Hipótese era de que havia restos de vírus na garganta dos pacientes mesmo após a cura, mas nova explicação envolve integração do Sars-CoV-2 no genoma humano. Fernando Reinach para o Estadão:
O
método mais sensível para saber se uma pessoa está infectada pelo
Sars-CoV-2 consiste em coletar uma amostra da secreção presente na
garganta e nas narinas. Em seguida, se usa o PCR para detectar a
presença do RNA do vírus na amostra. Se o resultado for positivo, a
pessoa está infectada: é o famoso teste de PCR. O problema é que, mesmo
após a pessoa estar curada, esse teste continua dando resultados
positivos em muitos casos.
Isso
ocorre porque fragmentos do RNA do vírus continuam presentes na
garganta da pessoa por meses. Mas de onde viriam esses fragmentos se o
vírus foi eliminado pelo sistema imune e a pessoa está curada? Até agora
a explicação era que mesmo depois da cura sobrariam restos do vírus na
garganta. Agora foi descoberto que a explicação é outra.
O
genoma do Sars-CoV-2 consiste em uma molécula de RNA recoberta por uma
cápsula de onde saem os espinhos que aparecem nas fotos. Após invadir
uma célula humana, o RNA presente no vírus é liberado e multiplicado,
gerando um número enorme de outras moléculas de RNA que são
encapsuladas, se transformando em novas partículas virais. Essa nova
geração de vírus é liberada e infecta outras células. É assim que o
vírus se espalha pelo corpo.
Faz
muitos anos que sabemos que moléculas de RNA presentes no interior de
uma célula humana podem ser transformadas em moléculas de DNA e essas
moléculas de DNA ocasionalmente podem ser inseridas no DNA da célula
hospedeira.
Sabendo
disso, os cientistas resolveram investigar se isso acontecia com o RNA
do Sars-CoV-2. Para tanto, usaram diversos métodos que consistem em
isolar o DNA de células infectadas, sequenciar esse DNA e verificar se
pedaços de DNA com sequências do Sars-CoV-2 estão presentes. Não só os
cientistas encontraram diversos fragmentos do vírus em diversas regiões
do genoma, mas descobriram que as regiões que delimitam os locais da
inserção são típicas de um mecanismo que existe em todos nós e que pode
transformar moléculas de RNA em DNA e inseri-las no genoma.
Também
foi possível demonstrar que esses fragmentos inseridos não são capazes
de produzir novas partículas virais (e por isso a pessoa continua
curada), mas produzem fragmentos de RNA que podem ser detectados nos
testes de PCR.
Essas
descobertas demonstram que, em muitas pessoas, o vírus, além de invadir
as células e continuar a se espalhar pelo corpo até ser combatido pelo
sistema imune, também consegue inserir no genoma das células infectadas
pedaços do seu genoma – que permanecem no corpo mesmo após ele estar
curado. Esses fragmentos continuam a produzir pedaços de RNA e proteína
enquanto essas células que foram infectadas e seus descendentes ficarem
em nosso corpo. São esses fragmentos de RNA que são detectados pelo
teste de PCR em pessoas já curadas.
Ainda
não se sabe se esse fenômeno tem alguma consequência além de gerar
testes de PCR positivos, mas os cientistas sugerem que esses fragmentos
produzidos podem talvez servir como um estímulo contínuo para o sistema
imune ou podem estar envolvidos na presença dos sintomas que, em algumas
pessoas, podem durar meses após o término da infecção (a chamada covid
longa). Esse fenômeno não é único do Sars-CoV-2, ele já foi detectado em
infecções por outros vírus.
O
fato é que, após nos curarmos de uma infecção, duas modificações
ocorrem em nosso corpo: nosso sistema imune passa a produzir anticorpos e
células capazes de combater o vírus e o genoma de parte de nossas
células passa a ter fragmentos do genoma do Sars-CoV-2. Essa descoberta
pode ter implicações importantes ou ser somente uma explicação de por
que algumas pessoas apresentam testes de PCR positivos depois de
curadas. É cedo para saber.
MAIS
INFORMAÇÕES: REVERSE-TRANSCRIBED SARS-COV-2 RNA CAN INTEGRATE INTO THE
GENOME OF CULTURED HUMAN CELLS AND CAN BE EXPRESSED IN PATIENT-DERIVED
TISSUES. PROC. NAT. ACAD. SCI. USA
https://doi.org/10.1073/pnas.2105968118
*
É BIÓLOGO, PHD EM BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR PELA CORNELL UNIVERSITY E
AUTOR DE A CHEGADA DO NOVO CORONAVÍRUS NO BRASIL; FOLHA DE LÓTUS,
ESCORREGADOR DE MOSQUITO; E A LONGA MARCHA DOS GRILOS CANIBAIS
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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