Ao endossar uma tese sem fundamento e deixar os processos de Lula correrem risco de prescrição, o Supremo se coloca não do lado do Brasil, mas daqueles que o saqueiam. Editorial da Gazeta do Povo - no alvo:
O
plenário do Supremo Tribunal Federal, mais uma vez, decidiu reescrever o
passado, apagando para isso toda uma cadeia de decisões judiciais, para
confirmar a liminar do ministro Edson Fachin que anulou todos os
processos contra o ex-presidente Lula que estavam na 13.ª Vara Federal
de Curitiba. Prosperou, assim, uma tese completamente desprovida de
sentido e cujas consequências vão muito além de tornar Lula um
ficha-limpa, apesar de todas as evidências dos crimes cometidos no
petrolão, podendo levar a uma cascata de nulidades que colocaria a
perder boa parte dos sete anos de trabalho diligente e heroico da
Operação Lava Jato.
Sete
ministros – Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Dias Toffoli, Gilmar
Mendes, Ricardo Lewandowski, Luís Roberto Barroso e Cármen Lúcia –
seguiram Fachin ao considerar que os processos contra Lula não deveriam
ser julgados em Curitiba. Isso apesar de vários tribunais e o próprio
Supremo já terem decidido, em ocasiões anteriores, que os casos
envolvendo a pilhagem da Petrobras eram de competência da 13.ª Vara; e
apesar de tanto a denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal
quanto as sentenças que condenaram ou confirmaram a condenação de Lula
apontarem inequivocamente a ligação entre os crimes cometidos e o saque à
estatal petrolífera, como ressaltou Nunes Marques, primeiro dos três
votos contrários à liminar de Fachin. E, quando se nega a verdade dos
fatos de forma tão escancarada, o resultado só pode ser a confusão,
exemplificada aqui no fato de os ministros não se entenderem sobre onde,
então, tais processos deveriam ser analisados – enquanto Fachin
afirmava que Brasília deveria ser o foro adequado, Alexandre de Moraes
afirmou que eles deveriam ser remetidos para São Paulo, questão que
ficou pendente de resolução.
Tanto
a tese absurda de Fachin quanto a divergência aberta por Alexandre de
Moraes mostram que o sistema de Justiça, em casos de corrupção tão
intrincados e cheios de desdobramentos como o petrolão, parece feito
para não funcionar ao permitir esse tipo de decisão, como bem lembrou o
procurador Deltan Dallagnol em manifestação nas mídias sociais, e como a
Gazeta do Povo também explicou neste espaço. “Qualquer juízo federal
poderia ter julgado essas ações”, disse Marco Aurélio Mello, outro dos
votos contrários à liminar – e acrescentamos: a julgar pelo
comportamento da maioria do plenário do STF, não seria absurdo que os
mesmos processos acabassem anulados onde quer que tivessem sido
realizados; poder-se-ia até mesmo concluir que deveriam ter sido
enviados a Curitiba...
Por
mais incorreta que seja a tese vencedora nesta quinta-feira, não se
pode descartar a possibilidade de que tanto Fachin quanto alguns dos
ministros que o acompanharam – porque também houve os adversários
declarados da Lava Jato entre a maioria – tivessem a intenção de salvar o
trabalho da operação de um destino ainda pior. Isso porque, se os
processos tivessem sido mantidos em Curitiba e prevalecesse o julgamento
da Segunda Turma que tornou o ex-juiz Sergio Moro suspeito, inúmeros
atos processuais e evidências seriam perdidos sem chance de recuperação;
no entanto, com a simples anulação dos processos de Curitiba e seu
envio a outro foro, boa parte deles poderá ser reaproveitada.
Essa
deveria ser uma conclusão automática: extintos os processos de
Curitiba, deixariam de existir também todos os recursos a eles ligados,
inclusive o habeas corpus que pedia a suspeição de Moro. Mas, neste
Supremo Tribunal Federal, a lógica não é o forte de seus integrantes,
como se viu no espetáculo deprimente protagonizado pela Segunda Turma ao
declarar Moro suspeito. Por isso, será preciso que os ministros deixem
explícito o que é óbvio, podendo até mesmo negá-lo. Esta decisão – se,
uma vez confirmada a anulação dos processos, também os recursos perdem
seu objeto – ficou para a próxima semana. E, caso os ministros mais uma
vez queiram desprezar a realidade em nome de conveniências políticas,
criando a bizarra figura de um habeas corpus que segue vivo mesmo tendo
sido impetrado dentro de um processo inexistente, qualquer boa intenção
por trás do lance de Fachin terá sido em vão.
Se
os ministros fizerem o certo e declararem a perda de objeto do recurso
que pedia a suspeição de Moro, terão revertido uma enorme injustiça
contra o ex-juiz. Mas, ainda assim, o saldo da decisão desta
quinta-feira é amplamente negativo do ponto de vista do combate à
corrupção e da busca por justiça. Com os processos de Lula recomeçando
do ponto de partida, ainda que o novo juízo possa reaproveitar parte do
trabalho efetuado em Curitiba, o risco de prescrição aumentou
exponencialmente. E, quando não há punição em um caso no qual as
evidências são avassaladoras, a sociedade sempre perde muito. Ao
colaborar para que alguns dos processos mais emblemáticos da Lava Jato
tenham esse fim, o Supremo se coloca não do lado do Brasil, mas daqueles
que o saqueiam.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário