Para além do espetáculo e da politicagem, a CPI faria um favor ao país se colocasse a limpo todos os detalhes envolvendo as negociações para a compra de vacinas. Editorial da Gazeta do Povo:
Há
muitas críticas que podem ser feitas à CPI da Covid-19 e à maneira como
vem sendo conduzida: a indefinição sobre o escopo das investigações, o
fato de muitos a estarem usando como palanque político e ideológico, a
escolha de alguém do naipe de Renan Calheiros para uma posição tão
importante como a relatoria. Mas é inegável que, em meio ao espetáculo e
à politização da pandemia, estão emergindo informações importantes
sobre como o poder público vem conduzindo o combate ao coronavírus. Uma
das mais importantes diz respeito àquela que é a única porta de saída
para o país sair do caos sanitário e econômico: a vacinação.
Em
seu depoimento à CPI, realizado na quinta-feira, o atual ministro da
Saúde, Marcelo Queiroga, admitiu que o governo inflou o número de
vacinas efetivamente contratadas. Em 24 de março, o perfil oficial de
sua pasta no Twitter afirmava que “foram compradas mais de 560 milhões
de doses de vacinas”. Mas, em ofício datado de 12 de abril, em resposta a
requerimento do deputado Gustavo Fruet (PDT-PR), o ministério afirmava
que “os registros documentais demonstram que foram celebrados acordos
para fornecimento de 281.023.470 doses da vacina Covid-19”, ou seja,
metade do anunciado. À CPI, Queiroga primeiramente insistiu nos 560
milhões, mas, depois de um aviso do secretário-executivo da pasta,
passou um outro número, de 430 milhões, e disse que a resposta a Fruet
estava errada.
Por
mais que os 430 milhões de doses, considerando que cada pessoa precisa
de duas aplicações, bastem para imunizar toda a população – o que não
ocorreria com 280 milhões de vacinas –, o ministro não garantiu que
todas elas estejam disponíveis até o fim do ano. Mesmo os fabricantes
nacionais – o Instituto Butantan e a Fiocruz, que respectivamente
produzem a Coronavac e a vacina da Universidade de Oxford/AstraZeneca –
estão encontrando dificuldades devido à demora na importação dos
insumos. Por isso, os cronogramas iniciais de entrega já foram todos
revistos para baixo, e as perspectivas não são muito animadoras enquanto
não estiver finalizada a transferência de tecnologia para que o Brasil
possa produzir o Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA), a matéria-prima
da vacina, o que, na melhor das hipóteses, só deve ocorrer na segunda
metade do ano.
Tudo
isso joga um balde de água fria nas esperanças dos brasileiros, já que
cada dia sem que a vacinação ganhe ritmo deixa mais distante o momento
em que não será mais preciso nem mesmo considerar a possibilidade de
novas restrições ao convívio social e ao funcionamento dos negócios,
enquanto outros países já retomaram boa parte das atividades graças a um
programa de imunização mais eficaz. O sentimento de frustração se
intensifica diante das informações segundo as quais o Brasil poderia ter
garantido mais doses e ser incluído entre os primeiros países a receber
quantidades substanciais de imunizantes aprovados por autoridades
sanitárias respeitáveis, como a norte-americana e a europeia.
Para
além do espetáculo e da politicagem, a CPI faria um favor ao país se
colocasse a limpo todos os detalhes envolvendo as negociações para a
compra de vacinas. Em que circunstâncias se deram as primeiras conversas
com a Pfizer, que ofereceu 70 milhões de doses, recusadas na gestão de
Eduardo Pazuello? Por que o Brasil optou pela cobertura mínima,
correspondente a 10% da população, no consórcio internacional Covax,
quando poderia ter contratado vacinas para até metade dos brasileiros
por esse instrumento? Quanto da lentidão brasileira em vacinar sua
população se deve a fatores externos, como a disputa global pelo
imunizante, e quanto se deve a equívocos internos? Quem, afinal, dava a
última palavra sobre o tema? Uma investigação séria e desapaixonada pode
lançar muita luz sobre a estratégia governamental, seus acertos e erros
– mas o que menos há na CPI são senadores dispostos a fazer seu
trabalho sem se deixar levar por paixões político-partidárias.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário