Um fator determinante do crescimento da direita e da onda conservadora no Brasil foi a adoção, pela esquerda, de pautas progressistas que agridem os valores dos brasileiros comuns. Luciano Trigo, via Gazeta do Povo:
Muito
já se falou sobre os “pobres de direita”, termo cunhado para
desqualificar e ofender os eleitores das classes menos favorecidas que
apoiaram o impeachment de Dilma, votaram contra o PT nas eleições
municipais de 2016 e elegeram Bolsonaro em 2018. Diante do desempenho
medíocre da esquerda no primeiro turno das eleições realizadas ontem, o
termo já voltou a circular no campo progressista.
(Fenômeno
ainda mais interessante e relevante para se entender o contexto atual
do país é o dos “ricos de esquerda”, que analisarei no próximo artigo.
Por ora, vamos aos tais “pobres de direita”.)
Quando
o povo (e não as elites, evidentemente) elegeu Bolsonaro, a reação dos
políticos, intelectuais e artistas de esquerda foi mais ou menos a
seguinte: “Como assim? A gente trabalha tanto para preservar e
capitalizar politicamente a miséria, e é assim que esses pobres ingratos
retribuem? A gente compra honestamente os votos dos miseráveis com uma
esmola mensal, e na hora da eleição eles votam nos fascistas? Brasileiro
é muito burro mesmo!”
O
uso da expressão tem uma função catártica para os esquerdistas. Basta
pesquisar no Google “pobre de direita” para ver o “ódio do bem” contra
os pobres ser destilado em dores cavalares (mas é a direita que é
preconceituosa). Os brasileiros mais humildes são comparados a escravos
que apoiam escravagistas, diagnosticados como doentes mentais e chamados
de jumentos. Do alto de sua superioridade moral, o máximo que os
intelectuais concedem é que não se deve odiar esses pobres, mas ter pena
deles, por serem tão burros e imbecis.
Mas
o “pobre de direita” não passa de uma abstração. No Brasil o voto dos
pobres não é ideológico, mas pragmático. E é compreensível que seja
assim: eles vivem tão precariamente que muitas vezes pensam e votam com o
estômago. Não se pode exigir de quem não sabe quando vai fazer a
próxima refeição que entenda a diferença entre direita e esquerda, nem
que cobre dos políticos investimentos na educação e na geração de postos
de trabalho, nem que demonstre fidelidade a determinado partido, quando
a crise aperta.
O
brasileiro miserável não vota em candidatos de esquerda ou de direita,
vota nos candidatos que oferecem ajuda concreta a curto prazo, sobretudo
na forma de programas assistencialistas que lhe garantam a
sobrevivência.
O
brasileiro miserável não tem tempo para entender a importância de
políticas públicas de longo prazo para a erradicação da miséria (e não a
sua administração permanente, como forma de um partido se perpetuar no
poder).
O
brasileiro miserável sabe que não pode esperar – e tem muitos motivos
para desconfiar de promessas de soluções a longo prazo, cujos resultados
demoram a aparecer. Sobretudo se essas promessas são feitas por
políticos durante a campanha eleitoral.
Foi
por isso que a esquerda se desesperou quando percebeu o impacto do
auxílio emergencial criado pelo Governo federal para mitigar os efeitos
da pandemia. O programa foi criado pela Lei 13.982/2020, sancionada por
Jair Bolsonaro no dia 2 de abril, e representou um duro golpe no campo
lulopetista, ferido de morte em seus principais currais eleitorais.
São
números realmente impressionantes: segundo a Caixa, 67,7 milhões de
brasileiros – o equivalente a um terço da população do país – receberam o
auxílio. Desses, 38 milhões eram pessoas invisíveis, tão pobres que
seus nomes não constavam em nenhum cadastro oficial e, portanto, foram
ignoradas até pelo Bolsa Família. É um Brasil subterrâneo, que estava à
margem de todas as estatísticas, com uma população maior que a do Canadá
Um
estudo da Fundação Getúlio Vargas publicado em outubro revelou que,
graças ao programa de auxílio emergencial, o número de brasileiros
abaixo da linha de pobreza – ou seja, aqueles com renda domiciliar per
capita inferior a meio salário mínimo – recuou impressionantes 23,7%,
atingindo nova mínima de 50 milhões de pessoas, o nível mais baixo da
série histórica. Em plena pandemia, 15 milhões de brasileiros saíram da
linha de pobreza.
Esta
foi, apenas, a maior ação de inclusão social da História do Brasil:
mais de R$ 230 bilhões foram diretamente injetados nas contas de quem
realmente precisa. A projeção é que, até o final de 2020, tenham sido
gastos R$ 322 bilhões, o que equivale, em nove meses do programa, a nove
anos de Bolsa Família.
E esta ação foi feita por um governo de direita.
A
esquerda ficou ainda mais desesperada quando analisou os números mais
de perto. Mais de um terço do valor pago (R$ 66,7 bilhões) foi para a
Região Nordeste, onde a redução da pobreza chegou a 30,4% – com a
aprovação de Bolsonaro aumentando na mesma proporção.
O
Nordeste é a última trincheira do lulopetismo, como demonstrou a
eleição de 2018: para refrescar a memória do leitor, o mapa abaixo
mostra a divisão dos votos no segundo turno, indicando o vencedor por
unidade da federação:
Ora, as últimas pesquisas de popularidade mostram, com algumas oscilações para cima ou para baixo, um apoio persistente (quando não crescente) ao governo Bolsonaro nos estados que a esquerda sempre considerou como um quintal, uma propriedade privada na qual ela mandava – usando o Bolsa família como moeda de troca – e o povo obedecia, em uma versão atualizada do voto de cabresto.
Isso
significa que os pobres do Nordeste eram de esquerda e estão migrando
para a direita? Não. Significa que os pobres não votam por ideologia e
que, portanto, a premissa de que os pobres tendem a votar em candidatos e
partidos de esquerda é falsa. Como afirmou recentemente a cientista
social Esther Solano à “Folha de S.Paulo”: "Quando você está à beira da
fome, sua vida está pautada por coisas muito mais concretas e mais de
subsistência do que de estratos ideológicos".
É
claro que não é só isso. Outro fator determinante do crescimento da
direita e da chamada onda conservadora no Brasil foi a adoção, pela
esquerda, de pautas progressistas que agridem os valores morais dos
brasileiros comuns. Quando a esquerda defendeu uma performance artística
que colocava uma criança em contato físico com um adulto nu (para
deleite da plateia, formada por adultos vestidos), eu escrevi:
“Continuem mexendo com crianças e vão eleger Bolsonaro no primeiro
turno”. O mesmo se aplica à defesa do aborto, da liberação das drogas e
outras formas de ativismo totalmente dissociadas do Brasil real.
“Ain,
mas a popularidade de Bolsonaro aumentou por causa do auxílio
emergencial...”, argumentará o leitor lacrador. Isso é óbvio, da mesma
forma que foi principalmente por causa do Bolsa-Família que os eleitores
daqueles estados elegeram e reelegeram governos do PT entre 2002 e 2014
- até que chegou a conta da incompetência e da corrupção, e a economia
desmoronou. O povo não perdoou e foi para as ruas – e passou a ser
estigmatizado como “pobre de direita”.
Pobres
não são de direita nem de esquerda. São apenas pessoas a quem não foram
dadas oportunidades de educação e trabalho que possam realmente
tirá-los da situação dramática em que vivem, geração após geração.
Enquanto não forem criadas essas oportunidades, os pobres votarão no
candidato que garantir o básico para que não morram de fome, seja de que
partido ele for.
No próximo artigo falarei sobre os ricos de esquerda.
***
Sobre
o desempenho da esquerda na eleição de ontem, foi notável o esforço da
grande mídia para vender a ideia de que a esquerda renasceu. Mais uma
vez, o discurso não correspondeu aos fatos. Em São Paulo, com a
desidratação do PT, que historicamente sempre colocou um candidato no
segundo turno, era natural que alguém herdasse os votos do partido, e a
verdade é que ninguém aposta em Boulos contra Covas.
No
total de prefeitos eleitos no Brasil, o MDB liderou (754), seguido pelo
PP (666), PSD (631), PSDB (486), DEM (450) e PL (335). Só então
aparecem o PDT (304) e o PSB (245). O PT elegeu 174, o PCdoB 45 e o PSOL
quatro prefeitos. Nas capitais, sete prefeitos foram eleitos no
primeiro turno: três do DEM, dois do PSD e dois do PSDB. No segundo
turno, realisticamente, o que a esquerda pode esperar é eleger dois
prefeitos do PDT, dois do PSB e um do PSOL.
Como
já escrevi nesta coluna, a importância que a mídia dá aos partidos
de esquerda é hoje totalmente desproporcional à sua representatividade
política.
BLOG ORLANDO TAMBOSI


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