Como quase sempre, país está pegando fogo, mas é da política que vem a maior novidade, um ultradireitista de colocar no chinelo o atual primeiro-ministro. Vilma Gruzinski:
Chuva
de foguetes do Hamas, protestos violentos em Jerusalém, possibilidade
de nova intifada ou nova guerra. E tudo isso no meio de uma transição de
poder. Israel não é para principiantes.
O
exemplo do momento da eterna caixinha de surpresas da política
israelense: é possível o líder de um partido com apenas sete deputados
no Parlamento – de um total de 120 – ser o primeiro-ministro de Israel?
Não
é impossível, se o líder for um político superdotado como Naftali
Bennett, que impôs uma condição para participar da coalizão que está
sendo negociada pela frente unida apenas pela oposição a Benjamin
Netanyahu: ser o primeiro a chefiar o governo, alternando, depois de
dois anos, com Yesh Lapid.
Pela
lógica, Lapid, líder do maior partido de oposição, deveria ter a
prioridade, mas Bennett, que é da corrente direitista do sionismo
religioso, que une nacionalismo e judaísmo ortodoxo, fincou pé.
A
coalizão negociada por Lapid é um ajuntamento de elementos mutuamente
excludentes: toda a oposição, do centro até a esquerda, mais a direita
religiosa de Bennett e a laica de Avigdor Liberman, a frente de partidos
árabes e, bizarramente, o partido islamista que emergiu da última
eleição.
É
óbvio que essa caldeirada de contradições não pode ter vida muito longa
uma vez que saia do mapa – se sair – o único elemento que os une, o
ódio a Netanyahu. Mas nem tudo é apenas óbvio em Israel.
O
primeiro-ministro de legendária capacidade de sobrevivência política
tentou formar sua própria coalizão e não chegou aos 61 deputados
necessários. Com um processo por corrupção rugindo às suas costas e a
possibilidade bem concreta, embora para ele inadmissível, de ser
obrigado a deixar o governo, Bibi tentou ser simpático e apelou aos
deputados do Yamina que voltassem “para casa”.
O
partido já integrou o governo Netanyahu e Bennett, que saiu do Likud,
foi ministro da Diáspora e da Defesa. Mas, como acontece frequentemente
com personalidades políticas muito fortes, líderes promissores não
crescem à sombra do primeiro-ministro.
A
ruptura não só foi feia como envolveu as respectivas esposas. Uma carta
de Sarah Netanyahu a jornalistas amigos – favorecer proprietários de
meios de comunicação em troca de cobertura positiva é a maior acusação
de corrupção contra o primeiro-ministro – pede que sejam levantados
fatos comprometedores não só contra Bennett como contra sua mulher,
Gilat.
A
briguenta Sarah já criticou Gilat por usar blusa de alcinha, um sinal
irreversível, segundo ela, de que é laica e de esquerda –
características potencialmente fatais no ambiente onde Bennett viceja.
Quem
imagina uma mudança de rumo com a saída de Bibi e a instalação de um
governo onde a maioria seria de centro-esquerda pode ficar desiludido.
Bennett talvez seja mais contra um Estado palestino do que Bibi.
Filho
de judeus americanos que se mudaram para Israel, ele chegou a major nas
forças especiais, as mesmas onde Bibi serviu. Participou da Guerra do
Líbano e, numa de suas declarações mais bombásticas, disse: “Já matei
muitos árabes e não vejo problema nisso”.
Como
muitos oficiais, principalmente da área de inteligência, ele foi para o
ramo de segurança cibernética depois de sair das forças armadas. Criou
duas companhias que vendeu por mais de cem milhões de dólares e, como
disse, poderia passar “o resto da vida tomando coquetéis no Caribe”.
Escolheu o caminho da política.
Israel
está atualmente num dos momentos explosivos que eclodem periodicamente,
com manifestações violentas de palestinos concentradas na Esplanada das
Mesquitas e repressão proporcionalmente dura.
A
reação do Hamas, desfechando novos ataques com foguetes a partir da
Faixa de Gaza, abre a perspectiva de que a situação se deteriore e
derive para um novo conflito, o maior desde 2014. É possível que o Hamas
tenha considerado o momento político um ponto fraco a ser explorado.
Provavelmente, será mais um de seus muitos erros de cálculo.
A
posse de um novo governo que encerre a década e meia de Netanyahu no
poder só seria mais complicada se Bennett não tivesse experiência como
ministro da Defesa e não soubesse exatamente o que quer fazer. Mais: o
atual ministro da Defesa, Benny Gantz, ex-chefe do Estado-Maior,
continuaria a postos. Não é um pessoal fraco.
Num
vale-tudo que pode ou não ser final, Netanyahu se reuniu secretamente
com Mansour Abbas, o líder do partido islamista que emergiu como fiel da
balança, e apelou a ele para não integrar a coalizão que está sendo
negociada para tirá-lo do poder.
Não faltarão surpresas maiores ainda se Abbas e seu partido formarem um governo com a turma de Naftali Bennett.
O
país vai ou não ter nova guerra, vai ou não ter um governo tão
complicado quanto a coalizão em negociação atualmente, vai ou não ter um
novo primeiro-ministro de partido minoritário? São perguntas que terão
respostas nos próximos e incandescentes dias.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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