Os dirigentes russos voltam à velha política externa que nunca acabou bem: em vez de granjearem respeito e prestígio, querem impor receio e medo. José Milhazes para o Observador:
A
confiança do Presidente Putin nos habitantes da Federação da Rússia é
“tão grande”, que os seus assessores e conselheiros procuram,
afincadamente, novas formas de afastar, de uma vez por todas, a oposição
extraparlamentar russa das eleições parlamentares marcadas para
Setembro.
O
grande e principal objectivo é neutralizar as actividades de Alexey
Navalny e dos seus apoiantes. Depois da tentativa falhada de
envenenamento de Navalny pelos serviços secretos russos, ele foi sujeito
a julgamentos com sentenças pré-definidas: condenação a prisão e
pagamento de pesadas multas.
Mas
como essas medidas da “justiça russa” provocaram o descontentamento de
milhares de pessoas no país, principalmente entre os jovens, e protestos
no estrangeiro, Putin decidiu “cortar o mal pela raiz” e colocar a
organização social “Quartéis-generais de Navalny” na lista das
organizações extremistas e terroristas. Não importa o facto de não
existir uma organização social na Rússia com esse nome, o principal é
calar o líder da oposição extraparlamentar.
No
dia 17 de Maio, um tribunal de Moscovo irá apreciar a proposta de
equiparar o Fundo de Combate à Corrupção e outras organizações ligadas a
Navalny a organizações terroristas, mas já não há dúvidas da sentença
da “justiça” putinista.
Isto
significa que, a partir de agora, essas organizações não poderão
interagir com os órgãos de comunicação social, publicar informação na
internet, organizar manifestações, participar em eleições. Sempre que
essas organizações sejam citadas nos órgãos de comunicação, estes devem
lembrar que se trata de uma “organização terrorista proibida na Rússia” e
de “organizações não-comerciais que cumprem funções de agente
estrangeiro”.
O
primeiro objectivo é amedrontar os apoiantes de Navalny, porque, caso
se manifestem nas ruas ou participem em actividades políticas, poderão
estar sujeitos a pesadas penas de prisão, pois serão julgados por
terrorismo.
Este
processo de perseguição dos opositores já teve lugar antes e sob os
pretextos mais bizarros. Alguns dos mais destacados políticos próximos
de Navalny tiveram de emigrar para evitar a prisão, mas outros decidiram
ficar no país e estão a sofrer as consequências.
No
dia 29 de Abril, por exemplo, o Tribunal de Arkhangelsk, cidade do
Norte da Rússia, condenou Andrei Borovikov, um representante local de
Alexey Navalny, a dois anos e meio de prisão por partilhar nas redes
sociais o vídeo da canção “Pussy” do grupo de rock Rammstein.
Richard
Kruspe, baterista dos Rammstein, comentou assim a sentença: “Lamento
muito que Andrei Borovikov tenha sido condenado a essa pena. A dureza da
sentença é chocante. Rammstein defendeu sempre o princípio da liberdade
de criatividade como direito fundamental do homem.”
Estas
perseguições visam outro objectivo importante: além da proibição de
organizações e de políticos ligados a Navalny participarem nas eleições
parlamentares marcadas para o Outono, elas tentam impedir a organização
do “voto inteligente”. Ideia realizada em escrutínios anteriores, esta
consiste em concentrar todo o apoio num político que seja da oposição à
“Rússia Unida”, principal muleta de Vladimir Putin na Duma Estatal
(Câmara Baixa do Parlamento da Rússia). Até pode tratar-se de um
candidato da oposição obediente: Partido Comunista da Federação da
Rússia, Rússia Justa, etc.
Desta
vez, Navalny e seus apoiantes irão ver impedida a realização dessa
tarefa e a “Rússia Unida”, através desta e de outras ilegalidades, irá
conseguir chegar à maioria absoluta.
A
onda repressiva crescente não se fica só pela proibição de organizações
e pessoas ligadas a Alexey Navalny, mas abate-se também sobre os
advogados que defendem os opositores e os jornalistas. Diariamente, são
relatos casos de buscas e detenções.
Além
da grave crise existente na fronteira entre a Ucrânia e a Rússia, que, a
qualquer momento, poderá originar sérios confrontos militares na
Europa, as perseguições lançadas contra a oposição russa são outro
motivo da guerra fria existente entre o Kremlin e o chamado Ocidente.
Agentes
secretos russos ou “voluntários” ao serviço de Putin realizam operações
terroristas em vários países europeus (República Checa e Bulgária),
envenenam opositores políticos (Grã-Bretanha), lançam ataques
informáticos (Estados Unidos, União Europeia), abatem aviões civis
(Ucrânia), pilham aldeias e vilas, violam mulheres (República
Centro-Africana), e quando os países reagem e exigem explicações, o
dirigente russo, através do seu ministro dos Negócios Estrangeiros,
Serguei Lavrov, faz uma figura de inocente, que convence cada vez menos
pessoas, e ameaça com “respostas assimétricas”.
Moscovo
prefere atirar todas as culpas para cima da NATO, dos Estados Unidos e
da União Europeia, tentando passar a imagem de que a ditadura de
Vladimir Putin é praticamente o único “anjo do bem” que defende a
humanidade dos demónios acima citados, não aceitando qualquer tipo de
crítica.
A
continuação desta política apenas fará aumentar o isolamento
internacional da Rússia e não contribuirá para o desanuviamento de um
clima que há muito não se via nas relações internacionais.
Os
dirigentes russos voltam à velha política externa que nunca acabou bem:
em vez de granjearem respeito e prestígio, querem impor receio e medo. A
Rússia e os seus povos merecem respeito… o mesmo não se pode dizer dos
seus dirigentes.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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