Damáris e Karen |
A radicalização do feminismo tem feito com que um grande número de denúncias inverídicas ganhem força com a ajuda das redes sociais; o resultado seria um “tribunal da internet”, que frequentemente tem condenado previamente e destruído reputações. Reportagem de Gabriel Sestrem para a Gazeta do Povo:
Karen
Marins, de 31 anos, trabalhava no Cafe de La Musique, em Florianópolis,
em 15 de dezembro de 2018, data em que a influenciadora digital Mariana
Ferrer declarou ter sido dopada e estuprada por André Aranha dentro do
estabelecimento. A paulista formada em moda e estudante de Direito se
viu envolvida no caso como testemunha e, a partir daí, passou por uma
série de adversidades: precisou participar de várias audiências, teve
depressão e foi acusada por Mariana de integrar uma quadrilha de venda
de mulheres virgens para homens ricos.
Após
meses de investigação, a Justiça inocentou André Aranha das acusações,
em primeira instância, por falta de provas. Mariana sustenta que teria
havido um complô que envolvia o Cafe de La Musique, pessoas que
trabalhavam no estabelecimento, a Polícia Civil, peritos que atuaram no
caso, promotor de justiça, o juiz responsável pela ação e até mesmo suas
próprias amigas para favorecer a inocência do réu. Mas ela nunca
apresentou provas que comprovassem suas alegações.
O
caso, entretanto, tornou-se ainda mais polêmico após a publicação de
uma matéria, pelo The Intercept Brasil, na qual foi citado falsamente
que Aranha foi absolvido porque a Justiça considerou que ele cometeu um
“estupro culposo” – tipo penal que não existe na legislação brasileira.
Posteriormente, uma decisão judicial determinou que o veículo
retificasse a informação e esclarecesse que não houve menção ao termo na
sentença, nas alegações finais e em nenhum outro momento do processo. O
The Intercept também foi obrigado judicialmente a revelar que manipulou
o vídeo da audiência realizada em julho de 2020 na tentativa de mostrar
que houve injustiças durante a audiência.
Vítima
de abuso sexual na infância, Karen usou a revolta com o caso para criar
o perfil Manas e Manos, no Instagram, que tem como lema “justiça para
todos, independentemente de gênero”.
Em
16 de janeiro deste ano, a catarinense Dámaris Nunis, de 23 anos,
formada em Direito, se juntou ao projeto e hoje as duas se dedicam a
lutar contra o que consideram falsas denúncias e a defender as
“verdadeiras vítimas”. O trabalho delas consiste em pesquisar a fundo
denúncias de ampla repercussão e oferecer ajuda jurídica para as
vítimas. Ao encontrar o que consideram ser inconsistências nas
denúncias, elas passam a apresentar a seus seguidores o outro lado da
história.
Para
elas, a radicalização do feminismo tem feito com que um grande número
de denúncias inverídicas ganhem força com a ajuda das redes sociais; o
resultado seria um “tribunal da internet”, que frequentemente tem
condenado previamente e destruído reputações.
Veja abaixo a entrevista completa com as mantenedoras do perfil Manas e Manos:
Como surgiu a ideia de criar o perfil Manas e Manos?
Karen
Marins: Para falar sobre a página infelizmente temos que tocar no caso
Mariana Ferrer; esse caso foi o início de tudo. Eu entrei nessa porque
já fui uma vítima de abuso sexual. Fui abusada dos quatro aos seis anos,
então sei o que é ser uma vítima e não acho justo ver mulheres mentindo
sobre crimes desse tipo para se beneficiar. Sabendo que [a alegação de
Mariana Ferrer] era uma mentira, fiquei muito revoltada e comecei a usar
meu Instagram pessoal para denunciar as mentiras dela. E aí conheci a
Dámaris. Ela inicialmente me criticava nas redes sociais e defendia a
Mariana. Eu falava do processo e ela não acreditava, então mandei o
processo para ela e ela viu que estava sendo enganada. Foi aí, em
janeiro deste ano, que nos juntamos.
A
página não existe só por causa da Mariana Ferrer. Existe porque há
muitas “Marianas” no mundo. Cada dia surge uma história diferente, mas o
modus operandi é sempre igual.
Dámaris
Nunis: Comecei nisso porque eu acreditava na Mariana Ferrer. Fui
enganada, me senti muito mal porque estava cursando Direito quando
estava acontecendo todo o caso dela, sabia das leis e mesmo assim caí
nessa. Quando percebi que se tratava de uma mentira, me revoltei.
Resolvi fazer uma thread (fio) no Twitter para mostrar para as pessoas
que ela não era uma vítima. E aí percebi que muita gente também estava
sendo enganada. Foi por isso que me juntei à Karen para tentar mostrar
esse outro lado para as pessoas.
Qual é a visão política de vocês?
Karen
Marins: Eu não me considero nada, prefiro não me rotular. Posso fazer o
bem apenas sendo um ser humano que quer fazer o bem. Diria que não sou
antifeminista – eu sou contra o radicalismo feminista.
Muitas
pessoas estão perdidas porque não sabem o que é o feminismo. Eu comecei
a estudar o feminismo quando eu precisei dele para mostrar que uma
pessoa estava brincando com um caso de estupro, que é uma coisa muito
séria. E o que eu recebi foi xingamento e linchamento. Então o movimento
que é pra ser coletivo, para todas as mulheres, se tornou um movimento
seletivo. Elas escolhem quem querem apoiar e quem não querem.
Dámaris
Nunis: Eu era “esquerdissíssima” até tudo isso acontecer. Agora já não
sei mais o que sou. Estou tentando descobrir. Eu era feminista,
esquerdista, acreditava em tudo o que eu não acredito mais.
Como começou o acompanhamento, por parte de vocês, do caso Mariana Ferer?
Karen
Marins: A Mariana me acusou, na internet, de ser traficante de virgens.
Ela falava que eu fazia parte da máfia que vendeu a virgindade dela e
colocou meu rosto na internet como apoiadora de estuprador. Aí começaram
as ameaças. Agora estou bem, mas tudo isso afetou muito o meu
psicológico. Fui instruída pela polícia a não sair de casa e fiquei numa
cama quase um mês, doente. Não dormia, não comia. Então usei toda a
minha dor para mostrar que ela estava mentindo, que ela não pode ser
colocada ao lado de uma vítima real.
Ela
fez uma ficha-crime contra mim totalmente infundada, me processou por
sete crimes incluindo formação de quadrilha e ameaça de morte. A “ameaça
de morte” que ela menciona foi no dia que ela pediu para seus
seguidores denunciarem o meu Instagram e conseguiu derrubar minha conta
de trabalho com dez mil seguidores. Aí mandei um áudio num grupo,
chorando desesperada, e disse “Ai que ódio, vou matar essa menina”. Essa
foi minha “ameaça de morte” para ela.
Alguns
dias antes de sair a matéria do “estupro culposo”, no The Intercept,
ela tentou fazer um acordo para me calar. O acordo era eu parar de falar
dela e eles retirariam o processo. Não aceitei. Tenho audiência dia 31
de maio no processo que ela moveu.
No
caso Laura Orlandi, inicialmente vocês contataram a Tatiana, mãe da
menina, para prestar-lhe auxílio e em seguida passaram a desacreditar da
história dela, correto? Como foi a atuação de vocês nesse caso?
Dámaris
Nunis: O perfil da mãe da Laura estava crescendo muito, em um dia ela
conseguiu 400 mil seguidores. Então havia muita gente nos contatando,
porque as pessoas já sabem que a gente sempre rema contra a maré. Então,
antes de postar, a gente vai pesquisar e se a gente não souber de nada
não posta. Contatamos a mãe da Laura oferecendo ajuda jurídica e ela
nunca respondeu. Aí foi quando começamos a receber provas contrárias e
começamos a postar seguidamente as nossas provas e as pessoas começaram a
ver o outro lado.
A
primeira prova que obtivemos foi o abaixo-assinado que os vizinhos do
condomínio dela fizeram. Depois começamos a receber áudios e prints de
várias conversas da mãe e fomos publicando. A partir desse momento
acabou a narrativa dela. Ela acusava [o enteado do seu ex-marido] de
estar abusando da filha dela, uma criança de cinco anos. Ela fez várias
acusações, então a gente resolveu colocar o outro lado na internet
porque as acusações eram muito sérias.
No
caso da Mariana, ela ficou um ano falando e só tinha o lado dela na
internet. E a gente sabe que quando não tem o outro lado, as pessoas vão
acreditar. Então tomamos uma atitude rápida para mostrar as provas
contrárias e o caso não ganhar tanta força como ganhou o da Mariana.
Na
maior parte dos casos, vocês estão defendendo homens que estariam sendo
acusados de crimes que não cometeram. Vocês acreditam que com essa
radicalização do feminismo, que vocês citam, passou a haver uma
predisposição na sociedade de “condenar” antecipadamente homens em casos
que envolvem crimes sexuais?
Karen
Marins: Sim. 80% dessas denúncias são falsas, e metade delas são na
vara de família. Como ficam as vítimas reais desses casos? Infelizmente
as mulheres acusam falsamente mais do que os homens. É mais difícil ver
acusações falsas feitas por homens, mas não digo que não exista.
Dámaris
Nunis: E geralmente na internet as mulheres ganham mais força. E nós
vamos contra esse “tribunal da internet”, então naturalmente acabamos
“defendendo” mais os homens.
Karen
Marins: Recentemente, a gente trouxe o caso de uma mulher que foi
falsamente acusada. Mas até nesse caso ela foi acusada por outra mulher.
Infelizmente, a mulher mente mais com relação a esses casos. As
mulheres têm que entender que isso está destruindo vidas e elas não
estão percebendo isso, estão defendendo só porque são mulheres que
acusam.
Até
onde vão as consequências para as vítimas do “tribunal da internet”
quanto às falsas denúncias de crimes, especialmente quando se trata de
abusos sexuais?
Karen Marins: Pode chegar à destruição da pessoa, à morte.
Dámaris
Nunis: E desacredita a própria Justiça. Porque as pessoas deixam de
recorrer à Justiça como o melhor meio de resolver as coisas. Isso cabe
ao juiz, que tem todas as provas para analisar tudo. No "tribunal da
internet" você nunca vai saber o que está acontecendo do outro lado,
você nunca vai ter a verdade.
No
meio de falsas denúncias, sabe-se que há também vários casos reais de
abusos e estupros. Qual seria a postura mais adequada ao lidar com
denúncias desse tipo de crimes?
Dámaris Nunis: Denunciar numa delegacia e esperar a Justiça agir, porque a internet não é lugar de fazer justiça.
Karen
Marins: As mulheres querem fazer justiça na internet sem tentar meios
legais. Isso não é correto. Se você quer uma pessoa na cadeia, pedindo
justiça na internet você não vai conseguir.
Dámaris
Nunis: Geralmente a mulher vai à Justiça, e quando a Justiça nega o
pedido dela, ela vai para a internet. Aí ela fala que foi injusto, mas a
Justiça decidiu, só que de forma contrária a ela. Foi feita a justiça,
não se trata de injustiça, mas ela acha que é e leva isso para a
internet.
Karen
Marins: Infelizmente as feministas tendem a se vitimizar. Elas gostam
de mulheres que se vitimizam a vida toda. Eu nunca quis ser vista como
uma vítima, tanto que pedi para os meus pais, que sabiam do caso, que
nunca contassem para ninguém. Eu não queria que as pessoas me olhassem e
pensassem “Nossa, coitadinha. Ela é assim porque passou por isso”. Eu
quis tentar minha vida, comecei a trabalhar cedo, tive as minhas
escolhas.
Por
que uma mulher que é vítima não pode dar a volta por cima e viver bem,
ter um bom relacionamento, se tratar e se curar desse trauma? Elas
gostam que a pessoa fique ali naquele martírio revivendo aquilo todos os
dias.
Karen
Marins: As verdadeiras vítimas não querem ser vistas como vítimas. A
vítima quer esquecer, passar por cima e mostrar que tudo aquilo foi
pequeno perto da força que ela tem de viver, de ter um relacionamento.
Para mim, não foi fácil ter um relacionamento, na minha adolescência não
foi fácil ter um namoro normal. Mas eu tive que passar por cima disso,
assim como no trabalho e em tudo o mais. Eu me vejo como alguém que
venceu esse trauma.
Na avaliação de vocês, para onde o feminismo está caminhando?
Karen
Marins: Quanto ao feminismo eu só vejo um rumo: o ódio literal aos
homens, o sexismo mesmo. Eu acho surreais certas coisas que escuto e
leio de mulheres. Para que esse ódio? A mulher pode ter tido uma
frustração – se relacionou com um homem que a traiu, que foi canalha, ou
passou por uma situação de abuso. Mas ela não precisa ter ódio de todos
os homens. É justo ela ter ódio do homem que a fez mal, mas colocar
todos os homens no mesmo saco não é certo.
Se
eu fosse igualar todos os homens à pessoa que abusou de mim, hoje eu
seria lésbica certamente. Não posso ficar colocando no mesmo saco
qualquer homem como estuprador ou como agressor. Não é assim. Não dá.
Dámaris
Nunis: Quando tudo aconteceu no caso Mariana Ferrer, eu comecei a ver
melhor as coisas. Comecei a pesquisar muito sobre como funciona de fato o
feminismo e passei a ficar bastante revoltada. Fizemos a thread sobre o
caso. Ali tinha documentos que a gente postou que não tinha em lugar
nenhum. E aí comecei a me tocar que muitas pessoas não querem que a
verdade apareça. Elas querem que a mulher seja vítima e pronto. Eu
postei mais de 70 fotos, documentos, várias provas que não tinha mais o
que falar e mesmo assim não adiantou. A thread chegou a mais de dois
milhões de impressões e mesmo assim não foi para lugar nenhum.
No
caso da Mariana Ferrer, houve esse “efeito manada”, com vários perfis
influentes compartilhando o “estupro culposo” a partir da matéria do The
Intercept Brasil e induzindo muitas pessoas a uma narrativa manipulada.
Nesse e em outros casos semelhantes que vocês acompanham, como o da
Laura Orlandi, costuma haver uma retratação, uma apresentação do “outro
lado” quando novos fatos são divulgados?
Dámaris
Nunis: Teve vários perfis grandes, de influenciadores com milhares de
seguidores, que publicaram sobre o caso Laura Orlandi, por exemplo, e
que não chegaram a se retratar. Se calaram quando viram que era mentira.
Teve outros perfis que contatamos e logo eles mostraram o outro lado.
Mas esses que não mostram o outro lado fizeram a mesma coisa no caso da
Mariana.
A
imprensa muitas vezes também contribui para esse tipo de situação. No
caso da Mariana, eu enviei para vários veículos feministas a sentença,
enviei tudo, eles não publicaram nada. A thread foi postada antes de
sair a matéria do “estupro culposo” no The Intercept Brasil. Antes de
postá-la, fui procurar muitos desses veículos para colocar na mídia, mas
ninguém queria falar sobre isso. Teve jornalista que pediu para eu
enviar tudo, mas depois de um tempo a pessoa desconversou. Alguém
internamente não deixou levar o assunto pra frente. Parece que todos
caminham para o mesmo sentido.
Karen
Marins: O que o The Intercept Brasil fez foi criminoso. A jornalista
manipulou todos aqueles trechos e eles jogaram na internet. Destruíram a
vida de muita gente. A vida deles nunca vai ser a mesma. O André
Aranha, por exemplo, perdeu trabalho, perdeu clientes. Teve que gastar
muito dinheiro para se defender, para arrumar um bom advogado. Ainda
mais no caso dele, que era um caso de estupro. Ela destruiu a vida de
juiz, de promotor. O rosto deles foi publicado em tudo quanto é lugar
falando que estavam comprados. Não dá para não citar isso, a vida deles
foi destruída.
Outro lado
A
Gazeta do Povo contatou o The Intercept Brasil, bem como Mariana Ferrer
e Tatiana Mari da Silva, mãe de Laura Orlandi, a fim de abrir espaço
para apresentarem contrapontos às alegações citadas por Karen e Dámaris.
Não houve retorno até o fechamento desta reportagem.
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