Na cerimônia mais tediosa de todos os tempos, o cinema foi substituído por discursos políticos e futilidades sem o glamour de Hollywood, segundo Kyle Smith, crítico cultural da National Review, em artigo traduzido para a Gazeta do Povo:
Um
dos Oscars dado na noite de domingo (25) foi para o curta-metragem Dois
Estranhos, sobre um negro que é repetidamente morto pela polícia. É O
Dia da Marmota do Black Lives Matter. O Dia da Marmota realmente
funciona como metáfora para o ano passado, certo? É quase como se o
despertador toasse todas as manhãs, Sonny e Cher cantassem e as pessoas
simplesmente... continuassem falando sobre as mesmas coisas. Enquanto
isso, estamos presos ao mesmo lugar. Ao mesmo tempo. Na mesma desgraça.
E
qual foi o espírito da cerimônia de entrega do Oscar em 2021? Foi como a
cerimônia se dispusesse a reproduzir o repetitivo, estranho,
frustrante, ressentido e interminável 2020. Se houve cinco minutos sem
que alguém nos lembrasse de que há algo de horrível acontecendo, eu
perdi. Quando o ponto mais engraçado da festa é Glenn Close rebolando,
temos um problema.
Inacreditável,
mas real: as celebrações da indústria do entretenimento eram
divertidas! Num ano, Whoopi Goldberg apareceu fantasiada de Rainha
Elizabeth e se declarando rainha africana. Comediantes como Chris Rock e
Billy Crystal costumavam tocar o terror.
Neste
ano? A diretora e atriz Regina King apareceu e imediatamente nos lembro
de duas coisas das quais não precisávamos nos lembrar:
"Estamos
sofrendo a perda de muitas pessoas e tenho de ser honesta, se o
resultado tivesse sido diferente na semana passada em Minneapolis, eu
teria trocado meu salto alto por botas militares".
“Sei
que muitos de vocês em casa pensam em mudar de canal quando sentem que
Hollywood está lhe passando uma lição de moral”, acrescentou ela, e
milhões de pessoas pegaram seu controle-remoto para encontrar uma
alternativa mais alegre, tipo A Dor e a Piedade.
Pela
primeira vez desde os anos 1940, o Oscar de Melhor Filme não foi o
último. Os últimos foram os Oscars de Melhor Atriz e Melhor Ator,
aparentemente porque a premiação de Nomadland (que previsivelmente
recebeu o Oscar de Melhor Filme) não seria tão empolgante ou sentimental
quanto a premiação póstuma de Chadwick Boseman por A Voz Suprema do
Blues, filme baseado numa peça de August Wilson que explora sutilmente o
racismo. Boseman morreu jovem e sua atuação foi tão impactante e o
discurso de sua viúva tão emocionante quando ele ganhou o Globo de Ouro
que o Oscar de Melhor Ator parecia barbada.
Mas
quem ganhou foi Anthony Hopkins, por interpretar um homem com demência
em O Pai. Hopkins não estava presente nem mesmo por Zoom, assim como
aconteceu quando ele ganhou o BAFTA, há duas semanas. Ele estava num
hotel, pintando. Aparentemente ele, assim como todo mundo, achava que
não tinha chance contra um morto. Outra surpresa foi a vitória de
Frances McDormand por seu trabalho em Nomadland. Como ela já tinha dois
Oscars e como havia duas atrizes negras (Andra Day e Viola Davis) com
atuações admiráveis, pressupunha-se que todos os atores e atrizes
ganhadores seriam, pela primeira vez, minorias. Os coadjuvantes Daniel
Kaluuya e Yuh-Jung Youn, ambos pertencentes a minorias, já tinham
ganhado suas estatuetas. O fato de dois atores negros não ganharem os
prêmios de Melhor Ator e Melhor Atriz causaria incômodo — e, quando falo
“causar incômodo”, estou querendo dizer “despertaria raiva”.
Antes
dessas surpresas finais, a premiação foi tão empolgante quanto assistir
a uma celebridade lendo os discursos de Jimmy Carter. Os primeiros
prêmios, por ordem, foram para filmes sobre esses temas: masculinidade
tóxica, Alzheimer, alcoolismo, racismo, racismo, racismo. Passamos,
então, para um filme sobre uma mulher indigente de meia-idade que mora
num furgão e faz cocô num balde, Nomadland, que fez de Chloé Zhao a
primeira mulher asiática a receber o prêmio de Melhor Diretor. Depois
premiamos um filme que recria a experiência da surdez, O Som do
Silêncio, depois dois curtas — o primeiro sobre um negro repetidamente
assassinado pela polícia e o segundo sobre tiroteios em escolas. Os dois
produtores de Dois Estranhos, Travon Free e Martin Desmond Roe, usavam
paletós nos quais estavam escritos os nomes de vítimas de violência
policial. Suas lapelas traziam broches representando o número das
camisas de Kobe Bryant e sua filha, Gianna. Ãhn?!
O
primeiro vencedor da noite que não fez a plateia querer repetir o gesto
de Bill Murray em O Dia da Marmota e jogar a torradeira na banheira foi
Soul, a incrível animação da Pixar sobre um jazzista que, já no começo
do filme, cai num bueiro e morre. Foi uma surpresa quando deram o Oscar
de Melhor Documentário para uma aventura submarina chamada Meu Professor
Polvo, um filme sem brutalidade policial nem fantasias feministas de
vingança. Aqui e ali houve bons momentos. Zhao, em vez de falar dos
perigos da globalização (o subtexto do seu filme), disse animadamente:
"As
pessoas, ao nascerem, são inerentemente boas. Sempre encontrei bondade
nas pessoas de todo o mundo. Então este prêmio é para todos os que têm
fé e a coragem de acreditar no bem em si mesmas. E de acreditar na
bondade presente em cada um, por mais difícil que seja. Este prêmio é
para vocês que me inspiram a seguir em frente."
O
britânico Daniel Kaluuya — premiado com o Oscar de Melhor Ator
Coadjuvante por seu trabalho em Judas e o Messias Negro, retratando o
Pantera Negra Fred Hampton — ao menos faz um discurso improvisado que
começava agradecendo a Deus. “Obrigado, Deus. Não estaria aqui sem sua
orientação e proteção”, disse. Depois ele falou de Fred Hampton, “que
homem, como somos abençoados por vivermos na mesma época que ele”
(Hampton morreu 20 anos antes de Kaluuya nascer, mas que se dane), antes
de acrescentar:
"Voltarei
a trabalhar só na terça pela manhã, porque hoje vou varar a noite.
Temos que celebrar a vida. Estamos respirando, andando, isso é incrível.
Incrível. Tipo, minha mãe gostava do meu pai, eles fizeram sexo, é
incrível! E é por isso que estou aqui. Estou feliz por estar vivo, então
vou celebrar isso nesta noite."
Num
esforço para reduzir o contato entre as pessoas, o palco era um
restaurante falso construído dentro da Union Station em Los Angeles.
(“Alguns cidadãos criticaram a cidade por dificultarem o acesso ao
transporte público no fim de semana”, apontou delicadamente a Variety). E
o espírito da premiação era... estranho. Ao menos a maioria das pessoas
importantes estava no mesmo ambiente, evitando a sensação fria das
reuniões por Zoom do Globo de Ouro.
Para
garantir o máximo de tédio, contudo, os apresentadores leram
minibiografias de pessoas das quais a plateia, na maioria dos casos,
nunca tinha ouvido falar. Reese Witherspoon: “O filme preferido de
Michael Govier, quanto ele tinha 12 anos, era Cidadão Kane”. Halle
Berry: “Enquanto jovem estudante de arquitetura, Nathan Crowley
[indicado ao Oscar de Melhor Direção de Arte] nem sonhava em fazer parte
do mundo do cinema”. Bom, talvez ele sonhasse em trabalhar com
arquitetura. Ou talvez ele pensasse que havia outras possibilidades que
não a indústria do entretenimento.
O
primeiro muçulmano indicado ao Oscar de Melhor Ator, Riz Ahmed (por O
Som do Silêncio), pediu que as pessoas que tinham começado a carreira
trabalhando com curtas-metragens levantassem a mão, mas a câmera impediu
que se visse quantos haviam levantado. Não que isso importasse. Quem
quer saber? A premiação deveria ter como público milhões de pessoas, e
não dezenas delas naquele ambiente, e a pergunta só as fez perderem
tempo. “Quantos aqui preferem a cor vermelha? Quantos aqui já estiveram
em Vancouver?”
Duas
horas e quarenta minutos mais tarde, um joguinho chato e sem sentido
sobre canções negras nos filmes nos lembrou de ficarmos com raiva pelo
desprezo a “Purple Rain” há 36 anos, mas ao menos mostrou Glenn Close
dançando ao som de “Da Butt”. (Close perdeu o Oscar pela oitava vez, o
que é um recorde, e não pode ser culpada por estar de mau humor). Até
mesmo o filme sobre as celebridades mortas foi apresentado com o
estranho lembrete de todas as coisas ruins que podem matar as pessoas,
incluindo a pobreza, o que pareceu esconder a perda de pessoas amadas
por trás de questões políticas. Como se as pessoas fossem deixar de
morrer se resolvêssemos nossos problemas sociais. Para mim, os pontos
altos foram os cachorrinhos e a entrada de Julia Roberts, mas esses dois
momentos foram de comerciais.
Bryan
Cranston entregando o Oscar num asilo num Dolby Theatre deserto foi a
cena que captou o nível de energia da noite, assim como o discurso
arrastado de um Harrison Ford de 185 anos quando ele tentou fazer graça
sobre a tristeza e o desânimo provocado pelas reações negativas quando
do lançamento de Blade Runner. No futuro, não só as pessoas deixarão de
assistir ao Oscar (a cerimônia do ano passado foi um recorde negativo de
audiência, com 23,6 milhões de espectadores, mas a deste ano não
chegará nem perto), como você terá de explicar por que houve uma época
em que essas coisas eram consideradas divertidas e empolgantes.
Kyle Smith é membro do National Review Institute e crítico cultural na National Review.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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