Chamar às falas os responsáveis pelo desastre sanitário pode ser um lenitivo para o patológico descaso com a vida dos brasileiros. Editorial do Estadão:
Sobre
a mesa de trabalho do presidente do Congresso, o senador Rodrigo
Pacheco (DEM-MG), está o pedido de instalação de uma Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as ações e omissões do
governo federal na condução da crise sanitária provocada pelo novo
coronavírus. O pedido é assinado por 31 senadores de 11 partidos. É do
mais alto interesse público que esta CPI seja instalada imediatamente.
Pululam
razões para que o Poder Legislativo exerça uma de suas principais
prerrogativas constitucionais, a de fiscalizar o Poder Executivo. De
longe, uma CPI é um dos instrumentos mais graves do sistema de freios e
contrapesos, mas gravíssima é a tragédia que se abateu sobre o País.
Não
é remota a possibilidade de que as atuações do presidente Jair
Bolsonaro e do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, tenham sido
determinantes para transformar o que seria uma profunda crise sanitária
neste horror inominável. Um inquérito parlamentar para apurar
responsabilidades, pois, é mandatório.
Já
são mais de 250 mil vítimas fatais da peste. E não há nada que permita
ao mais otimista dos brasileiros sonhar com dias melhores no futuro
próximo. Ao contrário. É duro constatar que, a ser mantido o
comportamento desidioso da dupla Bolsonaro e Pazuello, a Nação está mais
próxima de prantear 300 mil vidas perdidas para o novo coronavírus em
poucas semanas do que de ver o arrefecimento da crise no País.
No
mesmo dia em que foi registrado o maior número de mortes por covid-19
em 24 horas no Brasil desde o início da pandemia – 1.582 óbitos, no dia
25 passado –, Bolsonaro foi às redes sociais não para lamentar os
mortos, mas para desencorajar o uso de máscaras pela população.
Em
sua irremediável impostura, o presidente aludiu a supostos “efeitos
colaterais” das máscaras que teriam sido “evidenciados” por um “estudo”
cujos autores não conseguiu sequer nominar. De quebra, voltou a criticar
as medidas de distanciamento social adotadas nos Estados para evitar o
iminente colapso do sistema de saúde. Assim, o presidente da República,
em vez de usar seu poder de comunicação para convocar seus compatriotas a
se acautelarem em relação ao coronavírus, faz pouco-caso dos doentes e
mortos e incentiva de forma irresponsável a burla das medidas mais
eficazes para frear o espalhamento do vírus.
É
evidente que este tipo de comportamento irresponsável é apenas uma das
tantas razões que ensejam a criação da CPI da Pandemia sem mais
delongas. Quanto mais rápido os parlamentares investigarem condutas de
autoridades federais que colaboram para o agravamento da crise, mais
rápido elas serão cessadas. E muitas vidas certamente serão salvas.
O
ministro da Saúde, por sua vez, parece ter acordado de um transe e só
agora percebeu a gravidade da crise que, por dever de ofício, teria de
administrar. “O avanço da doença pode surpreender. Não está centrado
apenas no Norte e no Nordeste”, deu-se conta o ministro, até hoje
incapaz de mensurar a extensão da pandemia e, por isso, de apresentar um
plano coerente e factível para enfrentá-la.
Tão
claudicante é a vacinação no País, e tão desleixada é a ação do governo
federal para reverter este quadro, que foi preciso que o senador
Rodrigo Pacheco assumisse a mediação de uma nova rodada de conversas
entre as farmacêuticas Pfizer e Janssen e o Ministério da Saúde para que
o Brasil pudesse sonhar em ter mais vacinas. Ora, só o fato de o
presidente do Congresso ter de fazer o que caberia ao intendente
Pazuello é razão mais do que evidente da premência de uma CPI da
Pandemia.
O
presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), não vê
necessidade de uma CPI no momento porque, segundo disse, não é hora de
“discutir quem é culpado disso ou daquilo”. De fato, a grande prioridade
nacional é vacinar todos os brasileiros e impedir o colapso do sistema
de saúde. Ambas as providências, contudo, dependem de um Ministério da
Saúde que esteja interessado na saúde dos cidadãos, e não nos objetivos
eleitorais do presidente da República. Assim, uma CPI que chame às falas
os responsáveis pelo desastre sanitário pode funcionar como lenitivo
para o patológico descaso do governo Bolsonaro com a vida de seus
governados.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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