O
município de Teolândia (BA) vai gastar R$ 1,2 milhão para bancar uma
festa com artistas após ter sofrido com as chuvas e no momento em que a
população ainda enfrenta os efeitos dos desastres. Só com o cachê de
Gusttavo Lima, serão R$ 704 mil. A prefeita da cidade, Maria Baitinga de
Santana (Progressistas), conhecida como Rosa, disse que o sonho dela é
conhecer o cantor sertanejo. “Gente, eu sempre tive um sonho, gosto
demais”, disse a prefeita ao anunciar a contratação. Enquanto destina R$
1,2 milhão para bancar caché de artista, a prefeita alegou
“incapacidade financeira e comprometimento com outras áreas” para não
pagar o piso salarial dos professores.
Assim, descumpriu a lei federal que institui o salário mínimo do
magistério. Ela também apelou aos próprios moradores, pedindo que
enviassem PIX para conta da prefeitura que não tinha recursos para
socorrer os desabrigados pelas fortes chuvas que atingiram o estado no
início do ano. Para a Festa da Banana, o maior valor será gasto na
contratação de artistas de sertanejo, forró e “arrocha”. São R$ 80 mil
para Marcinho Sensação e R$ 170 mil para Unha Pintada. Principal evento
do calendário da cidade de Teolândia, localizada a 140 km de Ilhéus, a
festa acontecerá entre 4 e 13 de junho deste ano. O sonho da prefeita se
realiza no domingo, 5, quando Gusttavo Lima subirá ao palco num show de
uma hora e meia. “Vamos para a Festa da Banana de 2022 com o nosso
embaixador… Quem é, gente? Gusttavo Lima! Gusttavo Lima, minha gente,
com a fé em Deus”, afirmou a prefeita, em junho do ano passado, durante
uma transmissão nas redes sociais para premiação do Rei e da Rainha da
Festa da Banana 2022, atrações que fazem parte do evento. A festa é
bancada pela prefeitura, mas conta também com dinheiro de
patrocinadores. A prefeitura não informou a fonte dos recursos para
pagar os artistas. Considerando o valor gasto com as apresentações, é
como se cada um dos 15 mil moradores da cidade gastasse R$ 80,28 só com
os artistas. Ao mesmo tempo, a cidade ainda sofre com os transtornos
provocados pelas fortes chuvas que atingiram a região do sul da Bahia em
dezembro passado. A cidade enfrentou duas enchentes, que destruíram
estradas e deixaram moradores desabrigados. O valor para pagar o cachê
dos artistas é maior do que o destinado para conter os danos das fortes
chuvas. Moradores da cidade enviaram ao Estadão imagens de estradas que
se transformaram em atoleiros onde ônibus escolares derrapam e têm
dificuldade de seguir seu trajeto. Há também registros de pontes
derrubadas pelas chuvas. Os próprios moradores improvisaram passagens
feitas de madeira para poder atravessar os córregos. Os cachês não são
os únicos gastos da prefeitura de Teolândia para realizar a Festa da
Banana. Só de fogos de artifício serão adquiridas mais de 900 caixas,
além da montagem dos palcos e da infraestrutura para o evento. Um
morador da cidade, sob condição de anonimato, disse que o município “não
tem condições” de contratar um show como o de Gusttavo Lima. Segundo
ele, a cidade tem outras prioridades, como investimentos em saúde e
educação, além de não ter se recuperado dos estragos causados pelas
chuvas. Em dezembro passado, o governo federal destinou R$ 1,14 milhão
para “ações de resposta” à chuva na cidade baiana. O dinheiro saiu do
Ministério do Desenvolvimento Regional, comandado à época por Rogério
Marinho, hoje pré-candidato ao Senado pelo PL do Rio Grande do Norte. A
liberação foi feita por meio de duas portarias publicadas no Diário
Oficial da União (DOU) , no dia 29 de dezembro. Naquele momento, o
presidente Jair Bolsonaro (PL) foi criticado por não ter ido
pessoalmente à região, que amargou pelo menos 27 mortes, 523 feridos e
mais de 62 mil pessoas desalojadas. O município terá até julho para
executar os recursos recebidos no combate às chuvas e deverá prestar
contas ao governo federal sobre o que fez com o dinheiro após esse
período. Até o momento, Teolândia declarou ao Tesouro Nacional ter gasto
R$ 5 mil com ações de Defesa Civil nos dois primeiros meses do ano, o
que representa menos de 1% das despesas da prefeitura no período. O
gasto de dinheiro público para bancar o cachê de artistas da música
sertaneja se tornou objeto de polêmica após uma discussão entre o cantor
Zé Neto, da dupla com Cristiano, e a artista pop Anitta. Em um show, Zé
Neto criticou a artista e disse não depender da Lei Rouanet para fazer
shows, apesar de já ter feito apresentações bancadas com recursos
públicos. Reportagens e internautas começaram a levantar os gastos de
prefeituras do interior do Brasil com os cantores de música caipira. O
episódio ficou conhecido como “CPI do Sertanejo” nas redes sociais –
embora as chances de instauração de uma Comissão Parlamentar de
Inquérito no Congresso sejam remotas. O caso também entrou na mira de
órgãos de controle, como o Ministério Público em Minas Gerais, Roraima e
Rio de Janeiro. Conforme o Estadão revelou, outro caso envolvendo o
artista foi a destinação de uma emenda parlamentar de quase R$ 2 milhões
pelo pré-candidato à Presidência André Janones (Avante) para uma festa
com Gusttavo Lima em Ituiutaba (MG), sua cidade natal, a uma semana da
eleição. O cantor negou que tenha participado de ilegalidades. Procurada
pela reportagem, Rosa Baitinga confirmou a contratação e o motivo pela
escolha: “Porque gosta, o pessoal daqui gosta muito dele”, disse a
prefeita. A gestora não respondeu se os recursos são próprios ou de
outra fonte, como transferência federal ou emenda parlamentar, mas
declarou que a festa tem “vários patrocinadores” porque a prefeitura
sozinha não consegue bancar o evento. “Teolândia não está nessa
confusão, não”, afirmou, ao negar irregularidades e dizer que não falta
dinheiro para o combate aos efeitos da chuvas. “Não está faltando, não,
graças a Deus.” Em uma live na terça-feira, Gusttavo Lima chorou e
rebateu acusações sobre irregularidades em cachês pagos por prefeituras
de cidades pequenas. No decorrer da live, o cantor afirmou estar sendo
vítima de “perseguição e inverdades”.
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