados como Venezuela, Nicarágua e Cuba, todos governados por gente muito cara ao coração do novo governo velho. E aceitou receber o chanceler não meramente como amigo, mas sim como alguém de casa: como o jornalista Duda Teixeira bem notou nesta revista, o chanceler aportou na terra brasilis em trajes de casual friday. Chegou guapo, de tênis e agasalho, e murmura-se que foi só a muito custo que o convenceram a não ir jantar no Alvorada de havaianas, bermuda e camisa regata. Murmuram, mas, da minha parte, vejo nisso um gesto simpático: nossa fama de terra acolhedora não é casual. Ganhamos em carinho o que talvez percamos em formalidade, mas tudo bem, a gente prefere assim mesmo.

E, mesmo assim, pegou mal outra vez. Os países que até há pouco eram nossos amigos reclamaram muito do Brasil aparecer por aí de braço dado com China e Rússia, todo simpático às aspirações delas, todo deferente, todo lencinhos, flores e risadinhas abafadas. Conhecendo o Brasil, tiraram o país de trouxa.

Mas não, não, não é nada disso. A verdade é que, no concerto das nações, o Brasil fica virando as páginas da partitura para quem toca os pratos. No simpósio das nações, o Brasil é o cara que vai e volta da cozinha com as garrafas térmicas de café. No teatro das nações, o Brasil recebe gorjetas nas portas dos camarotes. No baile das nações, o Brasil é o gordão meio bobo que usa calças pula-brejo e é largado na sala das crianças. No tabuleiro das nações, o Brasil é a cocada que sobra.

Pelo visto, nossa volta ao teatro das nações, nosso retorno do ostracismo começou com o pé esquerdo.

* * *

“Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis; nada menos”, disse, pela pena do Machado, o bom Brás Cubas.

O Brasil – Marcela boa, Marcela humilde, Marcela sempre sorridente, Marcela Amélia, Marcela do trisal – amará China e Rússia por muito mais tempo e custará, comparativamente, muito menos.
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