por Anna Virginia Balloussier | Folhapress
Gólgota,
o nome da colina onde Jesus foi crucificado, vem do hebraico e pode ser
traduzido como "caveira". Ao escolher esse nome para seu projeto sobre o
evangelicalismo brasileiro, o fotógrafo Ian Cheibub mira o duplo
sentido que a palavra adquire num país cada vez mais evangélico: "Um
território que é máquina de morte, mas também um lugar de sacrifício,
ressurreição e redefinição de significados".
O Brasil, que já beirou a unanimidade católica e hoje vê a fé
evangélica avançar até uma provável maioria daqui a dez anos, está
ressignificando o que é ser cristão. A reportagem conversou com três
pastores que Cheiub retratou para compreender melhor o pastoreio
evangélico: a ex-candomblecista Norma Bastos, o ex-traficante Nilton
Pereira e o evangélico de berço Silas Malafaia.
A Bíblia dimensiona a importância da função quando, no salmo 23,
sublinha a onipotência divina: "O Senhor é meu pastor, nada me faltará".
No dia a dia das igrejas, o pastor serve de bússola para fiéis. Ele
--ou ela, se a liderança incluir mulheres-- prega a palavra de Deus e
pode saciar fomes menos espirituais, como a provisão de cestas básicas
para quem precisa.
A figura pastoral acabou sendo também associada, sobretudo por
pessoas de fora da religião, à alguém que quer explorar uma massa
incapaz de discernir a própria subserviência.
Um olhar mais próximo, contudo, revela uma teia social bem mais
complexa, marcada por uma horizontalidade que pouco lembra a hierarquia
rígida da Igreja Católica.
Há denominações mais estruturadas, com um líder que pode ser chamado
de apóstolo, bispo, missionário ou pastor. Mas a malha evangélica é
formada principalmente por igrejas pequenas. Qualquer um pode abrir um
templo e pastorear.
Silas Malafaia, 64, pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo
"Quando eu nasci, meu pai já era evangélico há 17 anos. Ele veio do
catolicismo e se converteu porque acreditou num Evangelho que
transforma, não num cristianismo simplesmente religioso. Foi o primeiro
Malafaia que se converteu.
A minha família hoje tem mais de 300 evangélicos. Eu sou a segunda
geração de pastores. Com 12 anos, eu já pregava na Praça Nossa Senhora
da Penha. A partir dos 15, eu evangelizava de madrugada na zona sul do
Rio, na praia de Copacabana. Pregava pra viciado, pra esculhambado, pra
todo tipo de gente.
Por ser evangélico, debochavam de mim na escola, me chamavam de Billy
Graham [um dos maiores pastores dos EUA], falavam "aleluia, vai dar
dinheiro pra pastor, otário". Não existia a palavra bullying ainda, mas a
turma sofria. Hoje nas universidades o cara que é evangélico também
sofre, e sofre com força. Na universidade escutam "Malafaia é
homofóbico, é bolsonarista, é não sei o que", essa conversa toda.
Aos 23, fui consagrado pastor e virei o pioneiro das Assembleias de
Deus na TV. Sofri perseguição por isso, porque grande parte dos pastores
não admitia televisão na época. Só não me excluíram porque meu pai era
um medalhão, pertencia à mesa diretora da convenção geral das
Assembleias. TV e política eram coisas do diabo. Era o que você ouvia
nos púlpitos. Isso alienou muito o povo evangélico. Mas eu, na TV, era
fora da curva. Dizia [ao crente]: "Não, você é um cidadão como qualquer
outro".
Ser pastor é um chamado. A Bíblia diz em Efésios 4:11 que Deus dá à igreja pastores. É algo que você tem que tomar muito cuidado porque você não é dono das pessoas. Como a Bíblia diz, na verdade você é mordomo, você tá tomando conta de pessoas que não são suas."
Nenhum comentário:
Postar um comentário