Sem Rodrigo Maia como bode expiatório, o presidente deve intensificar seus esforços para atribuir à imprensa e ao STF a culpa pela inércia de seu governo na gestão da pandemia, nas reformas tributária e administrativa, na agenda de privatizações...Diogo Schelp para a Gazeta:
As
eleições dos novos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado vêm
sendo apresentadas pelo governo federal como uma oportunidade para
afastar entraves a reformas estruturais e ao cumprimento de promessas de
campanha do presidente Jair Bolsonaro. De tempos em tempos, desde o
início de seu mandato, Bolsonaro e membros de seu gabinete tratam de
culpar o Congresso Nacional — e em especial Rodrigo Maia (DEM-RJ), que
encerra nesta segunda-feira (1º) seu mandato como presidente da Câmara —
por tudo aquilo que o governo não consegue fazer ou o que não quer
fazer, mas finge que quer.
Com
a saída de Rodrigo Maia da função estratégica na casa legislativa,
Bolsonaro perderá um de seus principais bodes expiatórios. Isso ocorrerá
principalmente se os candidatos governistas na Câmara, Arthur Lira
(PP-AL), e no Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), forem os eleitos.
Uma
das características elementares dos governos populistas (de esquerda ou
de direita, tanto faz) é a necessidade de atribuir toda a culpa por
tudo o que dá errado a terceiros, sejam eles indivíduos, grupos da
sociedade, empresas ou países.
A
depender do momento político, Bolsonaro tem quatro bodes expiatórios
preferidos: o Congresso Nacional, na figura de Rodrigo Maia, o Supremo
Tribunal Federal (STF), os governadores e a imprensa.
Já
no início de seu mandato, em maio de 2019, Bolsonaro começou a culpar o
Congresso por não conseguir avançar com sua agenda de campanha.
Em
abril do ano passado, em um dos momentos mais críticos de seu mandato, o
presidente insuflou e prestigiou manifestações contra as instituições
democráticas, em que os manifestantes pediam o fechamento do Congresso e
do STF.
No
segundo semestre do ano passado, o ministro da Economia, Paulo Guedes,
acusou Maia de emperrar a agenda de privatizações. Um exagero e um sinal
de incapacidade do ministro de olhar para a falta de apetite
"desestatizador" do próprio governo, já que o único projeto de venda de
estatal que sua equipe havia enviado ao Congresso era o de privatizar a
Eletrobras.
Em
dezembro passado, Bolsonaro mentiu ao dizer que, por culpa de Maia, o
projeto para o pagamento do 13º do Bolsa Família em 2020 caducou. Maia
retrucou que isso havia ocorrido a pedido do próprio governo e deu
xeque-mate: se Bolsonaro quisesse, ele colocava em votação um projeto
que permitiria o pagamento. O presidente recuou.
Apoiadores
do presidente costumam vender a narrativa de que Maia emperrou a agenda
de reformas estruturais necessárias para alavancar o crescimento
econômico do país. Mas foi graças a Maia que foi possível aprovar, em
2019, a reforma da previdência, uma pauta extremamente sensível. E
deve-se atribuir também à Câmara dos Deputados a aprovação de um valor
mais alto, de 600 reais, para o auxílio emergencial, que foi de grande
valia para aumentar a popularidade de Bolsonaro no ano passado.
Na
realidade, no que se refere à agenda econômica liberal, Maia sempre
esteve disposto a contribuir. O que Maia de fato dificultou foi o avanço
de projetos da agenda conservadora do governo e, olha só, das seis
dezenas de pedidos de impeachment contra o presidente. Apenas às
vésperas da eleição da Câmara, em que busca eleger um sucessor, o
deputado Baleia Rossi (MDB-SP), Maia passou a apoiar a hipótese de
impeachment, com o intuito de atrair os votos da esquerda ao seu
candidato.
A
verdadeira oposição de Maia a Bolsonaro, ao longo de 2020, se deu na
questão do gerenciamento da pandemia. O deputado foi extremamente
crítico em relação ao posicionamento do presidente nesse quesito, mas
não foi além das palavras. Motivo, aliás, pelo qual a esquerda o
criticava como alguém que só fazia notas de repúdio a Bolsonaro, mas
nada além disso.
Com
a saída de Rodrigo Maia da presidência da Câmara e se o candidato de
Bolsonaro, Arthur Lira, for eleito para o seu lugar, o governo terá
dificuldade de culpar o Congresso por não avançar nas reformas e em
outras promessas. Ainda mais porque, a partir daí, o presidente terá o
apoio dos partidos do centrão — adquirido com o dinheiro dos pagadores
de impostos, por meio da distribuição de cargos no governo e em estatais
e da liberação de 3 bilhões de reais em obras nas bases eleitorais dos
novos aliados.
O
próprio Lira já indicou apadrinhados em órgãos estatais como o
Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) e o Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Além disso, Lira deu uma
mãozinha para a nomeação de Kassio Nunes Marques para a vaga de Celso
de Mello no Supremo Tribunal Federal (STF).
Além
de se render à velha política e ao toma-lá-dá-cá, Bolsonaro perde, com a
renovação das presidências na Câmara e no Senado, uma desculpa
conveniente para os erros de seu governo.
"O
Brasil está quebrado e eu não consigo fazer nada", disse Bolsonaro a
apoiadores no início deste ano. A culpa, afirmou ele na ocasião, era
dessa "mídia sem caráter". Como a imprensa consegue impedi-lo de fazer
qualquer coisa, ele que tem a caneta presidencial nas mãos, Bolsonaro
não explicou.
Sem
Rodrigo Maia como bode expiatório, o presidente deve intensificar seus
esforços para atribuir à imprensa e ao STF a culpa pela inércia de seu
governo na gestão da pandemia, nas reformas tributária e administrativa,
na agenda de privatizações...
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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