Nomadland mostra a face de uma América feia e fracassada. Mas, eu saí do filme com a impressão de que algo mais feio está por vir. Leonardo Coutinho para a Gazeta do Povo:
Nomadland,
de Chloé Zhao, saiu da cerimônia do Oscar 2021 consagrado. Levou a
estatueta de melhor filme; Chloé, com a de melhor diretora; e a
protagonista Frances McDormand, com o prêmio de melhor atriz. Vi o filme
nesta semana. Precisei cortar no meio, pois a modorra era de matar.
Para mim, o grande ganhador do Oscar deste ano é um filme absolutamente
chato. Não me atreverei a fazer crítica de cinema. Não sou a melhor
pessoa para este tipo de atividade.
Trata-se
de uma adaptação cinematográfica de um livro que eu não conhecia até
saber do filme. A estrela McDormand encarna uma personagem fictícia que
contracena com pessoas que representam suas histórias reais em um
híbrido de documentário e ficção sobre pessoas que vivem em vans ou
trailers perambulando onde há trabalho temporário disponível. Muitas
delas entraram nessa vida depois que perderam o emprego e suas casas na
crise imobiliária de 2008.
Deveria
ser triste ver um monte de velhinhos vivendo precariamente como nômades
e pegando no pesado para sobreviver depois de uma vida de trabalho sem
pensões e a estabilidade merecida. Mas há algumas coisas que atrapalham.
1) A overdose de McDormand é tamanha que tudo fica em segundo plano. É
tudo tão exageradamente focado em seu universo que os elementos do drama
social são diluídos na singularidade 2) O filme vende a ideia de que,
apesar de tudo, muitos preferem a ter que se adequar às regras de uma
vida convencional. A personagem central, por exemplo, abre mão repetidas
vezes de uma vida estável para passar frio em estacionamentos no
inverno ou ter que lidar com uma diarreia avassaladora apenas com um
balde plástico. Nomadland quase faz desaparecer o problema que dá origem
ao drama retratado: a já citada quebradeira decorrente do estouro da
bolha imobiliária nos Estados Unidos.
Chloé
Zhao e Frances McDormand vão ao coração da América branca – o Meio
Oeste – para mostrar o fracasso de um país injusto. O filme tem direito
até a uma pregação político-sindical sobre as injustiças sociais. Um
prisma progressista muito utilizado para mostrar as imperfeições da
sociedade americana. E sempre funciona. Muita gente fica avexada. É o
tal tapa na cara que muita gente acha que a classe média e suburbana dos
Estados Unidos precisa tomar, para acordar do “sonho” que seria o seu
próprio país.
Nomadland
fala de uma crise passada. Mas, para mim, acendeu um alerta para a
possibilidade de uma vindoura. Minhas previsões são absolutamente
furadas. Mas não resisto em chamar atenção para algo cada vez mais
evidente ao meu redor.
Algumas
regiões dos Estados Unidos estão evidentemente em um novo processo de
bolha imobiliária. Em Washington, D.C., por exemplo, vender um imóvel
virou sinônimo de leilão. Sempre tem alguém disposto a dar mais.
Corretores estimam que em média os negócios estão sendo fechados com até
30% de sobrepreço. Chama a atenção que muitas operações são em dinheiro
vivo – o que difere sobremaneira da bomba que foi detonada em 2008
devido aos créditos sem lastro.
Este
fenômeno se repete massivamente nos subúrbios da capital americana, na
Flórida, Nova York e Califórnia. E tende a se alastrar. As principais
engrenagens deste fenômeno são os traficantes de drogas e os chineses.
Os traficantes têm dinheiro em cash demais, precisando ser lavado e
inserido no sistema. E os chineses têm dinheiro demais que eles querem a
todo custo tirar do sistema. A tempestade perfeita.
Para
conter a fuga de capitais que vinha ameaçando a estabilidade de sua
moeda, Xi Jinping baixou normas com uma série de restrições à saída de
recursos de seu país. A classe média e os ricos do país – grupo do qual
vem a diretora Chloé Zhao, que filha de um abastado ex-presidente uma
estatal de mineração, que depois de se separar da mãe dela se casou com
uma humorista com permissão do Partido Comunista Chinês para fazer
piadas – faz mil e um truques para tirar suas economias no país, já que
por lei estão impedidos de tirar do país mais de 50.000 dólares por ano.
O
caminho mais comum é o seguinte. Cambistas chineses residentes nos
Estados Unidos são fiéis depositários de pilhas de dólares que lhe são
entregues a gente que precisa lavar dinheiro, sobretudo os traficantes
de drogas. Seus contatos na China oferecem para os ricaços locais
serviços de câmbio barato, discreto e seguro.
Geralmente,
os valores correspondentes à operação de câmbio são pagos na China em
faturas de produtos que são exportados legalmente para o Ocidente,
alimentando o comércio formal por meio das importadoras dominadas por
traficantes. Depois de descontadas as comissões, os cambistas nos
Estados Unidos usam os valores para comprar casas que são alugadas ou,
em muitos casos, ficam fechadas para não chamar a atenção do fisco.
Nada
disso tem a escala de 2008, mas também não sei quão profundo e daninho
por ser. Nomadland mostra a face de uma América feia e fracassada. Mas,
eu saí do filme com a impressão de que algo mais feio está por vir.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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