Uma novela russa escrita há quase 150 explica o sucesso do PSOL nas eleições municipais e o fascínio que as ideias esquerdistas ainda despertam. Paulo Polzonoff Jr., via Gazeta:
Sei
que você entrou aqui todo ansioso para ler o que tenho a dizer sobre o
PSOL ter virado PT. E agradeço o interesse em minha opinião. Mas, antes
de dar continuidade a este texto, sugiro que você largue os cientistas
políticos (hahahaha) e leia agora mesmo “O Sonho de um Homem Ridículo”,
de Dostoievski. Pode ir que eu espero.
Nesta
novelinha escrita há 143 anos (!), Dostô explica por que mais de um
milhão de pessoas votaram no candidato populista de esquerda que, para
explicar sua postura de eterno confronto, é capaz de cunhar pérolas como
“radicalismo é ter gente revirando o lixo para comer”. Guilherme Boulos
e seu PSOL, partido contraditório até no nome, expressam a queda do
homem e sua malfadada crença de que é possível se igualar a Deus e criar
o Paraíso na Terra.
Não
deu certo uma vez. Não deu certo duas, dez, vinte vezes. Não dará certo
agora. Nem nunca. Porque a ideia de que é possível controlar a ação
humana é antinatural. Mas Boulos, o Lula com contornos científicos,
insiste no erro. E consigo arrasta uma legião formada sobretudo por uma
elite intelectualizada que abdicou da fé na realidade e hoje prefere
abertamente a fé na ciência social.
Paracetamoro
Não
estou aqui, porém, para fazer uma análise espiritual de Boulos, do PSOL
e dessa elite. Dostô, reconheço, faz isso um pouco melhor do que eu.
Estou aqui para falar que, nos últimos anos, o eleitorado “de direita”
esteve tão ocupado em rebater as acusações de fascismo e em pôr Lula
& seus asseclas na cadeia que se esqueceu da força do discurso
progressista.
Tão
certo estamos (ou estávamos) do ridículo do discurso identitário, por
exemplo, que ignoramos sua força entre os que já foram arregimentados
pela fé secular da política. E que, portanto, não veem outros motivos
para existir que não o fato de ser negro, homossexual ou trans e a
possibilidade de “vingar a história de opressão” – ainda que isso seja
puro delírio.
Tamanha
foi, também, a obsessão da luta anticorrupção que nos esquecemos de que
ela é uma febre que quaisquer trinta gotinhas de paracetamoro amenizam.
O remédio, porém, não elimina o vírus, que é essa crença de que o
Estado é meu pastor e nada me faltará. Durante décadas o PT professou
esse credo, que agora é repetido pelo PSOL.
E
não há reação capaz de ir contra esse movimento. Até porque a reação,
isto é, o movimento difuso a que damos o nome vago de bolsonarismo, se
baseia na mesma premissa: a de que o Estado é capaz de prover o maná que
nos sustentará durante essa travessia do nada rumo a lugar nenhum. Não
é.
Ressaca democrática
Ah,
mas você está exagerando, argumenta o leitor. E não tenho como negar
isso, porque realmente sou dado ao exagero. Sem contar que hoje é a
segunda-feira pós-festa da democracia. Dia da tradicional ressaca
política. É possível que Boulos seja apenas um vento que passou em
nossas vidas, ou melhor, na vida dos paulistanos. É possível que o PSOL
se revele uma quimera tão sem futuro quanto as causas ultraidentitárias
de seu partido.
Mas
também é possível que o discurso de vingança, mais uma vez, seduza uma
população com uma noção deturpada de justiça e que ignora as premissas
teóricas mais básicas que justificariam a existência do Estado. Uma
população doutrinada por professores, muitos deles filiados ao PSOL, e
que acredita que o prefeito, governador e presidente existem para lhes
dar uma vida fácil, sem quaisquer obstáculos.
Volto,
aqui neste parágrafo semiderradeiro, ao velho e bom Dostoievski e sua
transformadora novela “O Sonho de um Homem Ridículo”, que aproveito para
recomendar de novo. E de novo. E de novo. Eis como o escritor descreve a
queda do homem e, incidentalmente, explica o fascínio que figuras como
Boulos despertam:
“(...)
O conhecimento é maior do que o sentimento, a consciência da vida é
maior do que a vida. A ciência nos dará sabedoria, a sabedoria revelará
as leis e o conhecimento das leis que regem a felicidade é maior do que a
felicidade. (...) Todos sentiram tanta inveja dos direitos de sua
personalidade que passaram a fazer todo o possível para prejudicar e
destruir a personalidade dos outros, e tornaram isso o sentido de suas
vidas. Depois veio a escravidão, até mesmo a escravidão voluntária; os
fracos se submetiam aos fortes, desde que os fortes os ajudassem a
subjugar os ainda mais fracos”.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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