O
binômio conservador versus progressista é um fetiche da guerra
cultural, disputa que continuará por muito tempo a fazer baixas na
inteligência pública. O uso desse dualismo enviesado é útil para fins
eleitorais e para o marketing em geral, apesar de a máquina política
tê-lo ultrapassado como ferramenta da práxis. E as eleições americanas
recentes deixaram isso muito claro.
Biden
é o real conservador em termos de filosofia política nas eleições
americanas. Os inteligentinhos têm dificuldade de sacar isso, porque só
entendem o mundo de forma binária. É uma delícia usar fetiches
intelectuais contra quem os inventou e se masturba com eles, não é?
Perguntam
como ele pode ser conservador em termos políticos se defende as
minorias identitárias. Biden é um liberal em costumes e conservador na
prática política.
Primeiro,
é preciso dizer que a política se tornou obsessiva nos últimos tempos.
Só se fala de sexo e de raça –classe já saiu de moda–, e até a "gestão
de pessoas" das empresas só pensa nisso. Biden é conservador porque
representa a defesa das instituições democráticas de direito. Já Trump é
um niilista pós-moderno.
Portanto,
o binômio do momento é defender a institucionalidade dos processos do
Estado democrático de Direito versus dizer que tudo é mentira nesses
mesmos processos.
É
uma ironia do destino o fato de aqueles que defendem o casamento gay,
por exemplo, também serem os que preservam as instituições de Estado.
Ironia do destino ver que os que defendem a família são os mesmos a
utilizar chavões pós-modernos relativistas –como investir em narrativas
retóricas, porque a "verdade não existe". Isso é demais para os
inteligentinhos binários.
Relativismo
e democracia sempre andaram juntos. Os sofistas já sabiam disso. "O
homem é a medida de todas as coisas", dizia o pai fundador do
relativismo grego, Protágoras. Logo, sabe-se disso há muito tempo. Os
sofistas sempre foram vistos como aliados da democracia ateniense.
Platão, por sua vez, via naquela democracia o risco da demagogia e da
retórica.
A
saturação de narrativas depois das redes sociais asfixia a capacidade
de adesão às instituições. E esse processo não vai parar com a derrota
de Trump nas eleições presidenciais americanas. Esse é apenas um sintoma
de uma síndrome histórica.
Defender
as instituições de Estado não implica zerar todas as mudanças, mas
aceitar as regras do jogo estabelecidas e pensar nessas transformações
de forma lenta e gradual, nascidas dentro dessas próprias instituições.
Trump
se mostrou um niilista pós-moderno. Colocar narrativas no lugar de
verdades –e a própria ideia de cansaço de longas narrativas, definição
nuclear da filosofia pós-moderna– é um daqueles conceitos que nasceram
dentro da nova esquerda francesa, após a derrocada da utopia comunista
da União Soviética.
Tal
definição é um claro fetiche da esquerda cultural. A filosofia
pós-moderna sustenta ideias como sensibilidades culturais, desconstrução
de identidades de gênero, inexistência de verdades, relativismo moral,
enfim, toda uma caixa de ferramentas conceituais, como dizia Richard
Rorty (1931""2007), filósofo americano herdeiro da filosofia
pós-moderna, que agora se volta contra a esquerda americana e a nossa.
A
extrema direita americana passou a utilizar essa caixa de ferramentas
pós-moderna de forma desenvolta e com fins eleitorais. Sua intenção
política é dar voz a um contingente de pessoas que se sentem
irrelevantes e sem representatividade nas instituições –vistas, por sua
vez, como instrumentos da elite mentirosa.
É nesse sentido que Donald Trump lança mão do relativismo pós-moderno, em nome de uma democracia direta e anti-institucional.
Vale
dizer que a tradição americana fortemente federativa traz no seu
interior essa vocação para o surgimento de milícias locais contra "the
boys of Washington", os meninos da capital dos Estados Unidos, o que vem
bem a calhar para esse pós-modernismo de extrema direita.
Entretanto,
a lua de mel de Biden com a guerra cultural acabará em breve.
Rapidamente veremos setores da esquerda cultural xingarem o novo
presidente por ser velho, branco, homem, heterossexual e, portanto,
opressor.
A guerra cultural é um circo de idiotas e radicalizados.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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