Ana Carolina Contin Kosiak* A reforma política bate à porta, e as articulações, os atropelos e as pressões para acelerar as votações no plenário do Congresso têm um novo alvo: o voto distrital. Sem muitas definições, já que a própria relatora da PEC da Reforma Política, deputada federal Renata Abreu (Podemos/SP), disse que “ainda não tem certeza do que haverá no texto”, a intenção é a de alterar a forma de eleição dos candidatos e candidatas, passando do modelo proporcional para o modelo majoritário. Ao contrário do que se defende, trata-se de um tema bastante complexo que não é capaz de solucionar os problemas relativos ao processo eleitoral brasileiro. O desejo de mudança do sistema político vigente no país é justificado pelo profundo descrédito da classe política e pelo desinteresse pelas disputas eleitorais, que culminam em uma crise de representação política. Nesse cenário, as intenções reformistas buscam resolver os problemas existentes aplicando medidas “salvadoras” – nem de longe simples–, sem pensar nos efeitos colaterais que podem provocar. Quem defende o voto distrital argumenta que eleições em distritos menores e com poucos candidatos permitiriam uma maior aproximação entre eleitores e candidatos. No entanto, essas alegações não possuem comprovação empírica. Nada garante que a proximidade geográfica resultaria em maior cobrança e fiscalização por parte da população ou que a proximidade implicaria em maior efetividade das intenções políticas. Tal situação poderia contribuir, em seu turno, para que os políticos se protejam em distritos cada vez menos competitivos, com objetivo de fácil eleição e reeleição. Além disso, a separação em distritos eleitorais daria um poder ainda maior às lideranças partidárias, o que reduziria a renovação na política, já que os candidatos mais conhecidos seriam privilegiados e teriam mais chances de vitória. É o reforço à intensificação do clientelismo e do fortalecimento das oligarquias locais. Essa condição vai totalmente contra o que o discurso dos entusiastas da reforma política mais defende: renovação e alternância do poder. A propaganda do voto distrital também se relaciona com o cenário internacional. Referências ao Reino Unido e aos Estados Unidos são sempre enaltecidas, com a utilização desses contextos como argumento de autoridade. A venda da eficácia desse sistema político nos traz a impressão de que esse critério tornaria o Brasil um país também desenvolvido. Entretanto, importante sempre ressaltar que o sistema eleitoral não é definidor da sociedade e que seu sucesso em um país não significa que outro terá a mesma experiência. Nos últimos anos, por exemplo, uma série de países abandonou o voto distrital puro, e apenas um (Madagascar) deixou o sistema proporcional. O voto distrital também traria consequências negativas à representatividade, uma vez que limitaria (ou excluiria) a representação das minorias. O esforço coletivo, o pluripartidarismo e a diversidade ideológica correriam risco de ficar à margem do sistema político. Nesse sentido, o benefício oferecido pelo sistema proporcional, que deve ser mantido, é a garantia da pluralidade política e da ampliação da representatividade, especialmente com o reconhecimento da importância das minorias no debate político. Dito isso, importante ressaltar que não há relação direta entre a escolha de um sistema eleitoral e a qualidade da democracia: deve-se reconhecer que é justamente no campo do dissenso, da disputa, do debate, que ela se fortalece. Mudanças nos arranjos políticos de países democráticos são desejáveis e contribuem para o fortalecimento da cultura democrática e de participação política. O que não pode é disfarçar o interesse de alguns setores que vendem a reforma política como “salvadora”, mas que ignoram seus efeitos colaterais e preferem aprová-la com urgência, quase como um chamado à sua sobrevivência, como na “velha política”. *Ana Carolina Contin Kosiak, advogada, mestre em História (UFPR) e mestranda em Direito na Universidade Positivo (UP).
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