Regime totalitário da China e desacertos de Trump e Bolsonaro agravaram a
situação, afirma o professor Bolívar Lamounier, em artigo publicado
pelo Estadão:
Sobre a pandemia que o mundo está vivenciando dúvidas não faltam, mas
podemos tranquilamente afirmar que a dimensão que ela alcançou se deve a
uma combinação de fatores epidemiológicos e políticos.
Embora pouco protocolar, fez bem o embaixador chinês em Brasília em
repreender um parlamentar que se referira ao coronavírus como o “vírus
chinês”. De fato, a expressão do referido parlamentar foi infeliz e
poderia alimentar a absurda teoria de que a China propositalmente criara
e facilitara a propagação do vírus. É, porém, inegável que a China não
alertou o mundo no devido tempo. Em meados de novembro do ano passado, a
situação na cidade de Wuhan (situada na província de Hubei) já era
crítica e o governo central chinês não se empenhou em prestar
esclarecimentos ao mundo, de forma solene e oficial, como conviria a um
país com as responsabilidades internacionais da China. Com certeza
informou à Organização Mundial da Saúde (OMS), em data que desconheço.
Há quem pense que os chineses demoraram a prestar informações à
comunidade internacional porque, nas primeiras semanas, nada sabiam,
portanto, nada tinham para informar. Começaram a procurar uma vacina,
mas tardaram a entender que o vírus sofrera uma mutação, era, portanto,
algo novo, e então passaram a interagir com cientistas e médicos de
outros países, facilitando o acesso deles aos dados que possuíam.
Os analistas que se apoiam nessa linha de raciocínio geralmente
destacam que Beijing pediu cautela a seus especialistas a fim de evitar
um alarme perigoso, que poderia até mesmo provocar uma convulsão social.
Suponhamos que essa teoria tenha fundamento e que as informações
indispensáveis seriam proporcionadas a outros países para que se
preparassem no devido tempo. O fato, no entanto, é que o poder central
chinês em nenhum momento se pronunciou sobre a matéria de forma
ponderada, mas solene e oficial. Organizando medidas preventivas em
tempo hábil, milhares de vidas poderiam ter sido poupadas e a aberrante
atitude de alguns chefes de Estado que insistiram em minimizar o risco
da epidemia durante cerca de três meses poderia ter sido contestada.
O fato, portanto, é que o todo-poderoso Xi Jinping reduziu o problema
às esferas provincial e municipal, mesmo após saber que a disseminação
do vírus seria extremamente ampla e após a OMS apontar seu caráter
pandêmico. Na prática, o trágico aviso foi dado pela Itália, e em
seguida pela Espanha, que não se prepararam adequadamente para o
gigantesco impacto que receberam.
O caso mais difícil de compreender, um emaranhado que bem merece ser
designado como um pandemônio político, é o dos Estados Unidos. É sabido
que o presidente Donald Trump foi alertado com bastante antecedência
pelos serviços de espionagem, em particular pela Central Intelligence
Agency (CIA), mas recusou-se a tomar providências preventivas, seja por
interesse eleitoral ou por acreditar, em seu tosco entendimento, que a
pandemia, na realidade, não passava de uma “gripezinha”, ou pela
combinação dessas duas razões.
Fato é que o despreparo dos Estados Unidos para efetuar testes era
espantoso. Em fevereiro, autoridades médicas federais falavam em testar 1
milhão e meio de pessoas, mas a revista The Atlantic entrou em contato
com os secretários de Saúde dos 50 Estados e do District of Columbia
(Washington, DC) e mostrou que a capacidade real do país para efetuar
tais testes não passava de 2 mil por dia.
Nem testes, nem isolamento social. Se a propagação do vírus se dá por
contatos entre pessoas, é óbvio que a medida mais importante, a ser
tomada de imediato, é reduzir drasticamente tais contatos. Isso, como já
se notou, Trump não faria. Foi só em meados de março que ele
relutantemente aceitou a necessidade de quarentenas.
Comparado aos EUA, o Brasil (leia-se: o ministro Mandetta e as
entidades e os profissionais de saúde) estão relativamente bem na foto.
É, porém, meridianamente claro que não podemos subestimar os desníveis
sociais, as diferenças de qualidade dos serviços médicos entre Estados e
regiões, a compreensível preocupação dos que temem um efeito arrasador
na economia, nem, e mais importante, as contínuas e desastradas
intervenções do presidente Bolsonaro, adepto da mesma tosca teoria da
“gripezinha” e, ao que tudo faz crer, incapaz de compreender os
requisitos básicos do cargo para o qual foi eleito. Se dependesse só
dele, decerto não teríamos implantado e não estaríamos mantendo
razoavelmente bem a disciplina do isolamento social.
Há quem afirme, principalmente no tocante à Europa, que a ineficácia
das medidas adotadas se deveu em grande parte a informações erradas
recebidas da China até meados de janeiro, incluída a de que o vírus não
seria transmissível entre humanos. Seja como for, parece-me fora de
dúvida que fatores políticos agravaram enormemente a gravidade da
pandemia: o regime totalitário de Beijing e desacertos infantis
cometidos pelos presidentes dos EUA e do Brasil.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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