Ao
menos 298 candidatos a vereador e prefeito que declararam à Justiça
Eleitoral mais de R$ 1 milhão em bens receberam auxílio emergencial do
governo, segundo levantamento do jornal O Globo. Ter patrimônio alto não
é necessariamente um impeditivo para receber o benefício, mas é um
indício de irregularidade. Tem direito a receber o auxílio quem for
autônomo, informal ou estiver desempregado, pertencer a uma família com
renda familiar mensal de até três salários mínimos (ou meio salário
mínimo por pessoa) e não tiver recebido, em 2018, rendimentos
tributáveis acima de R$ 28,5 mil. O advogado João Ricardo Baracho Navas
(foto), candidato a vereador em Itapetininga (SP) pelo PP, declarou um
patrimônio de R$ 6,4 milhões. Ele é dono de um shopping e de um
escritório de advocacia, além de um barco e alguns carros. Anunciou,
recentemente, que está investindo em um novo prédio comercial e, neste
mês, pediu indicação de faxineira para trabalhar duas vezes por semana.
Contatado, diz que requisitou o auxílio porque está “tudo parado”: — Não
tenho renda nenhuma. Meus imóveis, que são de locação, não estão
funcionando, e meu escritório está parado. Tenho quatro filhos para
criar. Não é fácil. Nessas épocas de crise, o patrimônio gera até
despesas, porque tem que mandar funcionário embora. Demitimos todo
mundo. Na sua página do Facebook, nos
últimos meses, João Navas tirou dúvidas de moradores da cidade sobre o
auxílio emergencial. Questionado sobre se seu rendimento em 2018 foi
menor do que R$ 28,5 mil, critério para receber o auxílio, Navas disse
não ter essa informação. — Desde 2015 que eu estou cada dia mais
endividado, não tenho renda fixa. Marcelo Barros, candidato a vereador
pelo PSC em Varginha (MG), tem um patrimônio declarado de R$ 3 milhões,
sendo um terço do valor referente ao terreno onde fica o motel de seu
irmão que, segundo ele, está sem receber visitantes. — Eu fui gerente da
Peugeot, mas hoje eu tenho 70 anos e ninguém me dá um emprego. São
coisas que vão acontecendo na vida da gente. Eu não ganho nada,
infelizmente — diz Marcelo. Entre os candidatos com patrimônio
milionário que receberam auxílio emergencial identificados pelo GLOBO,
há 15 pessoas com patrimônio acima de R$ 5 milhões; 254 são candidatos a
vereador, 25 a vice-prefeito e 19, a prefeito. Dilonzinho Miranda,
candidato a vereador em Virginópolis (MG) pelo PL, declarou um
patrimônio de R$ 5,8 milhões. Ele tem três fazendas, dois caminhões, uma
caminhonete e um carro. Ainda assim, recebeu o auxílio. Procurado, ele
não respondeu por que pediu o benefício. Alguns dos milionários podem
ter sido alvos de fraude, como ocorreu com o candidato a prefeito Beto
Francisco Machado, de Pirajuba (MG). Com um patrimônio de R$ 7,8
milhões, ele afirma que seu nome foi usado indevidamente. Ele já
devolveu o dinheiro à União e enviou os comprovantes ao jornal. O
fazendeiro Geso Evangelista Nerys, com patrimônio de R$ 2,9 milhões,
alega que, apesar de ser dono da fazenda (com plantação de milho e 55
cabeças de gado), ter dois tratores e caminhonete, está praticamente sem
renda. Ele vai concorrer a vereador em Vila Propício (GO) pelo PDT. —
Sou dono, mas sou dono fraco. Não estou dando conta nem de tocar a
terra. Pode ter patrimônio, mas sem investimento, não dá conta, o mato
toma conta (do terreno). Tive muito prejuízo no milho neste ano. Para as
parcelas futuras de R$ 300 do auxílio emergencial, o governo endureceu
as regras, excluindo quem tinha a posse ou propriedade de bens ou
direitos de valor superior a R$ 300 mil em 31 de dezembro de 2019. O
critério não existia nos pagamentos anteriores, analisados pelo GLOBO.
Para o advogado especializado em direito penal Pedro Luís de Almeida
Camargo, a declaração falsa para obter o auxílio pode configurar crime: —
Se for constatado que a pessoa inseriu informações falsas na declaração
para receber o auxílio, ela pode ser investigada e processada pelo
crime de estelionato, que prevê pena de um a cinco anos, aumentada em um
terço pelo fato de a fraude ter sido cometida em detrimento da União.
José Moroni, membro do colegiado de gestão do Instituto de Estudos
Socioeconômicos de Brasília, diz ser possível investigar os casos
apontados. — O que justifica que alguém que tenha um patrimônio acima de
R$ 1 milhão não tenha tido uma renda de, no caso de 2018, até R$ 28
mil? É possível que ela não tenha declarado a renda no Imposto de Renda.
Ou seja, esse pode ser um indício de uma outra irregularidade, que é a
sonegação. O Ministério da Cidadania afirmou que “tem atuado em conjunto
com Polícia Federal e Ministério Público Federal para garantir a
persecução penal de crimes praticados contra o auxílio emergencial”. A
pasta disse ainda que, além “das sanções civis e penais cabíveis”, quem
recebeu o benefício indevidamente terá de devolver o valor. O ministério
diz já ter recebido de volta R$ 166,19 milhões pagos a quem não teria
direito e que o índice de desconformidade no auxílio é de apenas 0,44%,
segundo uma análise da Controladoria-Geral da União.
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