Em reportagem publicada pela Gazeta, Jean Pecharki alinha quatro motivos que estão emperrando a vacinação em massa no Brasil:
Depois
de atingir picos de 985 mil (30 de março) e 920 mil (26 de março) doses
aplicadas, a campanha de vacinação contra Covid-19 vem desacelerando,
segundo números oficiais do painel de vacinação do Ministério das Saúde.
Nas últimas semanas, as dificuldades de se ampliar a imunização de
brasileiros se mostraram mais concretas que os bons números daquele
momento.
O
ritmo de vacinação despencou vertiginosamente. Hoje, a média de doses
aplicadas nos últimos sete dias não passa de 400 mil, embora o país
tenha uma estrutura pré-montada com capacidade de aplicar 2,4 milhões de
vacinas por dia, segundo o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga.
Os números da vacinação contra Covid-19
Desde
o início da campanha de imunização no Brasil, em 19 de janeiro deste
ano, já foram vacinadas aproximadamente 32,8 milhões de pessoas, cerca
de 14,8% da população do país, segundo dados do Ministério da Saúde.
Deste total, aproximadamente 8 milhões de brasileiros já receberam a
segunda dose, necessária para a imunização completa contra a Covid-19.
A
chamada fase 1 contempla os grupos prioritários, formado por
aproximadamente 77,3 milhões de pessoas. Ou seja, em quase 3 meses foi
atingido pouco mais de 40% desse público-alvo, que só deve ser
completamente imunizado no segundo semestre.
Mas o que falta para o Brasil acelerar o ritmo e iniciar, de fato, uma vacinação contra Covid-19 em massa da população?
A
escassez de imunizantes pelo mundo é apontada como o principal entrave,
mas não o único responsável pela vagarosa campanha. Erros logísticos,
atraso para o início das negociações com os laboratórios e
desentendimentos diplomáticos dificultaram um bem sucedido processo de
imunização amplo no Brasil.
Especialistas
divergem sobre o ritmo da vacinação e apontam ainda outros fatores que
têm dificultado a ampliação desses números por aqui.
1) Atraso na negociação para compra de vacinas
Para
o médico epidemiologista José Cássio de Moraes, professor titular da
Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e ex-diretor do
Centro de Vigilância Epidemiológica de São Paulo, o Brasil entrou
atrasado na “corrida” pela vacina por uma questão política.
“A
Pfizer ofereceu a vacina e teve todo o discurso por parte do governo
federal de que ela não estava liberada pela Anvisa, além da reclamação
de que o contrato possuía cláusulas leoninas. E agora o governo assinou
esse mesmo contrato com a Pfizer, como todos os outros países assinaram o
mesmo contrato, que foi recusado meses atrás”, observa Moraes, que é um
dos responsáveis pelo planejamento das principais campanhas de
vacinação no país.
Segundo
ele, o Brasil está atrasado por uma questão política, porque se
acreditou que a vacina não era importante. "Essa busca efetiva só
aconteceu no final do ano. E aí quem chega atrasado tem que brigar
mais”, explicou o especialista. Em dezembro, Bolsonaro chegou a afirmar
que os laboratórios é que deveriam correr atrás do Brasil e não o
contrário.
O
especialista reforça ainda que o país possui uma estrutura pronta para
ampliar de forma significativa o processo de imunização com a aplicação
de até 80 milhões de doses em poucos dias. Essa sustentação, segundo
ele, é fruto de campanhas realizadas rotineiramente por aqui.
“Há
mais de 20 anos a gente faz a vacinação da influenza e não temos esse
tipo de problema. Ano passado vacinamos quase 80 milhões de pessoas.
Todos os anos vacinamos esse quantitativo em dois meses, dois meses e
meio, por aí. Com o número de 38 mil salas de vacina que temos hoje no
Brasil, se cada sala de vacina aplicar 50 doses, que é um valor bastante
baixo, conseguiríamos aplicar cerca de 2 milhões de dose dia, usando
essa estrutura que temos atualmente, sem precisar de um investimento
extra”, diz.
Esta
ampla capacidade estrutural do Brasil para ampliar a vacinação também
foi reforçada pelo próprio ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, durante
entrevista coletiva da pasta na última terça-feira (13). “A capacidade
vacinal do Programa Nacional de Imunizações (PNI) é de 2,4 milhões de
doses por dia, isso sem contar estratégias adicionais. A gente até
poderia prolongar o horário de funcionamento das salas de vacinação. Por
que não fazemos isso? Porque não temos vacinas suficientes", frisou.
Opinião
mais otimista tem o médico infectologista Renato Kfouri, diretor da
Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). Para ele, o grande obstáculo
para a aceleração da imunização no Brasil é unicamente a
indisponibilidade de vacinas. Outras dificuldades de fato existem, mas,
segundo ele, não seriam impeditivos para uma bem sucedida campanha de
vacinação contra Covid-19.
Segundo
ele, enfrentando campanhas como essas, há dificuldade, às vezes, de
registro, de avaliação, de estudos de impacto, algumas dificuldades
logísticas. "Mas isso não é o que impede ou determina um avanço maior ou
menor da imunização. Acredito que a imunização em massa não anda no
Brasil simplesmente por causa da falta de vacina. Não vejo outra causa
ou motivo para termos dificuldades”, diz.
Kfouri
concorda que faltou planejamento e o Brasil entrou atrasado na disputa
pelos imunizantes no mercado internacional e isso tem dificultado o
recebimento de novos lotes do produto.
“Não
arriscamos nas vacinas candidatas e assim que elas foram licenciadas,
acabaram distribuídas para aqueles países que investiram mais, que
arriscaram mais. Então quem tem vacina hoje é porque apostou, arriscou,
investiu e atualmente está usufruindo dessa condição. Estrutura (para
vacinação em massa) nós já temos. O que falta é vacina, nada mais além
disso”, afirma.
2) Descentralização e politização
Outro
problema apontado para a lentidão é a descentralização dos processos de
vacinação no Brasil. Com a autonomia de estados e municípios, cada
região define seus próprios públicos prioritários, mesmo com um Plano
Nacional de Imunização bem específico. “Está ocorrendo uma falta de um
consenso para o uso e aplicação dessa vacina”, explica José Cássio de
Moraes.
As
prioridades são alteradas a cada momento, com localidades vacinando
públicos específicos de acordo com critérios próprios, gerando um
descompasso na articulação da imunização. “Geralmente essas campanhas
são discutidas consensualmente, entre as três esferas.”, diz.
De
acordo com o médico, essa politização da campanha de imunização, que
surgiu em virtude de atritos entre o governo federal e o estado de São
Paulo, nunca ocorreu, desde a criação do Programa Nacional de Saúde em
1973. “Nunca chegou perto dessa magnitude”, diz o especialista, que
reforça. “Na verdade, o Brasil só começou a vacinar por uma briga
política, do contrário estaríamos numa situação pior ainda.”
3) Falhas de comunicação
Buracos
no processo de comunicação do poder público com a população também são
apontados como um fator que atrapalha o processo de imunização em massa
no país. Exemplo recente disso é de que 1,5 milhão de brasileiros que
deveriam receber a segunda dose da vacina contra a Covid-19 no Brasil
simplesmente não apareceram, colocando em risco parte do processo e
atrapalhando o andamento da campanha.
“A
comunicação nem dá para classificar como péssima, porque é ausente em
nível federal, estadual e municipal. As pessoas têm dificuldade em ficar
sabendo qual é a faixa etária que vai ser alvo da campanha em
determinada cidade, porque os municípios não estão no mesmo ritmo e
adotando os mesmos critérios. Tem cidade que já está vacinando a faixa
etária de 65, outras 67, outras 70, etc. A população fica meio
desnorteada com relação ao grupo etário. Não há uma notificação
oficial”, critica Moraes.
4) Ruídos na diplomacia
Nos
últimos meses o Brasil teve embates importantes com Índia e China, dois
grandes fornecedores mundiais de Ingredientes Farmacêuticos Ativos
(IFA), essencial para a produção da vacina contra a Covid-19. A troca de
farpas entre a diplomacia brasileira, então comandada por Ernesto
Araújo e a China tornou-se pública, a ponto de os asiáticos exigirem “a
cabeça” do chanceler brasileiro para liberar os insumos ao Brasil.
No
caso da Índia, a posição brasileira na Organização Mundial do Comércio
(OMC), contrária à quebra de patentes para vacinas contra a Covid-19,
desagradou os indianos que, desde então, passaram a priorizar outros
parceiros para o fornecimento dos imunizantes.
“Está
se juntando uma tempestade perfeita. Dificuldade em se chegar vacinas,
por demanda e problemas diplomáticos, e uma falta de um acordo para que
as pessoas sejam vacinadas de maneira igual nas diferentes partes do
país. Todas essas questões fazem com que o processo seja lento”, lamenta
Moraes.
Produção local de insumos ajudaria vacinação contra Covid-19
Tanto
o Instituto Butantan quanto a Fiocruz anunciaram, recentemente,
projetos para ampliação de suas unidades de produção de vacinas, gerando
enorme expectativa de que, no segundo semestre, o Brasil possa produzir
imunizantes 100% nacionais, sem a dependência de insumos vindos de
outros países o que, em tese, aceleraria a campanha de vacinação contra
Covid-19.
As
primeiras doses de vacinas produzidas com Ingrediente Farmacêutico
Ativo (IFA) nacional, fabricado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz),
devem ser entregues ao Ministério da Saúde a partir de setembro, segundo
previsão do diretor de Bio-Manguinhos, Maurício Zuma.
“A
produção de um lote demora pelo menos 45 dias. Depois tem todo o
processo de controle de qualidade e caracterização. Nós vamos ter que
produzir alguns lotes, para que tenha validação. Acreditamos que
setembro e outubro a gente possa receber essa autorização da Anvisa e
liberar doses para o Ministério da Saúde.”
O
Ministério da Saúde afirma também que tem reforçado o diálogo com
países produtores de vacinas e de IFA, a fim de reforçar o PNI até que o
Brasil seja autossuficiente na produção desses insumos. A pasta informa
que tanto o Instituto Butantan quanto a Fiocruz têm capacidade de
produzir 1 milhão de imunizantes por dia, o que garantiria 60 milhões de
doses ao programa por mês.
Para
o médico José Cássio de Moraes a medida é positiva, mas só deve ser
efetiva a partir do próximo ano. “Eu tenho sérias dúvidas de que teremos
uma escala industrial de produção de qualquer vacina contra a Covid-19
no Brasil ainda esse ano. Você pode ter uma produção de lotes, etc, que
precisam ser testados. Produção industrial eu não acredito”, lamenta.
Neste
ponto, o diretor da SBIm também se mostra mais confiante com uma
eventual aceleração no processo de vacinação após a conclusão das obras.
“O
cronograma de transferência de tecnologia prevê, para o segundo
semestre, a conclusão dessa fase e a produção de vacinas 100% nacionais.
Então a médio e longo prazo temos uma perspectiva de programas de
vacinação bem mais sólidos no sentido de não dependência internacional.
Eu acho que esse cronograma vai ser cumprido”, conclui.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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