Imprimir o voto não é garantia de que as alegações de fraude deixarão de existir. Diogo Shelp via Gazeta do Povo:
Teoricamente,
não há mal algum na adoção do voto impresso como comprovante físico do
voto eletrônico no Brasil. O eleitor digita sua opção, confirma, pega o
papelzinho impresso e deposita em uma urna. Tecnicamente, há
questionamentos quanto ao sigilo do voto, pois quando o modelo foi
experimentado em 2002 muitas impressoras falharam e os mesários tiveram
que intervir — criando situações em que eles podiam ver o que estava
sendo impresso. Isso poderia ser superado com equipamentos melhores,
entre outras providências.
Mas
o debate que prevalece em torno da adoção do voto impresso não é
teórico nem técnico. Trata-se de uma discussão sobre confiança no
sistema. O presidente Jair Bolsonaro não confia e já deixou isso claro
mais de uma vez. A preocupação não é monopólio da direita bolsonarista.
Parte da esquerda também abraça essa causa, basta ver o recente vídeo
divulgado por Carlos Lupi, presidente do PDT, partido de Ciro Gomes, em
que defende o voto impresso para eventual recontagem.
Não
há nenhuma alegação séria de fraude envolvendo o sistema de voto
eletrônico adotado pelo Brasil na atualidade. Os defensores da urna
eletrônica lembram que ela grava internamente o total de votos, cujo
registro pode ser conferido por qualquer partido. O boletim de urna
permite saber se o número de votos condiz com o número de eleitores, por
exemplo, ou se há disparidades muito grandes entre os resultados de
urnas de uma mesma zona eleitoral. Os votos são registrados em ordem
aleatória, de forma a não identificar o eleitor. E as urnas não podem
ser hackeadas, pois não estão ligadas à internet nem podem ser acessadas
remotamente de outra forma.
Isso
não significa que o sistema seja perfeito. Depois da derrota de Aécio
Neves (PSDB) para Dilma Rousseff (PT) nas eleições de 2014, os tucanos
fizeram uma investigação e, apesar de não terem encontrado evidências de
fraude, reclamaram da dificuldade de auditar o processo.
Imprimir
o voto, contudo, tampouco é garantia de que as alegações de fraude
deixarão de existir. O ex-presidente americano Donald Trump, derrotado
por Joe Biden nas eleições do ano passado, pediu recontagem de votos no
estado da Georgia e, quando o processo confirmou a vitória do
adversário, ele não se conformou. Pediu nova contagem, e mais uma vez
não conseguiu o resultado que queria. Nem por isso desistiu de alegar
fraude.
Mais
uma vez, como ficou claro no exemplo americano, mais do que a
tecnologia utilizada, o que importa é a confiança que se tem no sistema.
O
voto impresso é, portanto, uma solução em busca de um problema. Em
ciência política há o conceito de "lata de lixo para escolha
organizacional", um modelo desenvolvido por Michael Cohen, James March e
Johan Olsen para compreender como as agendas e alternativas de política
pública são formadas. De maneira muito resumida, funciona assim: os
participantes dos processos decisórios vão depositando em latas de lixo
imaginárias (que representam as situações de decisão) soluções ou ideias
em busca de problemas a serem resolvidos e também, com menor
frequência, problemas em busca de soluções.
Às
vezes, dá match entre soluções e problemas, ou seja, eles parecem
feitos uns para os outros. Quando um solução não encontra um problema,
ela é reciclada, até, eventualmente, ser aproveitada. Também pode
ocorrer de simplesmente a popularidade de uma solução ajudar a moldar a
percepção de que há um problema a ser resolvido.
Muitos
dos defensores do voto impresso no Brasil, atualmente, apostam nisso
para emplacar sua solução à procura de um problema. Eles argumentam que
há uma demanda popular pelo voto impresso.
Na
realidade, o que se tenta é criar essa demanda popular. A não ser que
se esteja olhando para dentro da própria bolha política, não há
evidências de que essa demanda seja significativa.
A
pesquisa PoderData divulgada na semana passada com 2500 entrevistados
afirma que 46% deles são contra o comprovante impresso do voto
eletrônico, enquanto 40% são a favor. Outros 14% não sabem. Com muita
boa vontade, pode-se concluir que a bola está dividida. E certamente é
um exagero falar em "demanda popular".
Políticos
gostam de falar em nome do "povo", como se fosse um entidade que pensa
em uníssono. É preciso tomar cuidado com essas generalizações.
Isso
não significa que o voto impresso não mereça ser discutido. Afinal, é
algo que está na agenda política do presidente. Mas a discussão ganharia
em qualidade se fosse mais técnica e menos passional.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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