O iminente colapso do sistema de saúde em boa parte do País não permite relaxamento – nem das autoridades nem dos cidadãos. Editorial do Estadão:
O
Brasil superou a terrível marca de 250 mil mortes em decorrência da
covid-19. É a maior tragédia nacional a se abater sobre as atuais
gerações. Para aumentar ainda mais a angústia de milhões de brasileiros,
nada indica que a pior fase da peste já tenha passado. Ao contrário, há
evidentes sinais de recrudescimento da pandemia. No Amazonas, por
exemplo, só nos dois primeiros meses de 2021 foram registradas mais
mortes por covid-19 do que ao longo de todo o ano passado.
O
novo coronavírus se espalha como nunca antes pelo País desde o início
deste flagelo, há um ano. Há mais de um mês, os brasileiros convivem com
a morte de mais de mil de seus concidadãos todos os dias. O número é
subestimado. A baixa testagem e a imprecisão diagnóstica escondem a real
dimensão da tragédia.
A
campanha de vacinação, única saída para pôr fim ao morticínio, segue
lenta, incerta. A distribuição das poucas vacinas que há é atabalhoada,
vide a recente trapalhada ocorrida no envio dos imunizantes para o Amapá
e o Amazonas.
Novas
cepas do coronavírus, mais contagiosas, já circulam livremente Brasil
afora, sem qualquer tipo de rastreamento pelas autoridades sanitárias.
Os
sistemas de saúde de pequenas e médias cidades do interior do Brasil
entraram em colapso. Médicos têm de decidir na porta dos hospitais quem
será socorrido e quem terá de se haver com a própria sorte. Muitos
cidadãos, em especial os mais jovens, comportam-se como se a pandemia
tivesse passado. Ou pior, como se não lhes dissesse respeito. É muito
difícil nutrir a esperança por dias melhores diante da ausência de um
espírito mais fraterno que una a sociedade nos esforços para superar um
mal que, independentemente da medida, afeta todos, sem distinções de
qualquer ordem.
No
mais rico Estado do País, São Paulo, estima-se que em apenas três
semanas não haverá leitos de UTI para dar conta do atendimento de todos
os doentes. É de imaginar o que pode ocorrer – na verdade, já está
ocorrendo – em Estados sem as mesmas condições dos paulistas. O
governador João Doria (PSDB) anunciou uma “restrição de circulação”
entre 23 e 5 horas, que valerá de hoje até o dia 14 de março, para
tentar conter o avanço da doença.
A
medida está longe do ideal. Mas o que é “ideal” no atual estágio da
pandemia e dos humores da sociedade? Ideal é o que é possível fazer. É
verdade que a maior parte das pessoas já estaria recolhida naquele
período, mas também é fato que há muitos eventos e festas clandestinas
que reúnem pequenas multidões nas madrugadas. Os objetivos do governo
paulista são coibir, na medida do possível, esses eventos e alertar a
população, mais uma vez, de que as coisas não vão bem. Qualquer medida
de restrição tem também essa função de alertar os cidadãos para o risco.
Sempre
é possível questionar as chances de eficácia das medidas impostas pelo
Palácio dos Bandeirantes, seguindo a recomendação do Comitê de
Contingência da Covid-19, na contenção do espalhamento do vírus. No
entanto, o fato é que, sejam quais forem as medidas adotadas por
governos, no Brasil e no mundo, por melhores que sejam entre as paredes
dos gabinetes de crise, de nada valerão se os cidadãos não as
respeitarem na vida cotidiana. Em outras palavras, a solução para uma
crise da magnitude da pandemia de covid-19 não depende apenas da atuação
do Estado, mas também do engajamento da sociedade.
Evidentemente,
não se está aqui a relativizar a enorme responsabilidade que os atos e
as omissões das autoridades, em especial do presidente Jair Bolsonaro e
de seu ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, têm na construção dessa
tragédia sem paralelos recentes. Chegará o dia em que a negligência de
um e de outro será escrutinada pela Justiça. Entretanto, não cabe uma
postura igualmente omissa e passiva de cada um dos cidadãos.
Hoje,
o País chora a morte de 250 mil dos seus, e nada indica que a pandemia
arrefecerá sem uma robusta campanha de imunização e sem a adoção de
rigorosas medidas preventivas. O iminente colapso do sistema de saúde em
boa parte do País não permite relaxamento – nem das autoridades nem dos
cidadãos.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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